quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Não importa






De que me valem
os versos
se já não tenho
os negros olhos
a me olharem irônicos,
em silêncio,
a exigir algo que não pude dar ?

De que me valem
palavras
se já não tenho a boca
de lábios finos, róseos,
fingindo vir de encontro à minha
e escapando, saindo fugida ?


De que me valem
todos os poemas do mundo
se desse coração vagabundo
nunca consegui te tirar,
se não me canso de lembrar
da sensação do teu olhar ?
De que me valem...

De que me valem
os poetas todos
se entre eles, vivos ou mortos,
meu coração não bate a metade
que batia ao teu abraço
que me mata de saudade ?
De que me valem, então...,

senão,

pra te manter, ó lembrança
tua,

pra sempre junto à mim,

obscura,
confusa,

eterno amor sem fim.
A dona da bunda






ela linda
- ao meu lado

e eu olhando
- calado

cabelo escorrendo,
mão escrevendo...

...olhar concentrado.

tudo nela
- é lindo

e eu - admirado.

admirando...

...seus belos olhos
mirando,

apaixonado.
E já não sou mais






Do segredo ao sagrado;
do temor do destino
ao lembrar do passado.

Do secreto ao sonhado;
do sofrimento futuro
no presente pensado.

Do sincero à saudade;
da sensação do divino
a tornar-se maldade.

Do sensato ao sensível;
do reconhecer o teu rosto
de esquecer impossível.

Disso àquilo,
de uma palavra à outra;
do eu que sou
ao eu que fora.
E eu assim ví que vivia







Não sei
o que fui,
o que sou
e o que serei;

Não sei se fui
porque fugi
e se fugi
porque te amei;

Não sei se fico
ou se vou
e se algo
aquí restou;

Não sei se torno
ou deixo ser
e se tento
em vão viver;

Não sei se me volto
ou deixo estar
na ilusão
de te encontrar;

Não sei se
sentí muito
ou se sentí demais,
mas as vezes eu sinto
que já não posso mais;

Não sei de nada
e nunca soube,
mas sentí sempre
um pesar estranho;
um emaranhado de insolúveis dúvidas
a me invadir durante o sonho.

Me doeu sempre a vida
e me doeu demais viver;

Me doeu ao ver o mundo
e eu a ele pertencer.
Falta







me disseram que o cigarro
indica sinal de carência
e que a fumaça -
solidão;

que o tabaco
significa a ausência
do fino trato da tua mão.

mas o fumar com paciência
a suspirar no tempo,
com cadência,
num sopro lento contra o vento
do abandono da inocência,

seria no momento
o meu pedido de clemência?
Quando fores embora







Tive ao certo mais vidas
do que tive amores
e ainda mais dores
e despedidas

e as flores
com suas cores
foram sempre desmedidas?

Não me lembro
das medidas
mas não esqueço
dos odores

Não penso hoje
em partidas
mas me avise quando fores

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Angústia






Não fui feito pro mundo
e, no fundo,
nunca me acostumei a ele.

Tão pouco fui feito pra vida
que, perdida,
jamais pude encontrar.

Não fui feito pra nascer
mas tendo a achar que nasci;
sei que fui feito pra morrer
só que ainda não morri.

Será que fui feito pra esperar,
pra aguardar sem entender
porque fui feito pra amar
mas não fui feito pra viver?
Balada repetida







Por um momento austero
eu quis de coração sincero
te encontrar em uma noite qualquer;
quis lembrar à boca o gosto
do contrário do desgosto
do teu beijo no meu rosto

São só sonhos tristonhos
que sonhados não se realizam;
por obra minha ou do destino
ou por puro desatino

Me abandona então o sossego
do não tornar real o esboço
do suave toque do teu dedo
a correr pelo pescoço

Episódio da minha vida
que só sabe repetir-se:
o querer a tua presença
a conviver com tua ausência.

sábado, 24 de outubro de 2009

Epílogo





em uma tarde bonita de sol
o clima pouco importa,
pois de que adianta o sol lá fora
se aqui dentro o frio vigora?

frio de neve e intenso inverno,
de indecisões do meio interno;
aqui dentro escuridão -
lá fora se anuncia o verão.

as garotas de óculos escuros
se exibem então em cores
se desfazendo
em irrascionais denguices;
na busca de alguns amores
não notam a chegada das flores.

