enquanto eu hoje trabalhavafiquei pensando em escreverum poemade resposta-agradecidoa um antigo conhecido -de sorriso sempre fácile de caráter tão forte,que jamais temeu a sortede saber-se ser distinto;pois nunca duvide do que sintoe acredite na presença -não há ausência que se assentepor entre gente como a gente.e espere sempre a re-união,de tabaco e copo na mão,ao fim de qualquer noite,ao fim do mundo,dois saudosos vagabundos.
get up, put on your shoes, get / started, someone will finish (Diane di Prima, Revolutionary Letter #2)
terça-feira, 28 de setembro de 2010
ao amigo Érico
as mãos
as mãos envelhecem mais cedo.se tornam duras e ásperas e secas,como a vida seca, e áridas,como o sertão que eu li mas nunca vi.cobertas de veias grossasque mais parecem tubos de encanamento.de dedos tortos de tanto estralo,de tanto estralo de anos e anos,de ossos inchadospor onde anel nenhum passa.por onde só o tempo é que passa,veloz e sagaz,consumindo sem misericórdiao instrumento do tato[que nunca esqueceua textura do teu corpo]as mãos envelhecem mais cedo,retrato da vida que passa e do tempoque aos poucosescorre pelos dedos.
culpado
foi coisa de poucomais de um segundo de atrasoe ele já havia apanhadopelo pescoço na boca o pássaroque gritou desesperadoenquanto agarrei o cusco pelo cangotee o atirei de lado.um segundo de atraso.o pássaro ainda gritava em minhas mãos,batendo as asas em plena angústiaenquanto plumas desfiavam no ar.um segundo de atraso.quando coloquei-o com os pés no chãonem fez forçae desabou por completocom os olhos ja semi-cerradosde uma resolução que eu nunca havia visto.um só segundo de atrasoe fui passando a mão pelo seu corpo,acariciando as penasenquanto os dedos buscavam a chaga.um segundo de atrasoe um pescoço destroncado.sabia que não iria viver.já nem se movia mais,já nem mais respirava.morto de olhos abertos, de bico aberto,morto, morte...um segundo de atrasoe uma vida que não salvei.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
na verdade não me importa
eu tenho ouvido muita conversasobre 2012e o fim do mundo,e outro dia alguém me perguntou:"então, se a catástrofe viere a desgraça acontecertu estarás preparadoe habilitado para proveros frutos da tua própria subsistência?na hora não encontrei resposta,mas agora sim:se algo maior do que eudecidir que a humanidade padeçaem 2012 ou seja lá quando for -fecharei meus olhose morrerei em pazorgulhoso e felizda vida que levei;porque eu amei,talvez até demais,eu perdie eu sofri -mas eu sorrimuito mais do que eu chorei.
quando pensou quieto
"então isso é amor.compreendo.estava errado também sobre isso,"pensandocomo ele já havia pensado antese como ele aindahaveria de pensar de novoassim como todo homem já pensou:o quão falsoo mais profundo dos livros se tornaquando aplicado à vida."mas talvez eles estivessem corretosao colocar o amor nos livros,talvez não fosse capazde existir noutro lugar."
Rev. Hightower's lover
mas ele nunca havia
contado isso a ninguém.
nem mesmo a ela.
nem mesmo a ela
quando outrora eles eram ainda
os amantes da noite,
e separação e vergonha
ainda não tinham chegado
e ela sabia e não havia esquecido
com distância, arrependimento
e mais tarde desespero
porque ele se sentava ali à janela
aguardando o anoitecer,
aguardando -
a chegada do instante da noite.
preparado
maturidade poética se alcança
num espaco de tempo de 8 horas
fechado em um toalete de banheiro de parque
2m x 2m à 0 graus
à noite em uma cidade que eu nunca vi antes.
não acho o sono na privada,
vencido pelo frio
que se transforma em insônia
e um desespero
ao alcance de cada minuto
e ainda assim
não enlouquecer completamente,
de alguma forma
não enlouquecer completamente.
carregando pedras
o mais fácil
é ser feliz no passado
ou ser feliz no futuro.
mas só se vive no presente,
que não passa e não chega,
que é sempre, eterno,
foi ontem, é hoje
e inevitavelmente será amanhã.
dizem que se conselho fosse bom
não se dava;
não me importa, não quero mesmo viver
num mundo
em que até isso é vendido.
há de ser feliz
ao longo do caminho que se escolheu
percorrer, no durante,
no agora,
pois só se percorre uma vez,
uma só
única vez.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Joe Christmas
quando foi pra cama naquela noite
ja havia se decidido que fugiria.
sentiu-se como uma águia:
implacável,
suficiente, poderoso,
desprovido de qualquer remorso,
forte.
