sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A Ponte, A Lenda
para Hart Crane


I am not ready for repentance;
Nor to match regrets. For the moth
Bends no more than the still
Imploring flame.





quando caneca não mais
levar marca do lábio.

quando capa do livro não mais
levar forma em relevo
da mão pousada.

quando o lençol não mais
levar suor,
sono

e sonhos iguais.

quando a porta não mais
levar ausência
em deslocamento de ar
deixado por corpo.

quando olho não mais
emitir luz.

quando chinelo branco não mais
levar memória
no peso do pé.

quando almoço não mais
levar tempo.

sozinho
como rápido
e não há porque não.


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Numa estação de ônibus





 
I



envelheço. 

nossa impotência                         
é ausência de ideograma

a palavra intacta                          
deve conter não mais               
que a imagem da coisa                

o impulso                                    
do freio do carro                               

o semáforo                                         
amarelo, vermelho 

o laço
do gozo                        

a letra                                     
despida do senso                  

a porta fria 
da geladeira.                  



II


                                                 
teu peso no colo.

o ímpeto                            
da visão sem mídia   

da moldura       
da chegada das luzes        
da cidade longe, logo
                                                       
como gosto do alho             
                                                    
como mar quebrando                   
na pedra gasta do tempo.

O que disse o Trovão


 




o que vem depois do universo?

Dédalo
voou tempo demais
deveras perto
do astro.

teve a cera que unia as penas
derretida, as asas
desfeitas, perdeu altura
caiu no mar
e sumiu.

nada.

mas existe algo que cerca
o universo e mostra
onde universo termina
e o nada começa?

aqui não há água, mas somente rocha
rocha e falta de água e a rua de terra.


tudo um dia chega.

o mundo gira sempre
e a luz frágil rompe

a carne terna, fina
e fatigada. a busca

da essência supõe
desfazer mais que destruir
                                   [morte por água.

o ser íntimo que somente se torna
o ser próprio
quando se torna estranho.

quando desperta
de séculos de sono

da luz da tocha no rosto úmido
do silêncio gélido dos jardins
do martírio da pedra
e do bramido.


pois se morre da mesma maneira
durante um dia de verão.

e há dores distintas
pra cada som diverso
ou fragmento de piso.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Belief






it was dim, so gloomy

for it didn't have hope enough
behind it.

it was hazy, so liquid

that soon as it emerged
it ran through

illformed fingers

pale, so dubious.



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Claro Enigma






existe um olho
que pousa na xícara

branca, sobre o livro

na luz fraca da lâmpada.

entre olho e xícara
jaz o poema,

mais nada.

And Thus Honest


It wasn't for money
or any kind of applause.

It wasn't for the sake of art since still today
most people that state to know about
donnot see as such.

It wasn't comfortable
since he would sit behind the typewriter among cheap cigar butts
while staring at cockroaches crawling up the wall.

It wasn't even nice since
he could turn on the radio and get Verdi
instead of Mahler. He liked Austrians better.

It wasn't even virtuous
since his room would always smell 
of stale vomit sitting around for days
or eggs cooked dry
if he was lucky enough to have a woman
but never butter.

It surely wasn't poetic since
he would have a hangover the size of an elephant
on top of his head.

It was just habit, he said.
Like taking a shit
or reading the newspaper.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012


Amálgama






o copo quebra
e a gente junta
cacos de vidro em páginas
de jornal
de ontem.

um verso não é verso
se o que sinto
não é súbito
como o cheiro do café
passado
pela manhã.

para o poeta
até a escada se apaixona
ou lê Espinoza
e uma coisa sempre tem a ver
com outra.

como o ruído da máquina 
que lembra música
e o cheiro da comida
requentada
ao meio dia.

Simplicidade






numa segunda-feira
alguém anda
enquanto escova dentes
e engole pasta.

alguém se debruça na pia
e cospe
enquanto uma voz em Yale
discursa
sobre William Carlos Williams.

numa segunda-feira
a gastrite se forma
como poesia moderna:

na visão da pasta consumida
e na xícara vazia de café.

