quarta-feira, 22 de julho de 2015

um dia




se eu morresse agora
toda a minha vida caberia numa caixa.
uma caixa de sapato cheia de cadernos
com poemas repetidos.
de noites sozinho em lugares estranhos.
em quartos pequenos
com garrafas vazias e vozes na cabeça.
um misto de cinza e falta na boca.
se eu morresse agora toda a minha vida
caberia numa caixa.
uma caixa cheia de dores que um dia
cansei de guardar.


domingo, 5 de julho de 2015

aquela caixa




a última vez que visitei o velho foi pra buscar os filmes.
ele me chamou pelo nome do meu pai como de costume
mas não levantou pra me cumprimentar.
um par de muletas apoiado no braço da poltrona.
o volume de uma fralda sob a calça.

a mulher dele me levou ao escritório e apontou pro alto da estante.  
uma caixa de papelão enorme e caindo aos pedaços.
uma caixa cheia de álbuns de foto e rolos de filme fedendo a mofo 
e produtos químicos.

hoje acordo, abro o email e recebo a notícia de que o velho morreu.
hoje, mais de um ano depois da visita, me dou conta:
aquela caixa era a vida do velho.
aquela caixa era a vida do velho em carne, osso e celulose.
aquela caixa era a vida do velho se decompondo, se desfazendo.
se despedindo.

aquela caixa era a vida do velho
e da poltrona ele se agarrava a ela com os olhos
com medo de soltar.