quinta-feira, 31 de maio de 2012




Na Madrugada
do inglês ' In The Small Hours ' 





Véu azulado, a serpentina da
Fumaça do tabaco em película e verniz de madeira,
Atenua o cromo, escala em espirais as cortinas de veludo,
Ofusca a cavidade de espelhos. Dedos fantasmas
Penteam cabelos de alga, afagam veias verde-mar
De marinheiros ilhados, prisioneiros
Da sensual melodia de Circe. O barman
Distribui poções ígneas ?
Sonâmbula, a banda segue tocando.

Coqueteleira, o peixe prateado
Dança para clientes pegajosos.
O aplauso é embebido em lassidão,
Emaranhado em teias de sussurros de amantes
E nos cílios engenhosos do andrógino.
As notas pairando no ar acariciam a noite
Mas suavizam o denso índigo ? ainda eles tocam.

Partidas persistem em durar. Ausências não
Esvaziam a taverna. Se penduram sobre a névoa
Como exalações de afastados litorais. Logo,
A noite recupera o silêncio, mas até o amanhecer
As notas mantêm seu domínio, esfumaçadas
Epifanias, possuidoras das horas.

O lamento da música perdoa, redime
A surdez do mundo. A noite torna ao caminho
De casa, revestida por notas de consolo, pregueia
O silêncio quebrado do coração.








- Wole Soyinka




quarta-feira, 30 de maio de 2012





O INÍCIO DA DÚVIDA
do inglês, ' THE BEGINNING OF DOUBT '



Aqui estou nascendo—
buscando pessoas.
           Eu amo esse suspiro, esse espaço.
           Eu amo essa poeira que cobre cumes. Eu estou iluminado.
Eu busco pessoas—uma fonte e faíscas.
Eu leio os meus rascunhos, nada além de saudade,
                                         e essa glória,
na poeira das pessoas.







CRIANÇAS
do inglês, ' CHILDREN '



Crianças lêem o livro do presente, e dizem,
      esse é um tempo que desabrocha
      nos úteros de membros lacerados.
Elas escrevem,
esse é um tempo em que vemos
como a morte cria a terra,
e como a água trai a água.







- Adonis, from ' Selected Poems '

terça-feira, 29 de maio de 2012

recortes


como diz a música, 

estamos todos presos
entre o diabo e um mar azul.
a vida segue, 

o tempo senta em mesas de bar
pra tomar café e fugir do frio
(quando a noite cai,
o ideal é uma estação de trem).
na vida, a pergunta que fica 
é como tanto pôde passar tão rápido.
mais uma vez,
a tarde morreu nas mãos do relógio.
na vida, não se mede
anseio só em maços de cigarro 
ou recortes de jornal.

mais uma vez,
a tarde morreu sob os trilhos
do trem


e ninguém ouviu.





ELE LEVA EM SEUS OLHOS
do inglês, ' HE CARRIES IN HIS EYES '



Ele leva em seus olhos
uma pérola; de finais de dias
e dos ventos ele tira
uma faísca; e da sua mão,
das ilhas da chuva
uma montanha, e cria a alvorada.
Eu o conheço—ele leva nos olhos
a profecia dos mares.
Ele me nomeou história e o poema
que purifica um lugar.
Eu o conheço—ele me nomeou dilúvio.







UM ESPELHO PARA O SÉCULO VINTE
do inglês, ' A MIRROR FOR THE TWENTIETH CENTURY '



Um caixão que veste um rosto de criança,
um livro
escrito nas tripas de uma gralha,
uma fera cambaleando em frente com uma flor,
uma pedra
respirando nos pulmões de um maluco.
                É isso.
                Isso é o século vinte.

 






- Adonis, from ' Selected Poems '
For poetry





and don't you ever dare make
the same mistake I made
when I gave up my life—
                                 for poetry.




Fragmento de uma Carta
do inglês, ' Fragment of a Letter ' 





A noite toda a chuva açoitava as janelas.
Eu não conseguia dormir.
Então acendi a luz
e escrevi uma carta.

Se o amor pudesse voar,
como claramente não pode,
e se não ficasse sempre tão perto do chão,
seria encantador ser envolvido
na sua brisa. 

Mas como abelhas enfurecidas
beijos ciumentos se aglomeram sobre
a doçura do corpo feminino
e uma mão impaciente agarra
tudo aquilo que alcança,
e o desejo não desfalece.
Mesmo a morte pode existir sem terror
no instante da exultação.

Mas quem algum dia calculou
quanto amor acompanha
um par de braços abertos!

Cartas para mulheres
eu envio sempre por pombo correio.
Minha consciência é limpa.
Eu jamais as confiei a gaviões
ou açores.

