quinta-feira, 30 de maio de 2013

exatamente iguais


eu sou exatamente como você.
eu também carrego dores emaranhadas
num mar de confusão.
eu também tenho receio do que vem por aí
e arrependimentos do passado.
eu também sonho sonhos estranhos
e acordo no meio da noite 
sem saber quem eu sou.
eu sou exatamente como você.
eu também fiz as escolhas erradas e perdi.
eu também levo cicatrizes embaixo da pele
e já chorei no chuveiro
pra não ver as lágrimas.
não precisa ter medo ou vergonha.
eu sou exatamente como você.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

20 alguma coisa de maio


quase 7 da noite
e eu não tenho uma palavra que não seja esqueleto.
O Quarto de Harold Pinter não resolve o meu problema,
nem 2 copos de café com o estômago vazio.

o som das teclas de computador 
tripudia do meu bloqueio, do inútil de dias sem sequer 1 poema.
quase 7 da noite e eu não tenho nada pra dizer.
o refrão é uma técnica manjada.
a mão treme. 
o lápis cai.

O Garçom Mudo me olha de cima da mesa. 
“linguagem é precisão”, ele diz.
“não dá pra culpar sempre a saudade ou a falta de jeito”.
5 pras 7. 

o relógio anda em câmera lenta.
o mês que vem ficou preso no trânsito
e não deu mais notícias.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

em bora


o dia todo a chuva bateu
nas janelas.
a chuva bateu nas janelas o 
ditodo.
quando adormeci já era claro,
já não sei mais o que houve.
não semais 
o quê.
meses e anos têm a mesma 
cara, o mesmo anúncio 
de cera.
ninguém vai te ouvir falar a
gora, só 
chuva a pesar no vidro.

sábado, 25 de maio de 2013

o visitante


só migalhasde uma grande 
explosão de luz, nada mais. 

migalhas que se amam 
e acendem cigarros em esquinas sem nome.

migalhas que carregam sextas-feiras
embaixo de guarda-chuvas

e escondem silêncios sob hemorragias.

migalhas que aguardam vozes em telefones 
e acabam sem saber

como uma mosca morta boiando 
num copo de vinho.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

o som do silêncio


a pega-rabuda pousa 
no galho

enquanto o sol aparece.

a moto derrapou numa mancha de óleo
e ele ficou paraplégico.

ele que já tinha sido
depressivo.
ele que já tinha sido
anoréxico.
ele que tinha recém  
ficado noivo. 

a pega-rabuda alça voo e some.

ele que tinha recém 
saído da clínica.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

a calma


curvado no box
pescando tufos de cabelo 
e ranho
do ralo entupido

e esfregando o interior
da patente, 
o suor da testa 

pingando na água suja,
sem cheiro 
de vinho shiraz.

por que você não dança?


significado do acaso
significados concretos 

cada pessoa possui o haikai 
o fato

escreveu até então
por sua vez, 
profunda banalidade

as opções com efeito, o desejo
é bem mais que o verbo
eu fico 

é importante essa tripla 
destruição
potencial de objetos 

e emergência por acaso, 
ou seja, arquivo. 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

mil vezes ou mais


quase mil postagens e tão pouco a dizer.
em quantos quartos diferentes sonhei contigo 
e acordei sem nada, 
no meio de alguma estação do ano?

quantas vezes desconstruí tudo e recomecei do zero?
quanta coisa deixei para trás em linhas de caderno e sedas de cigarro?
em pontos de ônibus e postos de gasolina?

quantas vezes foi tarde demais 
e quantas vezes não foi?
em quantos vagões de trem e sob quantas chuvas?
que mês era mesmo?

quase mil postagens e tão pouco a dizer, 
só que mil vezes ou mais 
vale a pena tentar.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

antologia 


manuelzão e miguilim,
tutaméia.
bufo e spallanzani,
caetés,
o louco do cati.
desolação:
os grilos não cantam mais
martini seco.
ah é?
morangos mofados,
quarup.
cemitério de elefantes.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

processo


o computador desligado
e as luzes apagadas.

o chuveiro pingando no box
e o fio da persiana batendo no vidro da janela,

marcando o tempo,
é o mais perto de companhia.

de manhã cedo, 
acordo com o barulho de uma chuva fina 

e levanto pra tomar café 
e escrever um pouco.

chorar não adianta


também é um mistério da existência
o lixo cheio de filtros, cascas 
de cebola e borras de café.
também é uma declaração de amor 
o papel toalha sujo de sangue, 
merda e molho de tomate.
também é uma metáfora da saudade
as teias de aranha no fogão

e até os furos de prego na parede
têm a sua ausência própria, 
tão doída quanto ausência nenhuma.

sem você aqui


isso não é haikai
mas a cama não tem apelo
sem você aqui.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

sem saber


e se a dor fosse apenas 
um risco de giz?
e se o remorso perdesse peso e virasse pó, 
dançando no quarto contra a luz, quase invisível?
e se o tempo voasse como às vezes pedimos, 
e parasse quando queremos, 
recuperável, seria diferente?
e se gostar de alguém fosse tão difícil 
quanto passamos a vida fingindo que é?
e se um copo de café 
contivesse todas as respostas, 
ainda seriamos felizes 
sem saber?

segunda-feira, 6 de maio de 2013

de onde eu falo


papel em branco, mente vazia
tudo termina onde começou.
o poema, a vida, a noite.
o amor.
a nossa imagem no espelho,
cada vez mais estranha.
a época da cheia.
os verões.
o coração cada vez mais forte
quanto mais longe de si mesmo.

quase igual


mas você tá feliz? você me pergunta,
enquanto eu lavo morangos na pia.
retrospectiva rápida: 
faz mais de um mês que eu preciso de um corte de cabelo.
o leite pro café acabou, não faz mal.
o pó acumulou, faz semanas que eu não varro o chão.
as teias de aranha, invisíveis ao olho humano não fosse a reflexão da luz,
se penduram no teto
enquanto eu mato moscas contra a tela do computador.
vejamos, graças a deus chove quase o tempo todo,
nada como tempo ruim.
hoje de manhã eu caguei lendo Harold Pinter.
mais tarde tem futebol. 
à noite você me liga, depois eu vejo um filme ou leio Nabokov.
sim, respondo, 
cortando os morangos pela metade.
mas sem você aqui, tudo é quase igual.

sábado, 4 de maio de 2013

somewhere


once more
I go to the bathroom,
open the door
and see the lights on.
the open cabinet.
the tub that I don't have filled with water.
a cellphone charging.
moisturizers.
make-up.
you have to be here
somewhere.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Literatura


eu li O Estrangeiro em Londres
sentado em cima da mala 
no beco da North End Road
onde eu ia morar.

eu li O Som e a Fúria
antes do sol nascer em Sydney
dia após dia no 377 
das 6:01 que vai pro centro.

eu li Suave é a Noite 
tomando o café de $1,50 
do Five Star Kebab enquanto 
o caminhão não chegava.

eu li Big Sur num quarto de hotel 
azul em Amsterdã, 
mais sozinho e doente 
do que eu era capaz de admitir.

o silêncio é pior


feriado.

um som de flauta vem de algum apartamento.
desafinada, 
a melodia é mais triste que Bach, 
mais frágil 
que essa mosca no vidro.
esqueci de pôr água quente na frigideira ontem à noite.
os pássaros voam, as árvores ganham folhas 
ou não. 
primeiro de maio.
nem sei se é primavera.

a flauta parou.