segunda-feira, 30 de abril de 2012

Ao Mesmo Tempo




O tempo é mesmo estranho. Como
Muda. Como passa. Como ora acalma
E ora derruba. Como acumula
Ora atrás da porta
E como ora o vento bate embora.
O tempo espera. O tempo aguarda
Por você que nunca chega. Você diz que chega
Que basta
Mas o tempo ignora. Como o fogo destrói a casa
Mas não o campo em que ficava.
Não olhe agora. O tempo mata
O que a memória reencontra. O que o sonho
Transforma. O tempo que anda.
 

O tempo engana
E as horas já não são mais as mesmas. Nem tudo
Se torna. O tempo às vezes permanece.
Como ele ora divide o céu com a lua
E ora disputa espaço entre as estrelas.
Como desperta na primeira luz da aurora
E se recolhe bem logo ela anoiteça. O tempo corre
Mas o tempo nunca esquece
Do tempo que passou de joelhos. Como cansa.
Como o corpo anseia. Como o tempo dança a valsa
Em volta de dias iguais. Como o tempo inteiro
É uma colcha de retalhos. Ecos separados
De um mesmo grito
Retumbando ao mesmo tempo.

sexta-feira, 27 de abril de 2012



Você Escuridão
' Du Dunkelheit '





Você escuridão, de onde eu provenho,
amo você mais que todos as chamas
que cercam o mundo,
posto que irradiam
em torno de qualquer pessoa um círculo,
fora do qual ninguém sabe a seu respeito.

Por outro lado a escuridão encerra tudo;
formas e chamas, animais e eu mesmo, 
como os reúne!—
pessoas e poderes—

E isto é possível: que uma grande força
esteja se acercando de minha vizinhança.

Eu creio em noites. 





- Rainer Maria Rilke



Causa e Efeito
' Cause and Efect '




os melhores frequentemente morrem por suas próprias mãos
somente para se verem livres,
e aqueles deixados para trás
nunca conseguem de fato entender
porque qualquer pessoa
iria algum dia querer
se ver
livre
deles.






Mercedes vermelha
' red Mercedes '




naturalmente, somos todos vítimas de
abatimentos, é uma questão de
desequilíbrio químico
e uma existência
que, em tempos,
parecer proibir
qualquer chance real
de felicidade.




- Charles Bukowski

quinta-feira, 26 de abril de 2012




Véspera de Natal
' Christmas Eve '




Agora meu pai carrega o seu velho coração
em sua cesta de costelas
como uma criança adentrando o quarto
com um pássaro machucado.
Nossas idades se sentam com uma mesa entre elas,
ávidas para falar.
Nossos ossos comuns estão envoltos em novas vestes.
Um pulso comum puxa as cordas
atadas aos dorsos de nossas mãos.
Somos tão parecidos
nós dois choramos ao final de suas histórias.






- Ted Kooser

alone with everybody



by Charles Bukoski
(tradução minha)


a carne cobre o osso
e ali dentro
se põe uma mente e
às vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
demais
e ninguém encontra a
pessoa certa
mas todos seguem
à procura
rastejando pra dentro e pra fora
de camas.
carne cobre
o osso e a
carne procura
por algo além
de carne.

não existe a menor
chance:
estamos todos presos
a um único
destino.

ninguém jamais encontra
a pessoa certa.

os depósitos de lixo enchem
os ferros-velhos enchem
os manicômios enchem
os hospitais enchem
os cemitérios enchem

nada mais
enche.





O que eu faria sem esse mundo
' What would I do without this world '





o que eu faria sem esse mundo sem rosto incurioso
onde ser dura pois um intante onde cada instante
derrama no vácuo a ignorância de ter sido
sem essa onda onde no fim
corpo e sombra são engolfados juntos
o que eu faria sem esse silêncio onde morrem os murmúrios
os arquejos os furores para o socorro para o amor
sem esse céu que paira
sobre o seu lastro de poeira


o que eu faria o que eu fiz ontem e no dia anterior
espiando de minha tampa de combate procurando por outra
divagação como eu rodopiando longe de todos os vivos
em um espaço convulsivo
entre as vozes em silêncio
que aglomeram meu refúgio





- Samuel Beckett

quarta-feira, 25 de abril de 2012




 Cascando
' Cascando '




