sábado, 29 de setembro de 2012

isso é só pra dizer que


cansei da pintura abstrata.
de meias palavras. quero dizer que sinto tua falta assim,
simplesmente.
cansei de fingir que tenho certeza. talvez seja hora

de encher a boca e falar que não faço ideia.
que amo teu rosto recém-acordado.
que hoje levantei de manhã cedo e subi a rua até a padaria
e pedi um café com
leite que não fosse de máquina. a moça 
falava grego.

que cada dia que acordo vejo a mala ainda arrumada
e me dou conta de que fui embora de novo. mas que agora
é diferente.
que cada cor só faz sentido 
contigo perto.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Retrato de uma Mulher




se um casaco pendurado
na cadeira

ou a roupa suja jogada
no chão

pode ser arte 

entre
tanto 

não pode

suprir ausência 
de um corpo longe.

(nem esses versos sem
importância)





Outono





as garrafas de hoje não são mais de vidro.

uma pilha de discos velhos tem o mesmo status
de quem fuça no lixo em busca de janta.

a cafeteira esquecida na boca acesa foi jogada fora
como lâmina de gilete.

tempos em que nada mais dura
e até as cartas saíram de moda.

agora—
nem todo tempo do mundo basta,

nem a beleza dos estilhaços.

tempos em que tudo é descartável
e as horas desperdiçadas escorrem pela face do relógio

na voz ubíqua do alarme.

tempos em que a gente pensa 
que até a gente é substituível

como isqueiro vazio. 








quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Par de Meias





encardidas no assento plástico 
da cadeira; entre-

laçadas nas pontas dos pés
agora ausentes de alguém; exaustas 

de três dias; envoltas

em cheiro estragado; é cedo ainda,
cedo demais 

pra sentir tanto assim o tempo; 
a mudança do tempo—

o casaco cor de vinho. 







quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Quarto





embora se sente em um quarto despido,
órfão de traços exceto teias de aranha na estante 
e deite 
a palma da mão na poeira;
embora se sente sobre o colchão branco no piso
e segure,
por um instante, a manivela da persiana;
ou toque,
com a ponta dos dedos,
o papel de parede arenoso;
ou abrace,
com os olhos abertos,
a ausência de um quadro que não seja a janela fechada.
você sabe—
que nada aqui simboliza nada;
qualquer vista é sempre e apenas
a presença aceita
de uma imagem qualquer de saudade.





Dichten




tanto fica à mercê do tempo—

tanto sem-sentido,
tanta falta,
tanto apelo.

tanto fica à mercê do fogo—
(razão do vermelho)

panela de aço,
cheiro aditado do gás inodoro,
soma do açúcar:

a poesia condensada,
agora o leite.




Aeroplane





tree is white moving cotton
in glass pane window—

sun not yet born
seen from above—

but a point, thing 

I donnot see
from this high up.






sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Senda




dedo aponta alguma

coisa
que a fala define— 

veja,

lá se vai o ônibus.

tire a coisa
e o que sobra— 

isso,

espaço s/ coisa 
alguma, mera 

presença inominada.




Não é por falta
(minha versão the "it isn't for want",
de Cid Corman.)




não é por falta do que dizer
de algo para te contar.

não é para tirar do peito
ou que importe.

não é para conduzir
mas sim deter

te impedir de ir embora.

minha presença aqui
do teu lado

pelo tempo que for

pelo tempo que for.

 
 
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Interstício
(Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos II)





sonhei com uma espécie de minhoca gigante que dava na terra 
mas invadia a cama a qualquer hora, mimetizando 

lençóis de seda.

sonhei com Ezra no sanatório.
sonhei que não conseguia mais fazer supino.
sonhei que nunca mais ia parar de chover,

que trovejava sem poro e um raio caiu perto de algum lugar.

sinal de que?

sonhei que a gramática não tinha mais importância
num mundo coberto de água.

sonhei que descia a Américo,
abandonava amigos e subia a rua para te encontrar de novo, sob recriminações

de ter mudado demais.