Sob a minha caneta jã não dançam mais versos
e como uma lágrima no canto de um olho
a palavra se segura.
E a minha vida inteira, ao seu final,
agora é apenas uma rápida jornada em um trem:

Eu permaneço ao lado da janela do vagão
e dia após dia
reversamente acelera até ontem
para juntar-se às névoas escuras da dor.
Em tempos eu desamparadamente apanho
o freio de emergência.

Talvez eu hei de ver mais uma vez
o sorriso de uma mulher,
capturado como uma flor arrancada
nos cílios dos olhos dela.
Talvez me seja ainda permitido
enviar àqueles olhos ao menos um beijo
antes que eu me perca deles na escuridão.

Talvez eu hei de até ver mais uma vez
um tornozelo esbelto
esculpido como uma jóia
de branda ternura,
para que eu possa uma vez mais
quase sufocar de saudade.

Quanta coisa existe que um homem deve deixar para trás
enquanto o trem inexoravelmente se aproxima
da estação de Lethe
com suas plantações de asphodelus cintilantes
em cujos perfumes tudo pode ser esquecido.
Incluindo o amor humano.

Essa é a última parada:
o trem não segue adiante.







- Jaroslav Seifert

sexta-feira, 25 de maio de 2012





Allegro
do inglês, ' Allegro '





Eu toco Haydn após um dia negro
e sinto um simples calor nas minhas mãos.

As teclas estão decididas. Brandos martelos golpeam.
A ressonância verde, vívida e calma.

A música afirma a existência da liberdade
e alguém não paga o tributo ao imperador. 

Eu ponho as mãos nos meus bolsos de Haydn
e imito uma pessoa que olha o mundo calmamente.

Eu hasteio a bandeira de Haydn - significa:
"Não nos entregamos. Mas queremos paz."

A música é uma casa de vidro na encosta
onde as pedras voam, as pedras rolam.

E as pedras rolam direto através
mas cada vidraça permanece intacta.






- Tomas Tranströmer








Juventude
do espanhol, ' Juventud '





Um perfume como uma ácida espada
de ameixas num caminho,
os beijos do açúcar nos dentes,
as gotas vitais resvalando entre os dedos,
a doce polpa erótica,
as eiras, os palheiros, os incitantes
sítios secretos das casas largas,
os colchões dormidos no passado, o acre vale verde
visto de cima, da vidraça escondida:
toda a adolescência se molhando e ardendo
como uma lâmpada derrubada na chuva.





- Pablo Neruda




Tão Pouco
do inglês, ' So Little '




Eu disse tão pouco.
Os dias foram curtos.

Dias curtos.
Noites curtas.
Anos curtos.

Eu disse tão pouco.
Não pude continuar.

Meu coração se cansou
De alegria,
Desespero,
Ardor,
Esperança.

As mandíbulas do Leviatã
Se fecharam ao meu redor.

Desnudo, me deitei em litorais
De ilhas desertas.

A baleia branca do mundo
Me arrastou para o seu abismo.

E agora eu não sei
O que disso tudo foi real.





- Czeslaw Milosz

quarta-feira, 23 de maio de 2012




Espaços Abertos e Fechados
do inglês, ' Open and Closed Spaces '





Um homem sente o mundo usando a sua obra como uma luva.
Ele descança um pouco ao meio-dia tendo posto as luvas de lado na prateleira.
Alí elas de repente crescem, se espalham
e de dentro extinguem a luz da casa inteira.

A casa apagada se encontra no longe entre os ventos da primavera.
'Anistia', corre um murmúrio pela grama: 'anistia'.
Um garoto dispara com uma linha invisível que se curva no céu
onde o seu sonho selvagem do futuro voa feito uma pipa maior que um
             subúrbio.      

Mais para o norte você pode ver do topo o infinito tapete azul da 
             floresta de pinheiros
onde as sombras das nuvens
permanecem paradas.
Não, voam. 






- Tomas Tranströmer

terça-feira, 22 de maio de 2012




CHAPTER VII



Na escura,
clara noite a branca,
quase murcha lua
trazia quase luz nenhuma.

O vento era seco
e cantando sobre a neve,
um vento quieto soprava
constante, equilibrado
desde o ponto frio do Pólo.
Sobre a terra
a neve se deitava profunda
e tão seca quanto areia.
As casas se aninhavam
no interior dos buracos
dos bancos de neve,
e as suas janelas
estavam escuras e cerradas
contra o frio,
e só um pouco de fumaça
ascendia das fogueiras.



- John Steinbeck, ' The Moon is Down '

segunda-feira, 21 de maio de 2012




Ser Poeta
' To Be a Poet '





 A vida há muito me ensinou
que música e poesia
são as coisas mais lindas da terra
que a vida pode dar a nós.
Exceto amor, é claro.