1


porque não meramente o desespero da
ocasião do
derramamento de palavras
não é melhor abortar do que ser árido

as horas após tua partida são tão pesadas
elas sempre começarão a se arrastar muito cedo
o gancho agarrando cegamente a cama do querer
trazendo à tona os ossos os velhos amores
cavidades preenchidas um dia por olhos como os teus
tudo sempre é melhor muito cedo que nunca
o negro querer respingando nas faces deles
dizendo de novo nove dias nunca colocaram n'água os amados
nem nove meses
nem nove vidas


2


dizendo de novo
se tu não me ensinares eu não hei de aprender
dizendo de novo existe uma última
mesmo das últimas vezes
últimas vezes implorando
últimas vezes amando
sabendo não sabendo fingindo
uma última mesmo das últimas vezes dizendo
se tu não me amares eu não hei de ser amado
se eu não te amar eu não hei de amar
a serena de palavras estragadas no coração de novo
amor amor amor o baque do velho pistão
pilando o inalterável
soro das palavras
aterrorizado de novo
de não estar amando
de estar amando e não a ti
de ser amado e não por ti
sabendo não sabendo fingindo
fingindo
eu e todos os outros que te amarão
se eles te amarem


3


a não ser que te amem





- Samuel Beckett






A Beleza das Coisas
' The Beauty of Things '






Sentir e declarar a espantosa beleza das coisas--terra, pedra e água,
Besta, homem e mulher, o sol, a lua e as estrelas--
A beleza da natureza humana injetada de sangue, seus pensamentos, furores e paixões,
E a natureza desumana que é sua realidade colossal--
Pois o homem é parte sonho; o homem, pode-se dizer, é a natureza sonhando, mas rocha
E água e céu são constantes--sentir
Imensamente, e compreender imensamente, e expressar imensamente, a natural
Beleza, é o único ofício da poesia.
O resto é distração: aqueles nobres e sagrados sentimentos, as ideias complexas,
O amor, a luxúria, o anseio: razões, mas não a razão.





- Robinson Jeffers

terça-feira, 24 de abril de 2012





Rocha e Falcão
' Rock and Hawk '




Este é um símbolo no qual
Muitos trágicos e elevados pensamentos
Observam seus próprios olhos.
Essa rocha cinza, postada alta
No promontório, onde o vento marítimo
Impede que árvore alguma cresça,

Testada por terremotos, e subscrita
Por eras de tempestades: em seu cume
Pousa um falcão.

Creio, aqui está o seu emblema
Para ser pendurado no céu porvir;
Não a cruz, nem a colméia

Mas isso; poder luzente, paz sombria;
Feroz consciência associada ao derradeiro
Desinteresse;

Vida com morte calma; os olhos
Realistas do falcão e o ato
Casado ao imenso

Misticismo da pedra,
O qual fracasso nenhum desanima
Nem o sucesso torna orgulhoso.




- Robinson Jeffers




segunda-feira, 23 de abril de 2012

Malone dies





um falava enquanto o outro ouvia,
o que falava pensando, enquanto
o que ouvia lembrava; nenhum dos
dois prestava atenção. a culpa era
da lua alta, da toalha quadriculada
sobre a mesa, da luz do poste da rua
refletida no copo. em volta as vozes
rogavam exageradas, prometendo
promessas descumpridas, discorrendo
sobre coisas que não sabiam. quem ouvia
fingia que cria, pretendendo que escutava.
era culpa dos goles, da calçada, do
barulho dos talheres. a culpa era de tudo
que havia mudado, dizia, e do tempo 
que havia perdido. mas nem seus olhos
mais acreditavam, desmentindo-o ainda
enquanto falava. quem ouvia esperava
mas jamais contradizia, teria 
cabimento? pois era culpa do aumento
dos preços, da falta de transparência
do governo, dizia, enquanto o outro
sonhava que ia
na direção que o vento soprava.


domingo, 22 de abril de 2012




Emptiness
' Vazio '



 

The night is like a long and clear stare of a woman.
I feel lonely.
In all things that surround me
There is an absolute ignorance of my unhappiness.
The late evening peers at me through the window
And I, helpless to everything, helpless to my own self
Look at things around
With an absolute ignorance of the things that surround me.
I wander within myself, alone, lost
Everything is deserted, my soul is hollow
And it has the grave silence of the abandoned temples.
I peer at the night through the window
It has the wonderful quietness of ecstasy.
But the cats downstairs wake me up crying lust
And I think that tomorrow...
But a female cat sees on the street a big black cat
And runs away from the grey cat.
I peer at the wonderful night
Strange like the look of flesh.
I see at the grate the grey cat watching the caresses of the molly and the black cat
I lose myself for moments in old adventures
And return to the empty and silent soul that no longer awakens
Not even in the clear and long night like the stare of a woman
Nor amid the lustful cries of the cats making love on the street.





