quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

no dia em que ela foi encontrada morta (re-revisited)



a sacada, o sofá. a caixa de fósforos no trilho
da porta. a manhã ainda escura. o silêncio
a chama. mais um dia. dores de um mundo
em madrugada. janelas e mais janelas desamparadas

o que resta de tudo isso. do pó, do copo
da fumaça. de outra aposta perdida. lembranças
abertas e um milhão de coisas que não
valem nada. a caneta, o caderno quase
em branco. o medo. a ânsia por algum
entendimento. algum consolo. um encontro

de papel. sensação sem sentido. lições
de um mundo que sabe ser frio, rancor
de quem não sabe perder. é que também já

morri cem vezes, mas você agora
cansou de voltar. e sinto muito, e declaro cem
dias e noites de luto

num piscar de olhos (revisited)



quando fechou os olhos tudo que enxergou foi o abraço que já não tinha

viu a rua dela, uma lomba
as grades cinzas do prédio
os azulejos vinho da fachada

viu o dia em que foi buscar uma camiseta velha, a última coisa sua
que ela ainda guardava

viu a cara fechada
as lâminas
as feridas 

quando abriu os olhos
tudo que enxergou foi o contorno de garrafas vazias, palitos de fósforo
uma pilha de livros

a gente perde quem mais ama
num piscar de olhos
quando a falta vira um gosto na boca
é tarde

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

uma estrela cadente



calçada molhada/manhãs de chuva
bitucas de cigarro/ferrugem/lama
espinhos d'água/sonhos de areia
sacolas se contorcendo sem vida

árvores com bocas entreabertas
árvores com olhos esbugalhados
árvores com braços estendidos
de joelhos/implorando a um céu
de paralelepípedo

céu de metal/sufoco de papel
corpos trocando de pele
corpos se convertendo em preces
em papel de parede/a sede
prestes/o amor uma cura/uma
estrela cadente