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

No Prédio do Banco no Centro






quanto verso já foi escrito a respeito do céu
aberto.

mas quanto tempo faz que não vemos nada inteiro?

faz quanto tempo que escolhemos tempo
entre paredes e placas com nomes de rua para indicar caminhos?

faz tempo que o mundo é um cruzamento asfaltado entre balizas
de concreto e listas de tinta amarela, ora duplas,—

ora sozinhas:

como acordar às vezes
ou intervalo de almoço.

pouco verso já foi escrito a respeito do valor fixo da ausência, 

da linha do mar,

do peso do braço que roça no ombro em busca da tecla
do elevador,—

pois não senhor,
seu andar?

piso dois, obrigado.






Oficinas e Laboratórios
para John Ashbery





Esse poema se preocupa pouco se é prosaico.
Veja como se estende, rasteiro. Você desvia o olhar pra
Tevê. Ele escapa, você se espanta. Você pousa a mão
No friso da porta, espera o táxi. Ele deita a mão no seu ombro,
Os olhares descruzam, desencontram, a chuva não para.

Esse poema é triste pois não lhe pertence. Deseja
O incerto, ávido por entendimento sem tese. Anti
Poético, você toca a grama que cobre, mas ele se arranja
Embaixo da pele, noutra camada. Você não percebe, ele 
Não desvenda. Nada se revela (nunca). Brincadeira?

Um sonho em que a perna é cobra que toco, e lanço—
A minha com força contra a madeira da cama. Esse poema
É prosa, e daí? Ele descansa vulgar, você se sente comum
Em um tempo ordinário? Esse poema pouco se importa
Se acaso, se cada passo desenha uma distância irreparável.

Esse poema lamenta longe de tudo. Você também, ele sabe,
Eu sei. Faz diferença? Fui enganado de novo. Ele também,
Você sabe—existe um abismo na superfície. Você
Baixa os olhos, pousa a mão sobre o tampo da mesa, silencia,
Acende um cigarro. Paradoxos e oximoros: esse poema fala—
Muito melhor quando se cala.





segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um Preto, Um Dourado.





Os dias passaram
Em cafés-da-manhã na mesa de vidro,

Par de chinelos emprestado
E almofadas espalhadas no sofá da sala.

As roupas outra vez atiradas no chão.

É triste—mas não fim do mundo se os teus olhos ainda

Ficam gravados num frasco de doce-de-leite pela metade
Ou em dois grampos avulsos de cabelo.






 





sábado, 15 de setembro de 2012

Conciso Apreço




nosso desejo faminto
se limita ao barulho

da broca, fazer da folha

fusão do branco
com tinta, como entre 

o mais breve amor
e o café mais fraco.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

New Ways of Measuring Time






The sidewalk has no clock
but memories of feet.

The half-finished cigarette burns away
between concrete slabs—

and it seems noon
behind the green ashtray, 

The sun in captivity. 














Contemporâneo





meu verso

é amálgama entre coisas 
supostamente soltas

e outorga de riqueza 
e relevância 

às coisas sem lugar.








Tempo





o estado da madeira
da moldura

da janela do quarto
mascara

que mais de dez anos
se foram.

lá fora a chuva
tem a idade de sempre

mas os cupins vieram
há pouco.







quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Mural de Cortiça
para William Carlos Williams





tanta coisa depende

de um mural de cortiça 
coberto

de fotos velhas de quando
se era novo

e alfinetes 

e recortes amarelados 
de letras de música de jornal.






terça-feira, 11 de setembro de 2012

Cidade


I am enamour'd of growing out-doors,
Of men that live among cattle or taste of the ocean or woods,
Of the builders and steerers of ships and the wielders of axes and
mauls, and the drivers of horses,
I can eat and sleep with them week in and week out.


-Walt Whitman




Eu encontro entre notícias inúteis do jornal diário
e o ruído engasgado da cafeteira de plástico. 
É um novo dia, 
O sol nasceu entre olhos puxados de persiana.