tudo lindo, delicado e belo -
lá fora, no meio externo;
pois aqui dentro, em cordas finas,
toca-se a canção da melancolia,
da subsequente morte da alegria
no cerrar triste das cortinas.
Do fundo do mar






o que são essas vozes
que sussurram de dentro de mim
urgindo por algo
que eu desconheço?
o que é que elas suplicam
que eu, ciente, não reconheço?

pedidos e preces obscuras,
suplícios de noites escuras,
gritos de perdão
endereçados à ninguém;
de uma culpa estranha
que eu não sei quem têm.

virão então
essas vozes do além?

só sei que as percebo
a surgir do interím
do interior de dentro
das profundezas de mim.
O ônibus rasga à rodas
o asfalto escurecido;
rodando/cortando as rotas
do meu destino esquecido.

terei dormido
e jamais acordado?

seria esse o fato
da sensação pesada do fardo?
Escolhas






à luz da luz
busquei a sombra,
o místico e o obscuro;
o incompreensível.

procurei o vazio escuro
e o que tinha de destrutível.

busquei respostas e perguntas
e qualquer coisa de conclusivo;
busquei em copos e em pontas
do meu eu-só definitivo.
Por entre as latas




tentei ontem te tirar da lata;
bebi, bebi e bebi
mas dentro da lata
não te vi.

tomei até esvaziar
naquela ânsia de te encontrar;
mirei o fundo da lata vazia
e só senti que não te via.

tomado de esperanças
fui logo abrindo outras;
quis saber de cada uma
onde é que tu te encontras.

respostas não obtive
e tão pouco tive tu;
tive ao menos a alcoólica sensação
da perda completa da razão.

mas tu, por onde andas?
pelas latas é que não é;
te procurei a fundo em todas,
bebí sentado e bebí em pé.

ao fim da noite desisti
e de cada lata me despedi;
confesso que me emocienei
com o tchau que a elas dei;

procurei e não te encontrei

e não há rima no mundo
que resolva isso.
Ensaio






O dia hoje nasceu fingido;
por entre o forte vento escondido
amanheceu vestido
de fim de tarde anoitecido.

Fim de tarde de chuva forte,
de tempestade,
do céu escuro acinzentado
daquele cinza cimentado
do cimento da cidade.

Da cidade minha casa que sou.
cada passo, cada rua, cada quadra;
em cada beco, viela ou calçada
sou cada noite que aqui chegou.

Pra cada noite
um coração;
cada tristeza
uma canção

de lágrimas invisíveis
por amores impossíveis

A chuva me traz a dor
e com ela vem a vida;
em cada gota de amor
ensaiei a despedida.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Impressão






no papel
eu confesso
pecados em traço de tinta;
comunico sonhos,
imprimo tristezas,
abandono esperanças
e reviro o estômago.

no papel
eu falo calado,
respirando fundo;
esqueço lembrando,
apago trazendo à tona
e renuncio sempre
a uma parte de mim.

no papel eu suo,
choro e canto,
fujo e morro;

a cada verso,
cada tempo,
cada letra testamento.

no papel
eu passo os dias,
aguardo a noite
e o teu olhar;
de longe, perdido,
vendo o meu a procurar.

Terminal






na parada
de quem vai-e-vem,
chega e sai,
alguém fica:
uma noite
e outra,
um ano 
e uma vida.

fica mas não se nota
e se se nota
se repele com repulsa.

tão diferentes
e tão iguais;

não quer se reconhecer
com alguém que come
sanduíche de rato morto.
A troca







um poema as vezes
vem com o vento
no lugar do beijo;

vem as vezes com a chuva
trazer silêncio
onde silêncio não tem
e onde tudo é tormenta;

as vezes vem pela janela
como afago,
como carícia secreta
no lugar do consolo.

as vezes vem no copo,
servido,
no lugar do esquecimento;
vem as vezes em forma de lamento
com a força de um abraço.

um poema as vezes
substitui um coração que,
ao ver o meu desolado,
também chora.

as vezes vem e compensa,
as vezes vem e nada.

um poema as vezes
vem com a mão que eu não vejo,
me puxa e agarra;
paro
e olho ao redor
mas não te encontro.

grito que já me bastam
os poemas, e que deixem
de tentar preencher
esse vazio que não fecha;
e nesse instante mesmo,
no lugar do olhar,
me encara um poema que,
solitário,
também procurava outra coisa.
E eu na aula






a gastrite,
implacável,
corroe o estômago
de dentro pra fora
numa dor que
de tão aguda
se torna insuportável;

no ápice da ardência
tem-se vontade de tudo largar
e apenas atirar-se ao chão,
a rolar,
gemendo e gritando
em meio a considerações de morte.

