segunda-feira, 28 de junho de 2010

Dívida






o português pra mim
sempre foi salvação;
é a língua que dá cores àquilo que sinto
e que sentindo transformo em pensamento
que pensado se torna expressão

é a sombra da saudade
e o tom da solidão.

é a linguagem em que comunico sonhos
e disperso esperanças de um destino comum;
todo amor que sinto é palavra
e toda palavra procura abrigo

é em português que te digo
que é esse anseio que trago comigo.

de identidade
em uma idéia de mundo tão vulnerável;
uma saída qualquer
de dizer que o que sinto é de todos
e que aquilo que tudo sente
é a dor maior que possuo
e que humildemente traduzo.

domingo, 27 de junho de 2010

Em ritmo decadente






sim o tempo passa
e corre rápido pelas mãos
cai por entre os dedos
até que atinge o chão

é tolo tentar agarrá-lo
pois não se pode suportar
o tempo parado
que não sabe terminar

dói a vida ser fugaz
e cada dia que segue indiferente
por mais que se tente
que dure pra sempre


nada dura pra sempre

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Manuel Antônio





não derramo lágrimas por tua fibra que rebentou-se
mas também tenho lembranças de morrer;
sei que talvez a vida um pesadelo fosse
e entendo que a dor vivente quisesse esquecer

quisera a vida uma conclusão precipitada
dar ao teu verso aos vinte anos
mas ele inda rebenta na madrugada
nos mais tristes dos recantos

e de outra forma não seria
com poesia de tal beleza;
morreu quando a aurora inda nascia
na alma cheia de incerteza

acometido de tuberculose pulmonar
agravada por tumor na fossa ilíaca;
era a dor orgânica refletida
nas dores do mundo que sentia

então só rezo pra que tenha obtido
o teu repouso mais que merecido;
que teu leito solitário tenha sido
descansado na floresta dos homens esquecida
à sombra duma cruz
e que nela esteja escrito
que foi poeta, sonhou e amou na vida

e peço por favor que não te aflijas
quando a ave na antemanhã preludia
e quando o céu a meia noite sossega;

fique calmo e apenas ouça -

que os arvoredos do bosque vão se abrindo
deixando a lua pratear-te a lousa.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Apego





sou filho de meu pai
e filho de minha mãe

sou filho do Brasil
e filho alemão de meus avós
vividos de guerra

sou filho da guerra que não lutei
e dos séculos passados que não vivi

sou filho da pátria do mundo humano
e filho bastardo dos astros místicos de outra era

sou filho dos irmãos que tenho
e dos irmãos que fiz ao longo da vida

sou filho querido da palavra que digo
filho de uma língua esquecida
filho da escrita em papéis abandonados pela frieza dos monitores
e pelas teclas rudes do computador

sou filho de tantos países que visitei
e tantas terras distantes que sonhei

sou filho das ruas anoitecidas da cidade que me acolheu menino
récem-nascido
filho do frio de inverno da infância do sul
filho do posto de gasolina da esquina
e de cada calçada em que sentei mais velho pra pensar

sou filho de cada sorriso que vi passar
e de cada lágrima que vi cair

sou filho de um verso inacabado
do eterno poema que levo dentro.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O que cabe a cada um






Não importa a forma que tento dar à escrita
as palavras se arranjam movidas por vida própria
e agrupam-se em versos no sentido de um destino único
que é a poesia.

Não há planejamento das frases que não vire ruína.

Da ruína recolhe-se as partes
que reunidas formarão o poema de emoções e sentimentos remendados.

E onde foi parar o romance?
Outra vez caiu por terra.
E a prosa espontânea?
Outra vez tornou-se verso.

domingo, 13 de junho de 2010

Rachmaninov





Queria que as palavras fossem notas
e que cada frase ou verso em sucessão
criasse uma melodia tão triste
como é triste essa canção.

Não tenho as teclas do piano
porque sou prisioneiro do computador,
pobre poeta sem voz,
sem música, sem tom nem som,

Sozinho em meio ao silêncio bruto das letras de forma prontas que eu não escrevo.

Não tenho allegro nem adagio sostenuto
e sou anseio de um tédio que é pra sempre resoluto,
uma angústia calma moderada que renuncia desacreditada
às águas claras de uma fonte que eu não bebi senão em sonho.

Sou pobre poeta amante da música
pois não há verso ou nota que não confesse alguma dor.

terça-feira, 8 de junho de 2010

se quedava desamparado(pensando em Getúlio Vargas)


 


simples e solitário por natureza
exilou-se na estância rio-grandense
o presidente do quarto humilde de estudante;

só Deus sabia de suas amarguras e sofrimentos
e que se necessário
estaria disposto ao sacrifício da própria vida
- e estava.

deu o primeiro passo no caminho da eternidade
na madrugada de 24 de agosto de 1954
- em noite de São Bartolomeu.

matou-se com tiro mas não foi na boca
ou tãopouco na cabeça; não,
matou-se foi com tiro no peito
no lugar do coração.



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Temo






Não pense, não pense
e pare de dar voltas.

Esqueça um pouco as memórias,
deixe pra trás
que muito anos já se foram.

Quem só olha pro passado
termina sem ter amanhã.

O segredo dos teus olhos
não é noutra vida,
é nessa
e sempre foi assim.