- Vinicius de Moraes






O Dia é um Poema
' The Day is a Poem '




Esta manhã Hitler falou em Danzig, nós ouvimos a sua voz.
Um homem de gênio: isto é, de inacreditável
Habilidade, coragem, devoção, preso em uma alma de criança doente,
Claramente ouvido entre a ira dos cães, uma criança doente
Choramingando em Danzig; evocando destruição e choramingando perante ela.
Aqui, o dia estava extremamente quente; pelo meio-dia
Um vento sul verteu como uma rajada da boca do inferno uma chuva fina
Sobre o chão sedento, e às cinco um leve tremor de terra
Dançou em torno da casa, sem danos maiores. Essa noite me divirto
Assistindo a lua sangue-rubra desfalecer lentamente
Para dentro do mar negro entre estrondos de raios secos e trovoadas distantes.
Bem: o dia é um poema: mas demasiado
Como um de Jeffers, incrustado de sangue e de barbáricos presságios,
Doloroso ao extremo, inumano como o grasnido de um falcão.






- Robinson Jeffers

sábado, 21 de abril de 2012





O Lugar para História Nenhuma
' The Place for No Story '




As colinas costeiras no Riacho de Sovranes;
Sem árvores, mas o parco pasto escuro contraído
Sobre rocha modelada como chama;
O velho oceano ao pé da terra, a vasta
Extensão cinzenta para além da longa violência branca;
Um rebanho de vacas e o touro
Bem distante, quase não aparente sobre o declive escuro;
E o ar cinzento assombrado por gaviões;
Este lugar é a coisa mais nobre que eu já vi. Nenhuma imaginável
Presença humana poderia aqui fazer qualquer coisa
Senão diluir a vigilante paixão solitária.






- Robinson Jeffers

sexta-feira, 20 de abril de 2012





I Listen to Music
' Eu Ouço Música '





I listen to music like one gets caught in the rain:
resigned
and sad
for knowing the existence of a world
from the Other World...

I listen to music like one that is dead
and feels
already
a profound distress
of still being seen in this world over here...

Forgive,
maestri,
my weird sigh!

I listen to music like an ailing angel
that cannot fly.






- Mário Quintana





Under The Cypress Tree






How does greatness come to a man?

like a sunray in early morning
printing a strip of light in the corner
of the monitor

or in blackness in the midst of sleep,
in dreams of lost battles,
in the need that drives him finally
to take action

like the smell of burning coffee
when the hours are dripping away unnoticed

How does greatness come to a man?

does it happen fast, or does it
creep in slowly

like sad memories in midsummer mornings

is it clear like a cloudless sky
or hazy like only love knows how
to be

does it go away when you cannot take it
anymore
or does it drive you crazy like
anything that is any good

How does greatness come to a man?

and can he afterwards
ever be the same
or does he walk away altered
like the fences in the farm after the flood

for one thing is known about greatness;

that despair gives it life
and that it only comes from pain
like the moon attracts the tide
of the ocean on the bay.



quinta-feira, 19 de abril de 2012





The Poems
' Os Poemas '




Poems are birds that come
from places unknown and land
on the book you read.
Once you've closed the book, they fly up
as if from a trapdoor.
They do not have perch
nor port
they feed on each pair of hands for an instant
and leave.
And you look, then, at your empty hands,
in the mesmerized awe of knowing
that their food was already in you...





- Mário Quintana



Insomnia
' Insônia '



The barks of the dogs, in the moonless night,
give me shadowy dreads.
Why do these dogs bark over yonder?

The trees, out there, are motionless.
Not a breath of wind stir their leaves.
And all so dark, in the moonless night!
Why do these dogs bark out there?
Who passed by on the road?
Moths beat against my lamp.
It must be late.
My eyes wandering in the pasture.

I hear the watchful tinkle of a bell...
It is a horse wandering in the pasture.
And over yonder the dogs barking, desperate, as if in battle,
as if defending the sleeping hamlet.

Nights of inquiet insomnia by the foot of the lamp.





- Ribeiro Couto

quarta-feira, 18 de abril de 2012

 



You wish for sleep: strip yourself of sounds
' Tu queres sono: despete-te dos ruídos ' 





You wish for sleep: strip yourself of sounds, and
of the remains of the day, take out of your mouth
the dagger and the traffic, shadows of
your shouts, and clothes, tears, ropes and
also faces that mount over your
sonorous way of giving, and other bodies
that lay down and step on one another, and the flies
that hover over the corpse of your father, and the pain (do not listen)
that gets ready to hoe your night-watch, and the corners that
forgot your arms and so many movements
that lose your silences, and the high winds
that do not rest, that look at you out of the window
and penetrate through your door like madmen
for nothing abandons you nor you yourself to sleep.






