sentado na entrada do bar fechado numa manhã de
sábado ainda cinza.
pessoas descem a rua com pressa
fumando cigarro ou falando no telefone.
pombos ciscam em volta à procura de uma migalha
de qualquer coisa, doce ou salgada.
ao lado, um copo do café de $1 da lanchonete turca.
um rato dá as caras no bueiro.
paro de ler tender
is the night
e fico olhando o rosto da moça de cabelos curtos na
capa amassada.
o celular diz que são 7:12 enquanto rezo por um
atraso,
enquanto fecho os olhos e sonho
que hoje não preciso ir trabalhar.
a van do japonês encosta pra descarregar
espetos de carne congelada.
o japonês usa luvas de dentista e se move sem
perder tempo.
na entrada do hostel ao lado turistas ingleses fumam
de chinelo de dedo e calça de moletom
com a indiferença de quem sabe que o dia não
reserva obrigação alguma.
não usam relógio, e têm o sorriso fácil.
pego uma caneta bic da mochila e rabisco no
marcador de livro
um poema que possa me tirar daqui.
7:27 e o caminhão vai encostar a qualquer
momento.
aos poucos, o sol começa a aparecer
por cima do prédio do escritório de finanças e serviços
públicos
do estado australiano, e isso é ruim
porque quer dizer que hoje o dia vai ser quente
outra vez.
olho pra capa do livro fechado,
pro rosto melancólico da moça apoiado
sobre o piano de cauda escuro,
o fundo cinzento, a palavra ternura.
o caminhão dobra na curva de cima e buzina.
7:31 de um dia em que a pontualidade
é um chute no saco de quem espera por algum milagre.
a caçamba do caminhão cobre o sol enquanto
estaciona
mas a sombra é uma mentira.
faz uma semana que você morreu.
abro a porta do caminhão e entro
e o motorista estende uma lata de 500ml de energético
verde fosforescente
que abro e sorvo como se fosse um antídoto
mas é só mais um veneno.
o celular toca, pego a caneta bic e o marcador de
livro e anoto o endereço
que o chefe do outro lado da linha soletra
provavelmente errado e que por isso
o gps vai ser incapaz de encontrar
então em vez disso “pega o mapa atrás do banco do
passageiro
e procura lá porque fica perto daquela região que
aquela vez. . .”
e assim o dia se desenrola
e a essa altura lembro de você e do carro perdendo o
controle no asfalto molhado
e da árvore em chamas
e de como a vida é frágil
e já começo a suar e penso em fitzgerald
e respiro fundo e peço pelo amor de deus
que ele ou qualquer outra pessoa me aponte uma
saída
de tudo isso.
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