Eu encontro entre colunas de carne e osso
em corredores de ônibus, 
Prédios de estacionamento da largura de horizontes 
e círculos de arame farpado. de madrugada o interfone dispara
e por um breve instante
lembra a pronúncia de um nome. mas ninguém me chama.

Eu encontro entre essa vaga noção de estar sempre à espera de um chamado
e a outra, 
De perambular por uma rua de comércio lotada
esperando encontrar meu próprio rosto do outro lado de uma vitrine. 
É um novo dia, 
O sol nasceu na lataria da porta de alumínio de um carro
parado na sinaleira de ferro.

Eu encontro entre tudo que vaza pra dentro ou pra fora
mas que jamais desmorona. 
É um novo dia,
O sol nasceu entre a falha no muro de tijolos de argila.




Alvorada





existe uma frase sem palavra difícil pra dizer eu te amo.

existe um verso sem metáfora
pra dizer que sinto saudade.

existe um poema sem plano 
pra dizer que cansei de conceitos.

existe uma teoria que anula todas as prévias
e que nem por isso serve pra alguma coisa.

existe um curso pra tudo na vida, mas não existe aula
que ensine a viver.

existe um pedaço de papel em branco que espera dizer
o que jamais foi manifesto.

existe um verbo tão simples que é descartável.

existe uma forma tão tênue que reta
forma a mais sinuosa moldura.

existe um hoje que só será feliz depois
em um tempo que não agora. 




segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Través





o traço é sujeito, meio
pelo qual ele enxerga o mundo de frente,
mas também de soslaio. enxerga e entende,
entende e interpreta, interpreta e se apropria,
se dissolvendo. o sujeito é líquido,
é indivíduo mas também personagem.
é íntimo mas é um ser de máscara
que requer distância, pessoal mas de esguelha.
é criação mas requer espaço
para ver de longe o que há de mais perto. 

criado, se divide e se separa por processo.
se separa e abandona, deixa de ser o que era ponto de partida.
criatura tem vida própria até que se perca.
sujeito é fruto
da disponibilidade dos instrumentos, da habilidade 
no manejo de rédeas curtas, da consciência de hóspede
de uma possibilidade infinita, efêmera e torta
mas de forma alguma restrita.

imaginação é tudo que oferta e exige em torno.
ter tocado o rosto, sentido o lábio
como embaixo da chuva,
saber que pedra nem sempre é morta, como nem sempre
olhar tem vida. 











domingo, 9 de setembro de 2012

Ouro é fácil, Barro demanda esforço.





Tivera uma fase na vida, sabia agora,
que fora ligeira, intensa
demais. Durara anos. Hoje quase não lembra.

A pista rápida
era um pouco como bater a cabeça
todos os dias
num muro de aço, uma luz num túnel
sumindo.

Mas a vida tinha outra fase. Havia uma parte dela
que mais parecia uma estrada de chão batido,
um carro velho cruzando lentamente
de janelas abertas, a trinta
ou quarenta quilômetros por hora
apenas.

Assim, como na pista rápida,
o tempo também passava; mas era possível
sentir o corpo da terra estendido, quente
e quase tocá-lo.







Fim de Tarde Domingo







quem fica triste que passa
ignora o agrado que teve,—
                           e a chuva
que lava tudo isso embora.








Apego






I


nosso mundo
sem centro estável

ou autoridade.

sem tempo próprio
ou quadro negro.

sem afeto,
ternura
ou giz de cera

capaz de olhar genuíno.





II


 
nosso mundo repetido
            
              [nossas brigas as mesmas.


naquela noite
a lua nasceu uma bola maior do que a terra;
pouco importa
                                           
                                     [você vai embora.


nosso mundo ora cansa
ora avança tão rápido

                             [o tempo roído.
                              

você vira de lado,

diz que nunca vai dar certo
enquanto a mão faz círculos 
                    
                               [de colher no leite.










quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Analogia






o ruído das rodas da mala
no piso do corredor
foi o primeiro fim daquele mês.

mas ela também,
como aquela mala preta,
partiria.

entre ela e a mala
sobraria a mesma tristeza, a mesma 
dor de adeus

como resto de gordura.