- Ana Cristina Cesar
A Doce Terça-Feira





O que há de aqui restar
Quando aqui não for
Mais esse lugar

Quando a passagem dos anos passar
E o tempo esconder
O que censo nenhum recorda

Que aqui, um dia, houve uma livraria

Que a ausência poupou da miséria
E a alma não viu a cor
Descascar das paredes feito memória
Seca como as pétalas da rosa

[morta em um vaso sem água no último andar]

As prateleiras atiradas ao chão, inúteis,
Livros e álbuns cobertos de destroços
De cimento; o que há de restar

Quando aqui passar o vento

E outras pessoas a passear, sem nota,
Sem a menor pista do que se passava,
Um passado morto sem água, seco como a rosa

Sem teto e sem morada

Então mais nada há de restar
Que não o isolado sono da pedra
Destituída de toda ideia, vazia

Como a noite do oceano ficaria
Sem a lira do ronco da baleia

terça-feira, 17 de abril de 2012







I stare at the body of a poem for a long time
' olho muito tempo o corpo de um poema '




I stare at the body of a poem for a long time
until I lose sight of what is not body
and feel apart among the teeth
a thin thread of blood
in the gingivae




- Ana Cristina Cesar




Cannery Row





E onde está seu velho pai agora?
perguntou o outro em tom de conversa.
Está morto, respondeu.
Ah é? Pois não ouvi, morreu de quê?
por um instante permaneceu em 
silêncio, depois respondeu.
Ele cometeu -- ele se matou.
Ah é? Mas se matou como?
Tomou veneno de rato.
o outro não pôde conter as risadas.
Mas como, o que foi que ele pensou,
Que era um rato? perguntou o outro.
tentou rir um pouco da piada, isso é,
apenas o suficiente.
Deve ter pensado que era um rato, 
prosseguiu o outro dizendo, 
E como foi que ficou quando tomou o veneno,
Ficou parecido com isso? perguntou o outro,
cruzando os olhos, escancarando a boca
e enfiando a língua para fora.
Ele ficou mal o dia inteiro, respondeu,
Só foi falecer já no meio da noite. Sofreu muito.
Porque foi que fez isso? perguntou o outro.
Pois não conseguia achar trabalho, respondeu.
Por quase um ano não conseguiu trabalho. 
E sabe o que é mais curioso? 
Na manhã seguinte um sujeito apareceu em casa
Querendo lhe oferecer um emprego.
o outro tentou em vão resgatar a piada:
Ele deve ter pensado que era mesmo um rato...

segunda-feira, 16 de abril de 2012



Casa da Colina
' Tor House '





Se você procurar por este lugar depois de um punhado de vidas:
Talvez de minha floresta plantada um pouco
Ainda esteja de pé, Australianas de folhas negras ou ciprestes costeiros, cansados
Pelo impulso dos temporais; mas machado e fogo são demônios.
Procure por fundações de granito desgastadas pelo mar, meus dedos tinham o dom
De fazer pedra amar pedra, encontrará algumas remanescentes.
Mas se você procurar com tempo em mãos depois de dez mil anos:
É o outeiro de granito sobre granito
E a língua de lava em meio à baía, na embocadura do vale do
Rio Carmel, restarão estes quatro
Na permutação dos nomes. Você saberá pela fragância silvestre do mar no vento
Mesmo que o oceano tenha subido ou recuado um pouco;
Você saberá pelo vale no interior das terras que nosso sol e nossa lua nasceram inda
Antes da mudança dos pólos; e que a constelação de Orion no cair das noites de
Dezembro espalhava-se sobre a garganta do vale, suspensa como uma ponte iluminada.
Venha pela manhã e você verá as alvas gaivotas
Entrelaçando uma dança sobre as águas azuis, o declínio da lua
Que é sua parceira de dança, um espectro perambulando
À luz do dia, contudo mais largo e mais branco que qualquer ave do mundo.
Por meu espectro não precisa procurar; está provavelmente
Aqui, porém um tanto obscuro, gravado no granito fundo, sem dançar ao vento
Com as asas insensatas e a lua minguante.





