quinta-feira, 28 de novembro de 2013

sem açúcar, por favor


andando pelas ruas antes do almoço pensando
em presentes de natal pra te dar.
a neve cai em flocos que se prendem à roupa antes
de derreter. hoje em dia, meu pássaro favorito
é a pega-rabuda, mas ainda sinto uma estranha
ligação com os pombos toda vez que os vejo na calçada,
andando em círculos sem saber pra onde ir.
o inverno me dá vontade de fumar, mas parei. em vez disso,
café preto bem quente e sem açúcar, por favor.
alice munro, preciso ler alguma coisa dela no máximo
até mês que vem. onde é que eu estava
mesmo? ah sim, teus presentes
de natal; desculpa, é que me perco fácil.

a primeira neve


o relógio do meu avô quebra e me desespero.
ex-colegas que nunca mais vi.
acordo atordoado, levanto pra tomar água e mijar.
volto pra cama tragando o ar frio na garganta seca (por que não tomei mais água?)
criaturas sem nome e pessoas sem rosto.
acordo assustado, o metal frio do relógio do meu avô contra o pulso.
ascendo a luz; os ponteiros imóveis marcam 3:35.
sacudo o braço e aquele tempo volta a andar (ufa).
consulto o telefone – 5:18; ainda falta mais de 1h pra despertar.
fecho os olhos.
clarice lispector põe a mão no meu ombro e diz, entre um cigarro e outro –
agora você também está morto, vamos ver se renasce...
acordo com a sirene de uma ambulância.
desativo o despertador que ainda levaria mais uns 20min pra tocar
e vou fazer café.
durante a noite caiu a primeira neve desse inverno.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

hp pavilion (2008 - 2013)


com você dividi fotografias,
poemas, músicas.

com você dividi filmes,
trabalho, jogos de futebol.

com você dividi família,
amigos, amor.

com você dividi quartos
de hotel, camas de trailer.

com você dividi sonhos,
desesperança.

com você dividi invernos,
noites de natal.

com você dividi cidades,
aeroportos.

com você dividi copos
de vinho, latas de cerveja.

com você dividi fins
e recomeços.

nunca pensei que doeria 
tanto

a morte do computador.

a rede


tudo que eu e você somos,
e que o mundo é – que

é o mesmo – se esconde
sob o preço do leite – que

sempre sobe – boa noites
e que horas são.

atalhos


a luz forte nos olhos.
os lábios roxos de vinho.
a roupa pendurada,
seca há pelo menos uns 4 dias.
casacos empilhados em cima da cadeira.
livros empilhados em cima da mesa.
um poema de cummings
colado com durex na parede.
isso é quanta falta
você me faz.

domingo, 24 de novembro de 2013

em cada começo


eliot, estive pensando:
já faz anos que também passo os dias
tentando aprender a usar palavras

e você tem razão –
cada tentativa é um começo completamente novo
e um tipo diferente

de fracasso.
a nós cabe apenas tentar, o resto
não é da nossa conta.

sábado, 23 de novembro de 2013

no silêncio


as folhas apodrecendo na calçada e as lesmas
rastejando sobre o asfalto molhado –
fazem planos pro mês que vem? riscam dias
no calendário e perdem o sono
por dinheiro ou decisões erradas? sou a carne
pegajosa, as camadas sobrepostas de
pele, muco e nervos; as fibras
se decompondo no chão depois da chuva de ontem
e anteontem; o enjoo sem alvo
e o amor sem solução; o eco dos passos
sem dono nos corredores vazios
e o enxame das vozes a se perder no silêncio.

de fim de tarde


essa semana mal ouvi tua voz
e não parou de chover.
sinal ruim, cada minuto
contado nos dedos; a ligação cortando, a internet
caindo toda hora; o fuso,
coisas pra fazer.
23 de novembro e ainda não nevou; os dias são feitos
de noite atrás de noite –
e o amanhecer, a hora do almoço e a tarde
têm a mesma cara.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

sábado de inverno


se o som do piano fosse
o teu sorriso, e a manhã de inverno
a cama cheia, hoje chopin
não seria tão triste;
o corvo sobre o poste de luz às 10:36
não seria uma pena, nem o velho
fumando sozinho do lado de fora da padaria
ou o maço vazio de camel
no meio da calçada; a tarde
não passaria tão rápido,
nem a noite cairia entre
poemas de o’hara
e macarrão com molho de tomate. 