Ai! que dor, Ai! que dor
mais arrebatadora, que tudo ignora
e faz com que eu
tudo passe a ignorar,
deixando em meu âmago
apenas ela a ecoar, absoluta:

a dor, a dor profunda
dessa gastrite absurda.

domingo, 18 de outubro de 2009

Consideração







-Luz
e
Vazio;

-Busco
mas
não Alcanço

-Procuro
mas pouco
Encontro.
Cego






observando as representações
em aquarela
do mundo Maia,
percebo:
toda a proximidade do homem
com Deus
outrora construída
hoje se encontra
quase absolutamente perdida;
o homem sem mito,
sem nada em quê acreditar
senão em seu próprio ser
egoísta.
meu destino não é outro,
é o mesmo:
procuro Deus em tudo
e não o encontro
em quase nada.
Perdido







da perspectiva da ida
à ideia fixa da partida,
fatal despedida;
seria conclusão desmedida?
um movimento brusco
no continuísmo dessa vida?
seria uma aberta ferida
que teima permanecer aberta,
exposta, desprotegida?
alma escondida...
...que não se mostra, não
se expõe
porque não gosta, não quer
finger ser
quando não o é.
Muito estranho






o café e o
cigarro
fazem repuxar
o interior da boca,
secando a garganta
e arranhando as paredes
do estômago,
do âmago do
interior do organismo,
do abismo
da sequência digestora que,
indigesta,
tira disso um prazer
estranho, místico
e enigmático,
quase matemático que,
através de versos incertos,
procuro compreender.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Existência da poesia






um poema surge
as vezes de repente,
de súbito,
num átimo;

outras vezes surge
planejado, pensado,
antevisto
e revisado,
revisto e recitado.

não importa a forma
como o poema surge
mas sim
a forma como morre
redigido em palavras,
detentor então de nova vida
adquirida - esta eterna -
jamais então perdida.
Ao observar as nuvens no céu







uns dias afastado dos versos,
da letra e das palavras -
ao menos redigidas, expressas
ou exteriorizadas.

uns dias próximo à natureza;
do mundo externo, exterior
e da minha, humana e interior,
não individual, pura, idêntica,
malígna e divina.

uns dias de chuva, outros de sol;
dias de ruídos desconhecidos,
assustadores mas que libertam
e lançam a alma a um vôo obscuro
como o escuro oculto da noite.

dias como outros
porém distintos e únicos;
dias como poucos,
intensamente perturbadores
e sem porquê.

são belos e tristes como o céu
que independe de mim.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Efeitos de um filme






o que são
todos esses sentimentos
e sensações estranhas
senão o mais sincero berro das entranhas
frente àquilo que é no fundo
o mais fundo da alma humana?

com repulsa, se tenta afastar
e não se reconhecer.
com asco e nojo não quer
acreditar
que aquilo também é ser
e que amar
também é sofrer,
é dor, luto
e desespero.

a vida é tudo que morre
e tudo que morre chora
porque sabe que tem que morrer.
[e o real é o quê?]

será a mente doente
incapaz de compreender
ou será a mente ciente
incapaz de perceber?
Do bocejo
ao sincero desejo
do beijo

Do corte
ao desejo forte
de morte

Do verso
ao avesso reverso
da visão do universo

Da palavra
que o teu nome grava
na dor que agrava

Da memória
da trajetória ilusória
dessa vida transitória

Do sorriso
do choro e do riso
do tocar o teu rosto liso

Da âsia
à noite vazia
que só tem poesia
O vento & eu



esse vento no alto
que sopra no rosto
é da angústia o esboço,
do desespero, a obra prima,
finda, coisa mais linda.

esse vento sonso
que sopra no rosto
sopra de um quê receoso,
inseguro do sopro,
do soprar o rosto.

o vento
tem gosto?

amargo, gosto de fardo,
de cigarro amassado,
de embarasso.

o vento
é acaso?