Em um velho livro didático
publicado pela Editora Imperial
no ano da morte de Vrchlický
consultei a seção sobre poética
e ornamento poético.

Botei uma rosa em um copo de whisky,
acendi uma vela
e comecei a escrever meus primeiros versos.

Arda, chama das palavras,
e voe,
ainda que meus dedos se queimem!
Uma metáfora surpreendente vale mais
que um anel no dedo de alguém.
Mas nem mesmo o Dicionário de Rimas de Puchmajer
teve alguma utilidade para mim.

Em vão arrebatei ideias
e furiosamente fechei meus olhos
para tentar ouvir aquela primeira linha mágica.
Mas no escuro, ao invés de palavras,
eu vi o sorriso de uma mulher e
cabelos levados pelo vento. 

Esse tem sido o meu destino.
E eu tenho cambaleado na direção dele sem fôlego
a minha vida toda. 






- Jaroslav Seifert






Movimento
' Movimiento '





Se tu és a égua âmbar
             Eu sou a estrada de sangue
Se tu és a neve primeira
             Eu sou aquele que ascende a lareira da aurora
Se tu és a torre noturna
             Eu sou o cravo queimando em tua fronte
Se tu és a maré matutina
             Eu sou o canto do primeiro pássaro
Se tu és a cesta de laranjas
             Eu sou a faca do sol
Se tu és o altar de pedra
             Eu sou a mão sacrílega
Se tu és a terra adormecida
             Eu sou a cana verde
Se tu és o pulo do vento
             Eu sou o fogo enterrado
Se tu és a boca d'água
             Eu sou a boca do musgo 
Se tu és o bosque das nuvens
             Eu sou o machado que as partem
Se tu és a cidade profanada
             Eu sou a chuva da consagração
Se tu és a montanha amarela
             Eu sou os braços rubros do líquen
Se tu és o sol que se levanta
             Eu sou a estrada de sangue








- Octavio Paz




As Três Palavras Mais Estranhas
do inglês ' The Three Oddest Words '

Quando eu pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando eu pronuncio a palavra Silêncio,
eu o destruo.

Quando eu pronuncio a palavra Nada,
eu faço algo que não-ser algum pode ter.


- Wislawa Szymborska


Fama
' Fame '




Fama é isso: Domingos,
um vazio
como em Balthus,

becos pavimentados,
luminosos, áureos,
uma parede, uma torre marrom

no fim da rua,
um azul sem sinos,
uma tela morta

posta em sua moldura
branca, e flores:
gladiolus, pobres

gladiolus, pétalas de pedra
em um vaso. O alto
louvor do coral

desligado. Um livro
de gravuras que vira
sozinho. O tic-tac

dos saltos-altos na calçada.
O arrasto do relógio.
O anseio por trabalho.







- Derek Walcott







O poeta segundo Kierkegaard





O poeta confessa um anseio                                
de um íntimo e profundo desejo                                
de compreender os céus.                                

Ele no fundo quer ser religioso                                
mas não sabe onde reside o repouso                               
e desconheçe os caminhos teus.                                

Tenta, mas não encontra a resposta                               
e permaneçe poeta,                                
ignorante na arte do adeus.                                 

E o resultado inerente                               
é que esse mesmo poeta sente                             
apenas um triste amor por deus.  
















                             

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Verdade em Tardes de Chuva

and here he is again
and now I am a minor success as
a writer and death is walking
up and down this room smoking my cigars
taking hits of my wine




a maior beleza
vive
nas coisas mais
feias
que são as únicas
coisas honestas

existe arte
na cidade suja
na noite tarde
em postos de gasolina
na tristeza
de putas abatidas
e copos de cerveja

Bukowski já sabia
e fez questão
de não fazer
segredo
e de cantar
aos quatro cantos

que o feio da arte
é a falta de coragem
e um medo maquiado
de falso belo
de um amor eterno
que nem ele
nem eu
nem ninguém nas ruas
sabe.

terça-feira, 15 de maio de 2012

GOODBYE, MR. CHIPS
      (The Library Lady)




she looked at me as
she was browsing through
the pages of the book
looking for the proper spot
for the imprint to go on
and said, you know, last time
this book here went out was
October, 1998.

