segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ao Ajudante de Guarda-Livros




dizer que hoje só poderia ser inverno seria bobagem, hoje 
só poderia ser hoje—a neve é um acidente e nesse fim
de semana eu quase não saí de casa.

as estações se sucedem
e o frio chegou.

poesia é um teste de resistência diário entre a gente e o
papel em branco—entre a saudade do que vivemos e a
incerteza do que nos reserva o amanhã.
poesia é um reflexo ansioso, a eterna dor da busca por uma
sobrevida traiçoeira, por um tempo extra sem
grande utilidade.

sob um teto estranho, há algo na tristeza que também se
corta com faca—algo no gelo que ao olho
transmite uma condolência muda.




domingo, 28 de outubro de 2012

Namorando



na parada de ônibus o chão 
é um mosaico bege—de bitucas de cigarro 
e folhas mortas 
de um outono no fim.
eu me levanto e caminho um 
pouco—e paro em frente 
à vitrine da loja de 
sapatos—e eu me lembro da foto
que encontrei de manhã na caixa de entrada
da rede estendida
e da tua calça jeans azul.
nossos pares de meias brancas—as pontas 
dos pés tocando 
sob os cuidados de uma mancha de sol.




quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Pouco Depois Que Você Morreu




Sentado nos degraus de entrada do bar fechado numa
manhã de sábado ainda cinza, as pessoas descendo a rua
com pressa fumando cigarro ou falando no telefone. 
Os pombos circulando em volta a procura de qualquer
migalha de qualquer coisa—doce ou salgada. 
Ao meu lado um copo de isopor de café da lanchonete do
turco que ele faz por 2 dólares. Um rato dá as caras no bueiro. 
Eu interrompo a leitura do livro, Tender is the Night, e fito
o rosto dessa moça de cabelos curtos na capa amassada.
A tela do celular me diz que já são 7:12 enquanto eu rezo por
um atraso, enquanto eu fecho os olhos e sonho que hoje não
preciso ir trabalhar e a van do japonês encosta para
descarregar o que na lanchonete turca eles vendem como carne.
Ele usa luvas brancas de plástico e se move com rapidez,—ágil
e sem perda de tempo. Na pensão ao lado turistas ingleses
fumam na frente de chinelo e calça de moletom com a indiferença
de quem sabe que esse dia não reserva qualquer tipo de obrigação.
Eles nem usam relógio. E até sorriem com facilidade.
Eu saco uma caneta sem tampa da mochila e rabisco no
marcador de livro um poema que possa me tirar daqui. 

São 7:27 e o caminhão deve encostar a qualquer momento. 
Devagar o sol começa a aparecer em cima do prédio de finanças e
serviços públicos do estado, e é horrível porque eu sei que o dia hoje
vai ser quente outra vez. Eu olho para a capa do livro fechado, para o
rosto melancólico da moça apoiado sobre o piano de cauda
escuro, o fundo cinzento, a palavra ternura.
O caminhão dobra na curva de cima e buzina—7:31 em um dia
em que a pontualidade é um chute no saco de quem espera um sinal.
A caçamba do caminhão cobre o sol enquanto estaciona mas
eu sei que essa sombra é uma mentira.
Eu abro a porta e entro e ele me atira uma lata de 500ml
de energético verde fosforescente que eu abro e sorvo como se
fosse combustível. Mas não tem nada ali para mim—o telefone
toca, eu apanho a mesma caneta sem tampa e o mesmo
marcador de livro e anoto os detalhes do endereço da casa que
eles me soletram provavelmente errado e que por isso o GPS é
incapaz de encontrar qualquer coisa que seja remotamente
parecida com aquele nome de bairro ou rua, então pega o mapa
atrás do banco do passageiro e procura lá porque fica perto
daquela região que aquela vez—

E assim eles vão falando—e a essa altura eu me lembro de você e do
carro perdendo controle e da fragilidade da vida e já começo a suar e penso
em Fitzgerald e respiro fundo e peço pelo amor de deus que ele me aponte 
uma saída honrosa de tudo isso. 




segunda-feira, 22 de outubro de 2012

desculpe, 


 
tive que sair; a casa 
aqui tá uma bagunça, o dia 
lá fora, tão bonito. hoje todo 
esforço foi em vão, mas desistir 
agora é negar que o que faço 
na maior parte dos dias não tem 
nada de especial; como essas
linhas. em outubro o vento 
aqui faz chover as folhas secas 
que cobrem a grama de marrom 
que no sol lembra amarelo. 
já perdi amigos por bobagem, 
a dor é a mesma e a noite 
cai mesmo assim.




sábado, 20 de outubro de 2012

Comunhão




algo nos une no cheiro da borra
de café no dedo indicador.
no odor de suor no ônibus cheio.
na transferência da dor
para manchetes de jornal.
na multidão em silêncio.
no olhar que ao desviar cruza
com outro por acidente.
em mágoas camufladas de rotina.
no anúncio do alto-falante 
central da estação de trem.
em dias que não se distinguem.
no temor de que semana
que vem—seja tudo igual.





sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ostranenie




nunca achei que fosse amar assim
um monitor.
que fitaria com o mais sério dos olhares
a menor das lentes.
que viveria pra ver um sonho virar verdade
e as horas passarem
sem rastro de cinzas.
que crescer fosse coragem de pôr
abaixo—as certezas mais cômodas.
que noites em postos de gasolina
fossem mais felizes sem cigarro
ou cerveja—mas com pães de queijo
e café com leite
da loja de conveniência.