mas isso tudo passou,
embora não soubesse então que,
feito a águia,
seu próprio corpo
bem como o espaco todo
era ainda uma prisao.
homenagem
a geração perdida
da depressão e do pós-guerra
nas fábricas, nas ruas, nos bares -
doentes de uma solidão moderna
que se arrasta na multidão.
unidos por um cigarro aceso
e uma qualquer esperança apagada;
um copo de cerveja na mesa,
um amor curto e grosso
que deita abraçado mas sonha longe,
e que desperta na calçada
de pedra fria e cimento cinza
como é fria a mão que apanha a caneta,
tensa e suada,
ou que com fúria violenta
bate as teclas da velha máquina alugada,
recém recuperada do penhor -
que trouxe a palavra formada na vida,
amadurecida na perda,
graduada na dor.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Título
Nas luzes de agosto
cada coração é nada
que não outro caçador solitário;
Contos de uma ordinária loucura,
de um sonhador, sonhando
enquanto eu deito morrendo.
O duplo se esconde por entre
notas do subterrâneo
e os anjos do inferno
perguntam ao pó
enquanto aguardam pelo grande sono.
Ressurreição de um blues infinito
imersa na ausencia do herói,
em porções de um caderno
com páginas manchadas de vinho
Tudo isso a sangue frio.
De ratos e homens
a terra desperdiçada,
tudo é guerra o tempo todo,
um longo e doloroso adeus.
Sentimento do mundo,
memórias e sonhos e reflexões,
frutos da discórdia
por quem agora os sinos dobram,
por quem o sol ainda levanta.
A noite se torna insana
pelo som de passos no chao;
gritos do balcão
queimando n'água, afogados em chamas
Tudo isso é som e furia.
a Hamsun, com carinho.
me torno fraco
de tanto sentar e pensar.
memorias da minha vida escondidas no fundo:
um milhao de alegrias,
música e olhos e flores.
não existe esplendor
como o ruído da floresta,
como o balanço,
como a loucura.
porque deveria me apressar?
não faz diferença aonde vou,
não faz diferença aonde estou.
Conversations with God
Should I stand up
and say something
or should I be quiet
and lock myself away.
Should I open that door
and give her
a piece of my heart
or should I swallow it down
and write some words
afterwards
just to release the pain.
Questions I ask myself
in conversations with a god unknown
tonight
just as the night before.
Preso à força da lua
estrela perdida
cruzando o espaço sem destino.
nasci guiado por saturno,
imerso
na eterna contradição do número 8
entre o espírito e a matéria.
e preciso aprender a deixar
que o amor que tanto preciso
possa de vez viver em mim,
para que enfim
minha fadiga encontre
em ti o seu termo.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
visões de um qualquer amanhã
ontem eu pensei sobre um futuro qualquer.
um futuro debruçado sobre a máquina de escrever,
cabelo penteado pra trás,
barba cobrindo o rosto todo,
cigarro apoiado entre os lábios
e uma garrafa de vinho na mesa.
um futuro cerrado num quarto escuro
cercado de livros e papéis rabiscados de poemas de saudade.
quem sabe tendo um ou outro caso -
mas provavelmente sozinho.
batendo dia e noite as teclas pesadas da máquina
e lendo tudo em voz alta
no meio da multidão de fumaça.
nesse futuro não tenho copo
porque bebo direto do gargalo.
e o que tem de errado esse futuro
além da garantia da morte prematura
me enterrando a cada dia
num mar de gritos pintados de tinta.
e eu só sei me perguntar porquê
abracei de volta o tabaco
quando abracei o espaço
vazio
que agora se enche
de uma fumaça quase sólida
que é quase o frio lá fora
e eu me afogo em livros de novo
tentando engolir
mais um descaso
mais um caso que não foi
senão na minha imaginação
que desenrola sem razão
pensamentos em forma de sonhos
que me esmagam sem perdão
pensamentos na forma do teu rosto
que agora é ilusão.
the crack-up
não sei se é cansaço
se é ausência
ou a pressão
de sentir-se quebrado ao meio
mas nas últimas noites todas
acordei de madrugada
apavorado,
transtornado por pesadelos
que se não foram reais
então não sei o que foram
e eu espremo poemas nem sei de onde
durante dias em que duvido
que tenha mesmo nascido pra isso.
o que fazer quando a fortaleza tremeu
e quase tudo ao seu redor melhor se corrompeu?
e quase tudo ao seu redor melhor se corrompeu?
um rádio qualquer
tocando racionais
e um carpete sujo de um quarto
que eu não conheço
em um ponto qualquer do mundo
onde eu caio.
não abatido,
mas sim pagando 50 flexões.
e tanto o fundo do poço
quanto a ponta do abismo
são nada
e muito mais será preciso
pra ser capaz de derrubar.
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