é o aviso do atraso
do entardecer que, sendo,
tardou mas chegou
trazendo o início da noite
do anoitecendo que sou.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

segredo


tirei poemas
do fundo do poço,
da tristeza
e da alegria.

tirei versos da angústia,
do fim do mundo
e do coração.

tirei-os do estômago,
das entranhas
e do sangue das mãos.

tirei de risadas
e muitos tirei de garrafas.
tirei de longe
e tirei de perto
e muitos tirei de dentro
tendo que primeiro arrancá-los.

tirei muitos
da fumaça,
tirei do céu e também
das nuvens.

muitos tirei da loucura
e alguns poucos
do sossego.
tirei de mulheres,
de sonhos e pesadelos.

tirei de amores
que escorreram entre
os dedos.

tirei uns tantos
da total desesperança,
da falta de confiança
ou do choro da criança.

tirei com rima
e tirei sem
e isso pouco importa.

tirei um primeiro
mas o último
ainda não veio.

tirei poemas
de tudo que pude tirar
e também do que não poderia.

tirei uns versos
da total desilusão,
da amarga conclusão
da completa confusão.

do barulho,
da sujeira,
da floresta e da clareira.

do sol forte,
ofuscando o olhar
e do teu jeito de andar.

tirei canções
que nunca serão cantadas
e isso pouco importa.

tirei poemas
de toda a minha vida
e toda a minha vida
tirei da poesia.

dos alegres versos tristes
da triste alegria
de existir.

Última página






sequência de dias
chuvosos e envoltos
em densa fumaça cinza,
cinza como o céu cinza
que anuncia a tempestade
através das nuvens;
dias de angústia
e perturbação nervosa,
de desesperançadas
considerações.
a fumaça que por ora
me traz ao peito a calma,
me enxe, amanhã,
de relâmpagos o céu da alma.
Tentativa vã de comunicação






o verso
é um momento instintivo
em que comunico gritos
a um inconsciente coletivo,
sem grande objetivo
que não o servir de abrigo,
de ombro amigo,
ambíguo poeta atingido,
tingido de preto,
de sombra e de medo,
a noite de dentro,
de noite a dentro.
Resposta






a manhã opaca
não brilha mas toca
o fundo dessa alma torta,
quase morta;

força
prum suspiro que salva,
desafoga,
o olhar que perdido foca
a opaca manhã em volta.
O passado passa
ao presente que fica
a pensar um futuro.
O futuro é sonho,
o passado lembrança;
O presente espera
a futura esperança.
Uma sexta-feira






noite de delírio
alcóolico,
roupa fedendo a cigarro
e o amargo gosto do escarro,
da nicotina na garganta.
fumaça confusa,
copos, copos e copos.
na cama,
a cabeça só sabe girar;
a consciência morre,
o corpo dorme
e eu
não me lembro de sonhar.
Perseguido






versos me procuram
madrugada à dentro
por entre sonhos,
por entre a insônia;

versos me procuram
na completa solidão,
imerso em uma
multidão de gente -
sozinho.

versos me procuram
no silêncio da balbúrdia,
no sossego do caôs,
na completa falta de esperança.

versos me encontram
até mesmo num quarto escondido
quando abatido
não consigo querer
desistir.

ainda quero nascer
e saber o que é
a vida.
e por isso deixo
que os versos me encontrem,
porque, de qualquer forma,
não conseguiria fugir deles.

versos me procuram
até no aeroporto
enquanto,
esperando por um vôo,
só me resta
aguardar pela chamada.
A chuva
na tarde escura
trazia de dia
a noite fria.

A chuva
trazia à testa
a gota perdida que,
indiferente,
por alí escorria;
descia sem ser.
Um sonho que as vezes tenho.





frequentemente
sonho em versos
poemas que logo
esqueço
quando desperto.

delírios de minha
noturna insônia
em perturbados
pensamentos.

recito verso a verso
palavras sem sentido
que soam prefeitamente
exatamente por isso.
Uma necessidade





os verdadeiros
versos
são como a chuva fina,
fruto do sofrimento
e do desespero
das nuvens;

tudo sofre, e do
sofrimento
tudo emana, raiando.

Dostoiévski sabia
de algumas
coisas.

a compressão do tempo
atênua a angustia
e o desespero
é a falta da solução.

tudo leva
à loucura.

o que é que eu
tanto
encontro nos escritores
russos?

acho que entre
outras coisas
o fato de que, como eles,
eu também aceito sofrer.