Nem o Poema na Página






quando toco a tecla que toco
não sou letra, não sou nada. quando o timbre
que toco soa, não sou a tecla que toco
nem o som que ecoa. não sou nada,
não sou música nem tecla
nem a mão que pressiona.

quando toco a tecla que toco
não sou voz, não sou nada. quando a corda
que toco vibra, não sou a tecla que toco
nem o ar que recua. não sou nada,
não sou passo nem tecla
nem o pé que alimenta.

quando toco a tecla que toco
desapareço, não sou nada. quando o verso
toma forma, não sou mais a tecla que toco
nem o traço na tela. não sou nada,
não sou sopro nem tecla
nem as marcas de tinta.
Tarde de Agosto







sobre tua cama estendido me pergunto se serei lido, 
um dia,
num livro velho de capa dura.

se mãos alvas antigas sustentarão o peso de páginas amarelas
entre dedos ressecados de tanto, e tanto tempo
e tanto sol.

cerro os olhos mas não durmo.

a noite chega, se apinha entre o topo cego dos prédios, tons de branco tingido. a noite passa,
gasta e úmida, 
noite sem lua. tanta terra, 
tanta poeira de estrelas. pouso a cabeça

no fino travesseiro de penas, será que um dia, será que um dia serei lembrado
por olhos marejados de pranto? e na varanda

de um estado estrangeiro, ser lido à luz rasa
pela voz branda mais doce que a idade. e na cadeira

o poeta novo celebrará o centenário das dezenas 
de anos mortos do meu corpo em silêncio. e se os frutos que não tenho
hão de nunca brotar, nem mesmo a água do mar há de trazê-los.

Drummond, nossa inquietude gêmea, te escrevo essas tristes palavras por inveja pura
de não ser milagre, de não ser bendito ou ter graça,
funcionário público, nada. no dia

em que confrontei a pedra cálida da tua cova não pude, não pude evitar ver a data
da tua morte gravada na rocha. nem o pó, nem o tempo

extinguiu nosso gesto perdido.

dezessete de agosto 
de mil novecentos e oitenta e sete. na lápide, nosso segredo encerrado
na textura fria do mármore.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Getúlio






hoje faz cinquenta e oito anos
que o velho deitou o corpo na cama
                               [ainda quente

naquela noite de agosto.

a carta mal batida sobre a mesa de mármore,
a barba cerrada,
o pijama listado, sem chambre.

deitou o corpo sobre a chave do cofre
e pousou o dedo no gatilho da Colt
calibre trinta e dois.

disparou contra o peito
e deu adeus cansado, 
sem vigor para charuto. 

formol foi injetado nas veias,
a bala retirada do tórax. agora

sua filha o perdoaria.




Tensão






segundo Eliot,

os mais belos
têm ponto de partida
na mais simples forma e,
afastando-se dela,
florescem,
fluentes.

ou partem
da ausência de forma
para então aproximar-se
da mais simples delas,
surgindo,
seguros. 

segundo Eliot,

a vida do verso reside
entre a fraga
e a corrente.

Footprints






once upon a time
you prayed for guidance.

you begged for the right
to a straight line,

an end you could see
built of concrete.

a way, a path, 
a solid breath

on a stationary wind.

something—
to prevent from falling.

years passed, you realised
no road would do.

no place to be
but where you were,

eyes shut, tune heard.









segunda-feira, 20 de agosto de 2012

The Idiot's Wisdom




"All that we see or seem
is but a dream within a dream."

                   -Edgar Allan Poe




there's a story 
about an idiot
that would run everyday
up and down the streets
of a fisherman's village
bellowing:

"I have seen
the mermaid, I have seen
the mermaid!"

'till one day 
he did see the mermaid
and grew silent.




Os Vivos e os Mortos






verão genérico. folhas
de outono. tudo quieto 
agora. chegada
a hora,
          que importa? 
crer na primavera.

sete passos do céu. milhas
e milhas de pedras. stella
sob a luz das estrelas. tempo
seguido de tempo. tempo
um tanto cedo. adeus
pássaro negro.