                                                      

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Nonjudgemental




no matter how sad
or happy
or rich or poor—fed 
or unfulfilled of soul

or body—crazy
of mind or fit 
enough to live—we all
sit over coffee

at some point of day.




Para Não Esquecer




    1. fome
    2. franqueza
    3. medo
    4. simplicidade
    5. estômago
    6. ternura
    7. disposição
    8. saudade
    9. fibra
    10. abandono






    segunda-feira, 15 de outubro de 2012

    Tanto Quanto Preciso




    mesmo num quarto úmido e fora do varal

    a roupa tende a secar
    se tempo o bastante.

    se tempo o bastante um punhado de anos veem sonhos ruírem.
    se tempo o bastante mesmo que tarde o tempo cura.

    nunca é tarde demais.
    de manhã bem cedo

    até o céu recomeça.




    E Jornais em Terrenos Baldios


    They cannot scare me with their empty spaces
    Between stars - on stars where no human race is.
    I have it in me so much nearer home
    To scare myself with my own desert places.

    -Robert Frost, "Desert Places"




    o fim da curva não segreda adeus.

    um carro passa— eu viro o rosto e o rosto que busco surge por um
    segundo apenas— e some.

    a rua silencia— ninguém espera na parada de ônibus.

    garrafas vazias acumulam no armário— e no lixo da cozinha
    uma uva apodrece impassível
    entre cascas de ovos.

    no canto do quarto
    uma pilha de cobertores sem um corpo pra cobrir— paredes brancas 
    e peças de roupa sem voz— sem por que sofrer.

    o computador zuni sem a menor importância— e no mundo deserto
    cada grão de areia é um tipo de máquina— uma coisa morta
    com valor de mercado.

    mas a vida vem do valor da ternura— do reconhecimento nosso
    de que o nosso destino não é tão distante do destino do plástico— da válvula
    do motor— da borra de café na pia.

    o vazio do céu já não me assusta— nem esse espaço imenso entre
    as estrelas— a solidão das coisas 
    vem de pertodo coração que a leva dentro.




    sexta-feira, 12 de outubro de 2012

    Frost, Num Dia Assim




    algo existe mesmo que não ama um muro.

    o outono lá fora é evidente,
    nossa ignorância

    indiscutível.  

    falar das folhas é perda de tempo.

     




    quinta-feira, 11 de outubro de 2012

    Sylvia,



    ser livre às vezes
    é encurralar-se

    em uma cela sem amparo.

    a sentença é injusta, 
    o resgate

    inútil.
    a maré te trouxe 

    para margem,
    mas com olhos de pérola.






    terça-feira, 9 de outubro de 2012

    Nessa Hora




    os olhos ardem na luz.

    o parágrafo embaça
    e as linhas

    se confundem.
    o tempo se contrai

    e a vida
    passa num centésimo.




    Adeus às Armas




    tempos que põe de lado Hemingway
    por sei lá quantos tons de cinza.

    abatido
    eu passo café num funil.





    segunda-feira, 8 de outubro de 2012

    Detalhes




    dias de café-da-manhã em pé.
    pela primeira vez na vida eu sinto saudade da mesa posta; 

    do bolo integral de nozes, do meio-mamão, 
    da tua cota 

    de iogurte de ameixa; do cereal—do aroma de creme hidratante

    enquanto eu leio a seção de esportes e você o segundo caderno.

    agora eu acordo e vou pra cozinha servir sucrilhos murcho
    numa vasilha de metal.

    mal reparo mais no dia lá fora—mas no cheiro de lixo orgânico.






    A Not So Good Night In The San Pedro Of The World
    (tradução minha)




    é pouco provável que haja um poema decente em mim
    essa noite
    e eu compreendo que se trata de um problema estritamente
    meu
    e que de forma alguma lhe interessa
    que eu esteja aqui sentado escutando um sujeito no rádio
    tocar piano
    e que o piano seja ruim, tanto a execução quanto
    a composição
    e de novo, isso não lhe interessa
    ao passo que um dos meus gatos,
    um branco belíssimo com manchas estranhas,
    dorme no banheiro.

    eu não faço a menor ideia do que poderia
    lhe interessar
    mas eu duvido que você interessaria 
    a mim, então não se sinta
    superior.
    na verdade, pensando melhor, você pode
    ir tomar no cú. 

    eu sigo escutando o piano.
    essa noite não será memorável nem na minha
    vida
    nem na sua.

    celebremos então a estupidez da nossa
    perseverança.




