terça-feira, 23 de novembro de 2010

em algum lugar entre Ezra Pound e T.S Eliot







mais um adeus agora,
mais um quarto de hotel vazio,
mais quatro paredes descascadas
de um segundo andar esquecido.

mais um amor desconhecido,
mais um livro -
gente pobre, trópico de câncer,
um adeus, um abraço, nunca mais.

mais 20 minutos à meia-noite,
sem calçada, sem luz,
o acostamento da estrada, anda,
mais um passo, mais um posto,
o ônibus, a volta,
o retorno em mais de 10 horas -

mais uma madrugada acordado.

pedaços de quem só pensa em pedaços.

saudade -
daquela foto tua que esqueci por entre páginas de um livro de versos
de poesia norte-americana.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pyrmont Bridge







atravessando a ponte
eu segurei tua mão
e te abracei forte
te beijando no rosto[lábios por
entre os cabelos]

era noite escurecida
e o mar corria por baixo
e as luzes da cidade corriam por cima;
eu mal sabia teu nome
mas te amava como aquele velho amor perdido.

te segurei forte
com medo de te perder amanhã,
te beijando com toda a minha força,
com o último ardor do mundo,

linda,
loira e de olhos azuis -

nunca mais falou comigo.
Tempo
(too late in the wrong rain)





tarde demais na chuva errada,

andam juntos,

aqueles os quais o amor partiu -

mas o olhar ainda insiste

no que o peito desistiu.
por todas as gerações perdidas







olhando para trás que se escreve -
indo para longe,
ficando distante,
sentindo falta, sentindo fome.

todo passado é palavra
todo discurso é memória.

Hemingway disse:
"comece com a frase mais simples
e mais verdadeira que souber."
e Tolstoy sabia que a arte
é uma puta triste sem maquiagem.

se o verso não corta
o poema não canta -

quando os olhos cansaram de ver
e o coração cansou de sonhar.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O que restou da arte






sucessão contínua de imagens
em sequência rítmica
de frequência quase cardíaca
do pulso do seio da cidade -
semáforo que se acende, verde,
o ronco da buzina dos carros,
o estômago vazio
do buraco do asfalto -
para onde foi o pastor, o sol e a lua?
meu amor eu canto na água da chuva
suja que corre na beira da rua,
da calçada
desse coração doente de urbano,
de pedra, dessas trevas de luzes,
dessa selva trêmula de torres,
de trens e prédios e pontes -
não se atreva a procurar por deus
nessa terra perdida dos homens.
Obra





inspiração é escapar a si mesmo;
a cabeça não pensa
e a consciência do corpo vai até o ponto
do controle da mão
sobre a fluência dos dedos.
não há razão ou critério que escolha as palavras
foi a palavra quem me encontrou
foi a palavra quem me escolheu.
o discurso se torna imagem na ponta do lápis
e cada letra desvenda o seu próprio ritmo,
uma cadência ao acaso,
uma harmonia de música em que o som não chega ao ouvido
mas que transmite a doação de cada uma das formas,
de cada traço
e a entrega de quem não é mais que instrumento -
de cada verso, cada tempo,
cada letra testamento.

naquele porto


debruçado sobre o livro
à luz de uma única lâmpada acesa
ao som da chuva que cai no teto
sem lembranças ou memórias
do tempo em que viveu nas nuvens.

sem consciência, sem vontade
que não a de ser chuva, de cair,
seguir a lei da gravidade,
sem vontade de lembrar no peito
o que a cabeça esqueceu —

uma vida inteira apagada,
um vazio escuro de quarto
à luz de uma única lâmpada gasta,
um passado distante repetido,
mal colocado no tempo,
um passado ultrapassado.

já não reconhece aquele rosto
tão próximo, tão parecido,
agora tão longe.

a chuva cai sem dor,
sem anseio e sem lamento,
cai sem dor, cai sem pensamento;
a chuva cai no teto ainda, insiste,
mas sei que lá —

naquela velha casa de madeira
alguém que amo sofre
por alguém que já não lembra.
o amor no asilo
("love in the asylum", Dylan Thomas)




alguém estranho veio
para dividir meu quarto
na casa que era doente da cabeça,
uma garota insana como os pássaros.

encerrando a noite na porta com seu braço sua pluma
na cama ela ilude a casa à prova de céu com nuvens
e no entanto ela ilude ao caminhar o pesadelo do quarto
de mesma imensidão que a morte
ou navega o imaginado oceano do homem.

ela veio possuída
deixando entrar a luz iludida através das paredes,
possuída pelos céus.