sábado, 16 de novembro de 2013

sempre novembro


o dia amanheceu
cor de grafite, as horas
presas entra a cerração

e o caminhão de lixo. 
chove fraco,
e o corvo confere

um bagaço de maça.
a louca da padaria
vai atrás da moita mijar

nesse frio do cão.
o resto do tempo ela
fuma sorrindo

com olhos de verniz.

você me vê?


você me vê como eu te vejo? você ouve os
meus passos como eu ouço os seus?

você se habitua à minha presença
e a estranha quando vê nela a sua refletida,
como eu?

você se pergunta como eu me pergunto
se eu indago sobre você?

você também nota nas expressões faciais,
nos gestos, como eu noto nos seus?

você me vê como eu te vejo
e desvia o olhar pra manter as aparências?

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

chá de gengibre


domingo –
a solidão entrou sem pedir licença.

nenhuma voz no telefone
ou rosto no computador.

só a água fervendo na chaleira
e o arrastar de chinelos.

uma porta que abre ou fecha no corredor;
a chuva no vidro.

uma xícara de chá de gengibre;
a briga de ontem.

domingo –
a solidão tomou conta.

sábado, 9 de novembro de 2013

the long way out


olhos pesados, acidez

no céu da boca.
o álcool desce as escadas

degrau por degrau. 

a garganta arde, 
fitzgerald; 
teu livro de histórias

tristes como 
a noite é densa 

perto do fim do ano.

quase dezembro


a chegada do inverno se esconde
sob dias nublados,

noites de chuva; é preciso ter visto a neve,
ter sido as árvores desfolhadas

e a ausência das flores
pra saber que a morte é ponto –

e vírgula; a chegada
do inverno se esconde entre raios de luz
nos lençóis da cama, vozes

e café quente; é preciso ter sentido o peso
do vazio nas mãos pra descobrir

que a dor não é fria,
nem só o verão inevitável.

pra que


pra que palavras em tempos
de guerra, em tempos

de crise; pra que palavras
na hora da morte, na hora da dor.

pra que palavras quando se
perde, quando se ama.

pra que palavras quando a gente
some, se dissolve em

contato com outra pele.
pra que palavras
se os corpos se confundem,

se os dias se sucedem
e o inverno sempre chega.

pra que palavras

amor


quando as cascas
se quebram, clarice, e as paredes

desmoronam, viver

é um mal-estar;
um enjoo doce

que precede a entrega.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

elegia


em frente à porta do apartamento,
um homem testa um molho de chaves
na fechadura

“pra ver qual é a certa.
“sou filho do sr. hartmann, o proprietário;
“meu pai morreu semana passada –

“câncer.”

na meia-luz do corredor,
a palavra afunda no silêncio até
tocar o chão.

“a conta pro depósito
“do aluguel continua a mesma.”

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

1º de novembro


sexta-feira cinza –
a voz rouca do vento, o toque

metálico do frio.
as ruas vazias, pedaços de abóbora pelo chão,
garrafas de champanhe

pela metade, copos de plástico, bitucas
de cigarro, um batom –

o sino da igreja.
as lojas fechadas.
o sinal verde.

sexta-feira cinza –
mal se ouve um carro entre

os ossos da cidade.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

reconhecimento


graciliano, você tinha razão –
as horas pingam mesmo
do corredor – e, se me permite,
escorrem por baixo da porta,
invadindo o quarto
na madrugada insone.

domingo, 3 de novembro de 2013

mesmo assim


a acidez do café
dorme nos vãos da gengiva.
pelas ruas, pétalas de luz e frio.
o sol nasce mesmo assim.
o lixo acumula mesmo assim.
as pessoas se amam ou não.
sonham ou não mais.
se lembram ou não de todas as noites
em que pediram ao tempo que passasse logo.
que envelhecessem logo.
e de todas as noites
em que pediram ao tempo
que parasse
e voltasse atrás.