quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

e granadas na boca


after Miyó Vestrini


anos de temor e passos furtivos
de espera
escorrendo entre os dedos

silêncio, só silêncio

foi aí que sentiu medo?
todo dia reaprendo o alfabeto

um poema vale menos
que qualquer carinho

não é preciso inventar nada
além da solidão que nos cerca
grama morta e granadas na boca
o céu uma pedra

não há esperança
todas as coisas são velhas

morrer requer tempo
e paciência

vou pagar por essas linhas
um desfile de lágrimas
uma reza em forma
de poema


segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

toda vez que chove


after Miyó Vestrini


meu coração quebra toda vez que chove

por aqui as sirenes não dão descanso
e até os carros têm som de desalento

na calçada em frente ao bar
pessoas fumam sob o toldo

à espera de mais um ano novo
a vida é uma língua que não falo

e envelheço nas mesmas roupas
e no mesmo vocabulário

por aqui o vento é feito de gritos
e até as paredes choram

meu coração sempre quebra na chuva
as mãos cheias de perda

quanto silêncio pruma dor tão pequena
e tristezas tão privadas

um rosto ruindo em janelas
um trem em movimento

coisas de verdade viram lixo
e sonhos se põe cada vez mais cedo

sem valor de mercado

na língua das sombras


after Lola Ridge


agora o que mais importa
quantas vezes a gente já fitou o abismo

e deu meia-volta
muda alguma coisa

madrugadas são âncoras com garras
gargantas apertadas
paredões de primavera

uma alegria flutua na manhã velada

tudo em volta
tem restos de polícia

olhos são facas
corpos são faíscas

carros em chamas
não vão nos fazer falta
agora me abraça
mais três cliques

pra esquerda
vozes sussurram

na língua das sombras
a resistência não para
agora segura minha mão

com força
e não solta