quinta-feira, 27 de março de 2014

mais perto



cada noite que passa nos deixa mais perto

do aeroporto. há um ensaio de adeus
nos corpos no escuro, nos olhos
fechados, nas pernas pra fora do lençol.
há uma sensação de perda na pia
do banheiro, na água do vaso, na mesa
do café da manhã. há um silêncio
cheio de presságios no quarto vazio,
na roupa jogada em cima da cama.
há um prelúdio na acidez do estômago,
no gosto ruim na boca. há uma
palavra de consolo na ponta da língua

que nasce morta.

sexta-feira, 21 de março de 2014

um espelho



a solidão dos outros é um espelho.
num lugar qualquer os olhos
se desencontram menos do que se imagina.

os olhares se cruzam em silêncio
e indagam, sem saber que revelam,
se há algo além da falta

na distância em que se perdem,
nos corpos invisíveis
que os retém, no abismo de outros
olhos que refletem

a solidão que lhes pertence.

segunda-feira, 17 de março de 2014

memória



memória é sonho, abrigo
de sombras, uivo incompreensível
de um secador de mãos.
memória é um vaso quebrado
em mil pedaços, alguns
perdidos pra sempre entre azulejos.
memória é pântano, albergue
de lembranças decompostas na própria
água que a inunda, asilo
de histórias que a gente constrói
pra poder dormir.