- Robinson Jeffers













Coração numeroso
' Numerous heart '





It happened in Rio.
I was walking down the Avenue around midnight.
Tips of breasts were shining upon beams of light innumerable stars.
It had the promise of the ocean
and streetcars were tinkling,
deadening the heat
that was blowing through the wind
and the wind was coming from Minas.

My paralytic dreams woe to live
(life to me is the will to die)
they were making me man of the barrel organ without alarm
in the Cruzeiro Gallery warm warm
and since I did not know anyone but the sweet wind from Minas,
no desire to drink at all, I said: Let us finish this.

But in the city an allure was trembling long houses
convertible cars running down the road to sea
the vagrant voluptuousness of the heat
a thousand of life's gifts to the indifferent men,
for my heart pounded heavily, my useless eyes wept.

The ocean was beating against my chest, no longer against the docks.
The street ended, where did the trees go? I am the city
I am the city
the city is me
my love.




- Carlos Drummond de Andrade





sábado, 14 de abril de 2012






Cais Matutino
' Matutinal Quay '





The market of fish, the market of dawn:
Ballads, pleas, pronouncements and laughs
At the bow of ships that come from abroad.

Cordages and netting asleep underneath;
Astern and outstretched, the wet canvas;
It was night of rain over the oceans of the earth.

The purity of the high seas, the purity of dawn.
There are strings of blood on the fair's floor.
If I had a boat, I would leave right now.

The afar I inhale in the briny air in motion
Has the taste of a body that shines in odour 
For me alone, in an unheeded ocean.





- Ribeiro Couto

sexta-feira, 13 de abril de 2012








Soneto
(poema traduzido)


A Frederico Nietzsche




Why in this life did you exhaust your spirit
In vain meditations, you melancholic man?
- You dissected the whole corpse of the land
And, at last, found no rest...and, at last, found no rest!...

Madness torn apart everything you had planed
And Germany trembled at your sound groans!...
What was the use, then, of your profound exams
Of men and slug and rock and oak and the stone and the mast?

For, to penetrate the mistery of the blackboards,
It was crucial to fathom the substance of things ignored
- You built out of illusions a whole different world,

Did not recognize God in the pane of the astrolabe
And when Science vainly proclaimed you a sage,
Your construction grew suddenly old!





- Augusto dos Anjos




quinta-feira, 12 de abril de 2012







Go Down, Moses





entre os raios de sol a chuva
e o leito do rio na cheia, a corrente
decidida das águas, nada à toa.
o desmergulho de galhos submersos
que bem parecem cabeça de cobra

e eu da janela do avião que sobrevoa-
va o rio Cuiabá, sem saber-se em casa,
com medo da turbulência das asas.
era a respeito dos homens, nem brancos
ou pretos ou vermelhos mas homens,
caçadores, com a determinação e a coragem
para resistir
e a humildade e o dom para sobreviver.

no subir da lombada de terra, as solas
do pés desabituadas contra as pedras,
seus olhos pretos miúdos apertando-se,
a lua cheia, enorme e não longe, 
você perguntando porque é que ela estava
na água.
mas aonde você vê água ali, retruquei, 
no ar azul do céu? 
pois que a resposta sua, que como do rio,
era o céu a água da lua,
não era? silenciei sem palavra.
pois que era sim, e que a gente grande, dita adulta,
é que não sabia nada da vida, perdida
entre nomes e conceitos para tudo
e a intuição para coisa nenhuma. 

era a respeito daqueles que criam
que nada era preciso para guerra,
diplomacia, dinheiro ou política,
senão o mais puro amor da terra
e uma coragem infinita

que Deus criou o homem e criou o mundo
para ali ele viver, e eu acho que ele criou
o tipo de mundo no qual ele haveria de ter gostado
de viver ele mesmo, tivesse sido homem -
o chão pra andar em cima, a mata alta, as árvores
e as águas, e os animais pra povoá-las

porque ali era a sua casa
apesar de não possuir nada, só o pouso
mas não o tempo, a evanescência do medo
e das semanas sumindo sem traço
na desassinalada solidão.
pois não pertencia a homem nenhum o cerrado,
o Arinos, as plantações de soja, o Rancho Alto,
mas pertencia a todos que soubessem usá-los
com humildade e orgulho

que senhor, disse ela, será que já viveu tanto tempo
e já esqueceu de tanta coisa que não se lembra
de nada que sabia ou sentia ou quem sabe até
ouvia a respeito do amor?  

como os têm as pessoas mais velhas, 
o fogo e o borralho, o que era, o urso, 
o delta do outono.