Fragmentos de um trabalho em progresso





saibo agro, beiço seco. ao corpo
falta força. o corpo 
sua. a boca 
balbucia

trintaeoitoemeio.

falta água. febre. ao corpo
resta o frio. o banho
aquece. a boca
delira

poesia

do som da urina no vaso de louça...

a devassidão, o tripúdio...

as nove cirurgias nos olhos!

desvario. Joyce 
morreu. ao corpo
falta senso. o corpo
treme. a boca
dorme.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Must Go On


distance hasn't come
yet, but still
these days are nearly over.

I held you in my bed but
did it last?

empty breath, idle moan,
written name
on a hotel bill.

will hungry body be
blank paper sheet,
no more?

distance hasn't come
yet, but still
these days are nearly gone.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nascido de cavalos lentos


‘‘on the third day
of yr death. the water in my urine turn to blood
i cover the waterfront of the mirror w/a blue cloth where yr face stood
’’

-Kamau Brathwaite




no primeiro dia da tua morte
me sentei sobre a pedra fria do lado de fora
e tentei lembrar se ainda sabia chorar. as lágrimas

romperam as pálpebras secas de anos
enquanto a retina clara mirava as flores amarelas
da acácia dourada. ventava

e o vento sacudia galhos e folhas das árvores.

um palito de dentes rolava de um canto ao outro
da boca, um foco, um ponto de chegada 
pro desejo do pranto abafado. rugia

e o ronco mecânico do gerador a diesel 
sacudia as paredes de compensado da garagem.

segurava as Luzes de Agosto entre mãos de Outubro
num tempo de Julho, geada, frio de montanha. o sol
quase não saia. chovia

e a chuva desfazia o trabalho de meses.

o homem contra a água sem chance
contra o fogo, a explosão do carro na colisão de frente
nossos corpos de carbono. a lágrima

enfim teve curso. a cabeça
se deixou deitar entra as mãos sujas de lama, a boca
deixou que a saliva espessa escorresse
em intervalos de soluço. os olhos 

se apertaram até que as córneas doessem.

nesse instante vi o rosto pálido do meu avô no ataúde. 
quedo, frágil, eterno e remanso como as margens de um rio. ao lado
meu pai mudo, a mão grossa pousada em meu ombro. o vidro

refletindo o luto da terra roxa.

no segundo dia da tua morte
toquei a vida adiante como um homem deve. sequei lágrimas,
traguei catarro e escarrei contra o chão de argila 
a mesma marca molhada da chuva.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Te esperando chegar







João! João! Ô João! ele gritava, já tarde da noite, olhando para uma janela com a luz acesa, mas sem ninguém nela. Ninguém respondia nada. Ele abaixava a cabeça como se não tivesse dito nada, olhava para o outro lado da rua, para os carros passando, para o guarda. Bora! Bora! Ô Bora! ele gritava. Bora era o guarda. O guarda ouvia, mas não respondia nada. O garoto então se levantava da mureta em que se sentava na calçada, do outro lado da rua, logo ao lado da guarita. Ô Bora, eu vô ali na outra garagem do otro prédio ali tá, eu quero i na garagem do otro prédio ali só que é do otro lado da rua ali, ele dizia alto, sem pausa, quase febril. Tá, tá, senta quietinho ali no muro, fica quieto, respondia Bora, o guarda. E o garoto parava, sacudia a vareta que segurava na mão em silêncio, o rosto deslumbrado de alguém ouvindo algo pela primeira vez na vida, entorpecido, estupefato. Volvia e voltava a se sentar sobre a mureta, balançando as pernas, olhando ao redor. Desculpa Bora que eu fiquei te enchendo o saco tá Bora, desculpa, ele dizia, do outro lado da rua. Bora, calado, só acenava com a cabeça. O garoto levantava inquieto, Desculpa Bora, desculpa que eu te enchi o saco, desculpa Bora tá? ele repetia nervoso, angustiado, a voz embargada de langor. Tá, tá, senta ali quietinho então, já desculpei, dizia Bora sem muita paciência. O garoto silenciava e tornava a se sentar na mureta, a cabeça baixa, depois olhando ao redor de um lado ao outro, como um periscópio de submarino. Naquele instante me dei conta do provável motivo pelo qual Bora se encontrava daquele lado da rua, contrário ao da guarita. Provavelmente já não aguentava mais o garoto, os gritos febris, as frases sem nexo, o timbre insensato bradando nomes em direção às janelas vazias, focos de luz sem a presença de um corpo. Seu Sérgio, Ô Seu Sérgio! Tá calor hoje né Seu Sérgio, gritava ele na direção de um homem que adentrava o prédio apressado, sem olhar para o lado, sem proferir qualquer palavra em retorno. Era complicado. O garoto era boa gente. Lembro que desde os meus dez anos de idade, sempre que eu deixava o prédio e ele estava ali na frente, do outro lado da rua, sentado na mesma mureta, ele gritava, Colorado! Colorado! Ô Colorado! e eu ainda podia ouvir os gritos me seguindo quando já tinha dobrado a esquina da rua de cima. Acontece que alguns dos sujeitos que trabalham de vigias nessas guaritas são uns tipos silenciosos, sem muita conversa. Principalmente à noite, gostam de ficar observando, caminhando de cima para baixo pensativos, sem muito papo. Bora provavelmente já tinha estourado o seu limite de prosa, ainda mais desse tipo sem nexo, desatinado. Ouvir o garoto era um pouco como ouvir um rádio quebrado tocando a mesma música durante horas sem intervalo. Do outro lado da rua, o garoto olhava para Bora com um semblante repleto de admiração, de amor quase, a boca entreaberta, os olhos emitindo uma luz opaca mas constante, um brilho estranho que se misturava à luz das lâmpadas e dos faróis dos carros em movimento na calada da noite. Parado escorado no portão de entrada do prédio, tive por um instante a nítida impressão de que o garoto era feliz. Estranhamente feliz.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Olhar