Conformação da Água







a fala 
mapeia o verniz da terra. 

a superfície da pedra descrita, 
muito mais que criada. tudo é mudança

e ponto de vista repousa em disparo,

gatilho 
do corpo useiro, 

na vala comum, 

no provimento ordinário
da refeição barata.

a fala destelhada
da dimensão de deus é despida

da extensão de montanhas.

ponto de vista aspira centelha vulgar
da luz anêmica da lamparina 

que treme,
vacila

e bruxuleia pronta, prestes

a extinguir-se.











quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Auden sabia.






                             . versos

escritos em pedaços de papel
dos quais as lágrimas, 

                                        agora secas, 

haviam evaporado. versos

em tinta borrada
pra sempre impressa. versos

livres de culpa
ou rabo amarrado. versos

dos quais a bruma romântica 
se dissipara. devia. versos

não-produtos de acaso
mas de árduo gotejo dos poros

e da linguagem penosa
matematicamente exaurida.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

A Quem de Direito
para Wallace Stevens




I

 
o mundo
é eternamente perdido

no aceno do relógio,
no meneio da queda

de cada segundo.




II


o mundo,

como móvel velho,
pode ser restaurado

por linguagem,

folha a folha
como pano de mobília.








Ducto




 


se existir fosse discurso
o verbo
seria o bastante.

se a vida fosse lida
em voz alta, a vida

seria impacto
sem intermédio.

se existir fosse oratório
à letra
faltaria nada.

mas falta.

o poema 
ocupa o espaço vazio
de uma via intocável.
E os Homens de Plástico





na relva urbana
sobrevivência é carcaça de ferro
e caixa de câmbio.

escala lomba de asfalto
como elefante ferido, valente,
bravura de aço, ronco 

de leão faminto.

na relva urbana a alma
tem pneus de borracha
e carne metálica.

sobe colinas de lojas
entre vales de imobiliárias
                                    [e horizontes 

de supermercados,

sem pelagem de inverno, corpo
coberto de tinta
e anúncios de roupa.

na relva urbana o coração 
é um motor de cinco cilindros em linha
                                                              [e o sol

é um outdoor de sapato.





segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Gambiarra





aquela rosa estranha, a lua,
é o que quiser que seja.
não importa.

o mundo é feio,
e a gente triste.

aquele seio brando,
aquela lebre presa à bolha,
é o que quiser que seja.

aquela louça suja,
aquele grão de leite,
aquela rampa de luz suspensa,
não importa.

o mundo é feio,
e a gente triste.
Manhã de Domingo






o mato
não é cheio se abraço
não surge em fumaça.

o chão duro não é sono
se é visão de lagarto
sem travesseiro.

o dia nasceu cedo, seis
da manhã. campo frio,
fogo quase morto.

fogo avivado, água
ferveu rápido na chaleira.

corpo atirado em cadeira de praia.

livro aberto, o ciclo,
a vida passada a limpo.

abatimento na falta de sinal.

tristeza na lonjura.

alegria
na vida imperfeita.

os dias passam
como ar em cataventos.

saudade do que há em casa
em forma de amor.

ninguém acordou para ver
ou conversar sobre a vida.

existe um poeta feliz?

há coisas demais sobre a mesa?

não há vontade
nos meses porvir.

o mato
não é cheio se abraço
deseja muito mais que isso.




sábado, 1 de setembro de 2012

Marianne Moore, não Henry James

it is human nature to stand in the middle of a thing
but you cannot stand in the middle of this:





a audiência cansou do decoro.

o povo sábio, vislumbra o falso
no exagero do adorno.

o leitor não quer leite, 
mas água quente
de mate amargo, 
café preto.

o público quer verso não-restrito
liberto do fado
de anos de língua
não-dita na rua. 

o auditório
quer o verbo indigno
aceso,

charuto de grosso calibre.

literatura vale nada
em barriga vazia.