    -Charles Bukowski

    sábado, 6 de outubro de 2012

    Dia-a-Dia





    há mais garrafas de água que livros na estante.
    ao lado do tubo de pasta de dente e do creme de barbear tem um cordão de ouro que diz

    que alguém aqui crê em deus.

    só tem uma tomada no quarto.

    um estojo de remédios e tampões de ouvido de alguma companhia aérea.
    a toalha úmida na porta do armário.
    um rolo de fio dental.

    cada objeto guarda um coração.

    a colher de prata, a carta do banco, o guardanapo de papel.
    a linguagem.
     
    até as coisas mortas se vinculam—e ganham vida.                 

    cor sobre cor não é nada se não fere, se não te faz lembrar de alguém. 

    uma lista de compras num pedaço de folha de caderno.
    leite, molho, ovos, massa.
    garranchos de poemas.

    o dia que caminhei contigo pelos corredores do supermercado atrás de pão
    e peito de peru.





    sexta-feira, 5 de outubro de 2012

    Mais um café gelado por favor





    envelhecer é mais que um ato.

    sentar de novo na mureta. 
    ver as luzes dos carros chegando tarde para abastecer. 
    contar garrafas de cerveja de 1 real.

    ver que os moleques da rua cresceram e agora fumam cigarro.
    cantar de cor depois de tantos anos

    a mesma canção sobre café e trabalho e falta de dinheiro.






    quinta-feira, 4 de outubro de 2012

    Fotografia




    lembrança é mais que um nome.

    fileiras de classes,
    alguém de costas,
    uma porta azul.

    um quadro negro
    com os tempos verbais do alemão.


    Que possa também ser contado assim



                 Na cabeça um erro é menos erro se repetido várias vezes. Rotina é uma espécie de casca que é como vidro: sólido mas quebrável. Tudo era o mesmo caminho de casa. Um erro nunca é erro no futuro agora, mas se perde o controle do carro, e as rodas patinam... O mesmo orvalho umedece igual qualquer manhã. Pátio de areia, calçada vazia, semâforo desligado. Alguém passeando com o cachorro, jornais espalhados, um cartaz de anúncio de show ou curso de inglês. Tudo girou muito rápido em hora que a vida é composta de slides. Nem viu que árvore era. Nomes não disseram nada. Viu o som do estalo, o chiado do combustível vazando. O para-brisa mostra igual o horizonte mais bonito e a cortina de fumaça. Essa história não é narrativa porque não tem sentido. 

    O verso como a perda é um acidente sem lição.







    quarta-feira, 3 de outubro de 2012

    Cold Description of a Late Morning




    the spoon seats inside the mug.
    the spoon leans against the inside wall of the mug.
    the white wall of the mug.
    silver spoon leaned against the wall inside the empty blue mug.
    the dark blue mug.
    blue mug with white wall against which the silver spoon leans.
    blue mug upon the pink covered book. 
    white wall of the mug stained with cheap instant coffee.
    could be ground.
    could be roasted.
    could still be there.
    brown stains on the white wall of the blue mug rested upon the pink cover of the book.
    the silver spoon embraced inside.



    terça-feira, 2 de outubro de 2012

    Sempre Haverá Quarta-Feira





    nenhum carnaval é pra
    sempre.

    sabe
    o íntimo da fuligem:

    da mistura entre preto
    e branco—

    surge o finito; o fino pó
    de todo fim,

    o resto do fogão.



     

    segunda-feira, 1 de outubro de 2012

    Sunday Lunch 




    feet tap the kitchen floor.

    voices rise and fall.

    the refrigerator hums. 

    open bottles and plastic cups.

    you are not there.






    Almoço de Domingo




    pés cruzam o chão da cozinha.

    vozes sobem e descem.

    o refrigerador zumbe.

    garrafas abertas e copos de plástico.

    falta você ali.





    Razão de ser, Sem necessidade





    esse poema consola
    o que não foi bastante.
    esse poema é feito 
    de letras de forma sem alma.
    de meras palavras; de linhas
    de pigmento
    inatingível. 
    divididos, poeta e poema,
    por vidro.
    divididos, poeta e poema,
    por película.

    esse poema é feito de dígitos de plasma,
    de marcas de gordura dos dedos
    em minúsculas peças de plástico.
    divididos, poeta e poema,
    por mecânica,
    pela extinção da página; que pena.
    divididos,—
    pelo abandono da caneta,
    pela falta de contato com tinta.
    chega. chega. chega.

    esse poema 
    tem a força motora da roda dentada,
    a indiferença do frio da rua.