o profundo
caleidoscópio da íris,
abstrato,
misterioso.

o abismo
físico das olheiras fundas
esculpidas na pele
cansada,
quotidiana—

constante
concreta,
orgânica.









Abuso e Ausência







trabalho perpétuo
entre polos ambíguos.

o cheio 
e o mínimo,
o pleno
e o econômico.

o dizer tudo
em poucas palavras,
o silêncio
da página em branco.

o anseio
refletido no excesso,
o dilúvio
duma espuma amorfa.



segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Música para Camaleões





A escrita 
comparada
à febre. 

Altos e baixos,
agitação desordenada
e aumento anormal
da temperatura constante.

Aceleração do pulso
e sensação de calor intenso
em ciclos bem definidos.

Capote disse que no dia
em que começou a escrever
acorrentou-se por toda vida
a um mestre nobre,
porém sem misericórdia.

Deus, ele disse, 
concede a virtude
seguida do açoite;
o látego com alvo único
de auto-tormento.

Disse que tudo mudou no dia
em que descobriu a diferença
entre escrita boa
e ruim; e a diferença,
ainda mais grave,
entre escrita boa
e arte. 

Sútil, ele disse, porém selvagem.
Ouviu então o estalar do chicote.







The Lover





Though I have had friends
And a beautiful love
There is one lover I await above all.
She will not come to me
In the time of soft plum-blossoms
When the air is gay with birds singing
And the sky is a delicate caress;
She will come from the midst of a vast clamour
With a mist of stars about her
And great beckoning plumes of smoke
Upon her leaping horses.

And she will bend suddenly and clasp me;
She will clutch me with fierce arms
And stab me with a kiss like a wound
That bleeds slowly.

But though she will hurt me at first
In her strong gladness
She will soon soothe me gently
And cast upon me an unbreakable sleep
Softly and forever.






-Richard Aldington






Embora eu tenha amigos
E um amor tão lindo
Existe uma amante que aguardo mais do que tudo.
Ela não há de surgir
Durante a época do doce rebento das ameixas
Quando o vento se alegra com o canto dos pássaros
E o céu não passa de um carinho delicado;
Ela há de surgir entre um vasto clamor
Cercada por uma névoa de estrelas
E grandes plumas de fumaça ondulante
Em seus cavalos selvagens.

E inclinando-se ela há de agarrar-me;
Há de apertar-me entre os seus braços ferozes
E apunhalar-me com um beijo que como chaga
Há de sangrar devagar.

Mas embora me machuque primeiro
Devido ao seu entusiasmo voraz
Logo há de cobrir-me de afagos
E de lançar sobre mim um sono inquebrável
Suavemente eterno.