I could not help
feeling a bit bad for old Hilton.

a perfectly small shaped book,
its pages yellowed by years,
its cover the color of old skin.

the three of us walked down
the stairs in silence, the book,
me and Hilton,
all of us sharing the sameness
of dreams crushed under
metal wings,
colourful contemporary covers
and artificial kisses.

we had something in common
and we clung to each other
like blindfold hostages.

when I got home 
I finished the book in about two hours
and it was as good
as only simple words can be,
as if the ink itself was yelling
desperately, 

like a forgotten prisoner
that after fourteen years
in solitary confinement,
among shelves like stone walls,
was released and removed
to a cell with a window
where he could once again
taste the sun,
non judgemental.




Boots with Laces, by Vincent Van Gogh, Paris 1896






aletheia, van gogh, arte, heidegger




deita tua sombra pro lado
e não seja nada

ou deixe que a sombra seja
o topo do arvoredo
do dia acabado
no campo

tanto tempo andando
agora parado
contra o centeio amarelo
como o sorriso vestido
de couro gasto
de dentes esfumaçados
de ásperos pés secos
de cadarços
que mais parecem palha de trigo
a dar voltas
em torno de olhos entristecidos

que suportam o peso da terra
no peso de pernas
de vidas sem nome
sem sorte
ou vaidade

mas com entrega absoluta
e resolução de fraga
que não se esgota

mas que pra sempre habita
esse mundo erguido
difuso
e sem 
apoio
esse mundo revelado
que já não é sapato
e já não é refúgio

é uma clareira aberta
que encerra o surgimento sincero
das coisas sem conceito

o sapato é o único meio
pelo qual o quadro fala
daquilo que de outra maneira
permanece oculto
e sem significado

o sapato é a prova
da possibilidade da presença
de uma verdade que confessa
aos humanos olhos atentos
a sua forma primeira
que agora
já não é mais sapato
já não é mais apenas
coisa 
uma peça de equipamento 
mas arte
porque enquanto ergue mundos
nos remete a todo instante
à terra que concebe a tinta
o pano de fundo
a densidade do discurso
e o desconhecido
iluminado que,

brilhando, se torna

a verdade que não se toca,

a beleza
a textura da rocha
e o peso da pedra.













Vilarejos de Pedra
' Stone Villages '






Os vilarejos de pedra da Inglaterra.
Uma catedral engarrafada na janela de um pub.
Vacas dispersas na planura.
Monumentos a reis.

Um homem com um terno comido por traças
vê um trem que vai embora, em direção, como tudo aqui, ao oceano,
e sorri para a sua filha, que parte rumo ao Leste.
Um apito sopra.

E sobre os ladrilhos o céu sem fim
se azula conforme o inchaço do canto dos pássaros preenche.
E quanto mais claro o canto,
menor o pássaro.







-Joseph Brodsky

colza, ou couve-nabiça





um velório sem morto
é uma visita ao cemitério
num domingo quando os mortos todos
já foram enterrados.
um inverno com sol não é inverno
pois já é quase primavera
nas flores amarelas ao longo da estrada, 
nos campos verdes
e nada.
na serra
um café sem água
é uma chaleira de leite fervido
em uma crosta de nata.





segunda-feira, 14 de maio de 2012




Uma lista de alguma observação...
' A list of some observation... '





Uma lista de alguma observação. Em um canto, é quente.
Um lance de olhos imprime um carimbo em tudo que o aflige.
A água é a mais pública forma do vidro.
O homem é mais assustador que o seu esqueleto.
Um anoitecer de inverno vindo do nada com vinho. Um pórtico
negro resiste ao teso ataque do vime.
Apoiado em um cotovelo, o corpo cresce
como o escombro de uma geleira, um tipo de moraina.
Daqui a um milênio, será sem dúvida exposto
um fossíl bivalve escorado atrás desse tecido
de gaze, com a marca de lábios sob a marca da orla,
sussurando "Boa noite" à dobradiça da janela.







- Joseph Brodsky

sexta-feira, 11 de maio de 2012

 A Rosa Enferma
 
 
 
Ah! Rosa, tu és enferma!
O verme invisível
Que sobrevoa à noite,
Na tormenta uivante,

Descobriu tua cama
De rubra alegria:
E é o seu negro amor secreto
Quem aniquila a tua vida.







A Imagem Celeste



A crueldade possui um coração humano
E a inveja uma face como a do homem,
O terror um formato humano celeste,
E o sigilo que como homem se veste.

O vestido humano é de aço fundido,
A forma humana é uma ardente fornalha,
A face humana uma caldeira selada,
O coração humano a sua faminta garganta.






- William Blake

quinta-feira, 10 de maio de 2012







A vida viaja para o alto em movimentos espiralados. 
Aquele que batalha para vasculhar as sombras do 
passado abaixo de nós pode, então, melhor julgar o 
arco diminuto que ele escala, mais seguramente 
adivinhar as curvas nuviosas do futuro 
acima dele.






- Sören Aabye Kierkegaard