sexta-feira, 27 de maio de 2016

entre divisórias azuis





cagar num banheiro público
com alguém no cubículo ao lado.

compartilhar peidos e grunhidos.
suspiros. o barulho de merda

batendo na água. hoje em dia
isso é o mais perto que a gente chega

de se sentir parte de alguma
coisa. de alguma conexão real

com outra pessoa. papel
higiênico sendo desenrolado

e cada um de nós trancado
dentro do próprio cubículo

nossa solidão incapaz de se esconder
entre divisórias azuis.


sexta-feira, 13 de maio de 2016

palitos de fósforo





essa noite preciso escrever um poema.
já faz horas que você foi pra cama.
já fechei a garrafa de vinho e levei pra cozinha
antes que não sobre mais nada.

essa noite preciso escrever um poema
por pior que seja. pouco importa
se for uma merda. todo poema não passa

de uma sobrevida. um pouco de ar
embaixo d’água. todo dia sinto
medo de nunca ter escrito algo que preste.

a gente tem prazo de validade,
pergunte a qualquer espelho, calendário
ou dor nova que aparece pelo corpo. 

sempre que alguém se mata
eu morro e renasço um pouco, menos
um pedaço. a gente é a soma
dos danos que causa e tudo que perde.

um amigo me garante que ninguém
lê poesia. ponto. preciso dos
outros. palavras são cacos de vidro.

não sei se o amor nos resolve,
mas é um consolo sem tamanho. palavras
são palitos de fósforo.

sábado, 7 de maio de 2016

sorte





acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.
acordar todo dia ao lado de quem a gente ama.

tem coisas que se a gente não repete, não se dá conta
da sorte que tem.


menos um pedaço




uma noite num colchão inflável pode ser boa dependendo do cansaço.
no meu sonho, você me abraça e o avião balança.
a manchete do jornal anuncia: muito fósforo na água.
a estação do metrô alerta: para sua segurança: câmeras de vigilância.

caminho quase correndo e quase não reparo.
com uma ducha quente e uma ou duas xícaras de café forte dá pra enganar o sono.
um pão de 1kg pode durar uma semana inteira (à partir de quarta ou quinta fica
parecendo uma pedra, mas nada que uns 10min no forno não resolva).

dá pra ver que é primavera pelos brotos nas árvores, cada dia um pouco maiores.
alguém disse que palavras são cacos de vidro.
silêncio acalma, páginas em branco dão medo.
nos anos 90 um psicanalista americano propôs que a felicidade é um transtorno
psiquiátrico.

a gente tem prazo de validade, pergunte a qualquer espelho, calendário ou dor nova que
aparece pelo corpo. 

viver com alguém e tão ou mais difícil do que viver sozinho.
escrever é se afogar em fragmentos.
o som de teclas de computador sendo pressionadas pode ser reconfortante.
quanto estímulo é o bastante?

há algumas semanas, uma mulher foi encontrada morta num assento na última fila de
um cinema, os pulsos, a jugular e a femoral cortadas. no assento ao lado, uma
faca e um saco de pipocas (cheio).

sempre que alguém se mata eu morro e renasço um pouco, menos um pedaço.
o mesmo poema escrito à mão ou no computador não é o mesmo poema (nada revela
angústia como caligrafia).
a noite passada, dormi quatro horas.

todo dia sinto medo de até agora não ter escrito nada que preste.
todo dia pego o celular pra ver que horas são e esqueço de que horas são.
um amigo me garante que ninguém lê poesia. ponto. (o que isso diz sobre quem
escreve?).

não sei se o amor nos resolve, como diz um poema, mas é um consolo sem tamanho.
um dos meus ouvidos agora vive entupindo.
PRECISO dos outros.

palavras são cacos de vidro.
todo poema é um fracasso, segundo eliot (azar do sucesso, comumente medido em
vagas de garagem).

a gente é a soma dos danos que causa e tudo que perde.
a combinação fios de cabelo + pelos do corpo + ranho é letal pra qualquer ralo.

palavras são palitos de fósforo.
tenho mania de arrancar fios da barba ou pelos da orelha quando muito ansioso (o que é
quase sempre).


a vida, e a gente não repara




às 6:30 o despertador toca.

você me alcança o celular, eu desligo e levanto.
você vira pro lado e volta a dormir.
vou pro banheiro, tomo uma ducha e vou pra cozinha.
ligo o forno, fatio o pão e coloco pra aquecer.
passo o café. pico uma fruta.
aqueço o leite no fogão, arrumo a mesa
e te chamo pra comer.

você me dá um beijo e um abraço
e senta enquanto sirvo os cafés,
o teu quase só leite com um pouco de café,
o meu quase só café com um pouco de leite.

depois que a gente come,
guarda as coisas na geladeira e põe a louça na pia.
você vai pro banheiro, caga, se maquila.
a gente escova os dentes e troca de roupa.
na manhã seguinte

a mesma coisa.