ela dorme no estreito
enquanto caminha por entre a poeira
e grita à vontade
por entre os cômodos do hospício
que definham no andar de minhas lágrimas.

apanhado pela luz em seus braços
por último e até o fim -
eu vou sem medo de errar
sofrer a visão primeira
que há de atear fogo às estrelas.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

because you're mine, I'll walk the line.
(humildemente dedicado a Johnny Cash)







esqueça as pílulas e os comprimidos
e se lembre dos lábios
e dos cílios dos olhos -

a bebida faz sim companhia
mas não se engane
em pensar que ela ama -

foi difícil ser verdadeiro
e cada fim de dia
te econtrou sozinho -

mas bota a garrafa de lado
antes mesmo que ela esvazie -


os dias
a casa
o peito
a voz.
Simbolismo






a vida inteira é simbólica
porque tudo na vida
significa algo.
a parábola vem da rotina
e a explicação da verdade
da realidade do dia-a-dia.
mas ninguém se interessa,
o homem moderno
já não precisa mais disso -
confrontado pelos mistérios do universo
ele se volta à física
e não a versos e melodias.

sábado, 6 de novembro de 2010

Dividido





Reality is doubtful -
the only reality is the moment,
the instant that you feel to be real;
can you touch it
or just dream that you're touching it?
everything is a frame of mind,
a mood constantly changing,
an impression carved in skin,
flesh and dreams and bones -

como aquele dia em que te abracei
pela última vez
à tarde em frente ao portão,
forte e te erguendo do chão
e tu chorava dizendo que não,
que já não podia ser mais.

Because life wouldn't be beautifull
if it wasn't for all the dreams
that never came to be true
and for all the empty spaces
filled with nothing but recollections -

como o reencontro contigo que eu nunca tive
naquela rua fechada em construção,
bêbado,
sem ter ainda aprendido a dizer te amo,
nem que fosse por uma noite,
por um segundo,
por um lapso de beijo mudo.

Don't let your mind go back
to what your heart cannot take it;
stay still,

cada dia de vida é um amor incompreendido
e não há mais morte porque o passado acabou -

And next morning you'll smell
the scent of tobacco
in the yellowed ends of your fingers
and yes you'll taste
the bitter aftertaste

do vinho na boca seca.
teus olhos verdes
teus olhos negros
teus olhos azuis -

I've been torn apart by memories
of days that I was too drunk to remember
when I was still too young to understand.

e aprendi que saber demais
torna a alma calejada
mas o coração vulnerável -
às lembranças da tua pele
ao gosto do teu sorriso
ao cheiro do teu pescoco.
modernidade





o velho senta no banco de pedra
seu rosto entre as mãos.
em frente
um fluxo contínuo de gente
passa rumo ao teatro.

o velho soluça entre os dedos
em tom amargo de gin.
de quando em quando ergue a cabeça
e grita de forma animalesca:

"não posso, não vê que não posso?"

sua voz não é humana
e soa como o partir de uma tábua ao meio.

passos se agitam.
pessoas de meia idade olham para o outro lado.
vozes murmuram no escuro:

"vagabundo."
"bebida devia ser proibida para esse tipo de gente..."

o velho resgata de entre as mãos o rosto molhado de lágrimas
fitando nada através de olhos vermelhos injetados de sangue.

pessoas recuam,
pisam umas sobre os pés das outras.

como o partir de uma tábua ao meio
surge a voz que vem de dentro do velho -

"não vê que não posso...? não posso...
não posso..."

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lembrança
(tradução de Rilke,
"Remembrance")






espera, aguarda ainda por aquilo
que há de para sempre enriquecer a vida:
poderoso, único incomum,
o despertar das pedras adormecidas,
abismos profundos
que sejam capazes de o revelar a si mesmo.


ao amanhecer percebe as prateleiras
com seus volumes negros e dourados;
e lembra de todas as distantes jornadas,
retratos e o tremular dos vestidos
vestidos por mulheres conquistadas e perdidas.


e derrepente vem a ti a certeza:
é isso! levanta-te, pois tu agora
és consciente daquele ano num passado distante
com seus temores, eventos e preces.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

lamento
("Lament", poema traduzido de Rilke)






tudo é distante
e há muito ficou para trás.
penso que a estrela
brilhando no alto
já está morta faz um milhão de anos.
acho que eram lágrimas
no carro que ouvi passar
e algo terrível foi dito.
um relógio parou de contar
o tempo
do outro lado da rua...
quando foi que havia começado?
gostaria de pisar fora do meu coração
e seguir caminhando por entre o céu.
gostaria de rezar.
de todas as estrelas que pereceram
há tanto tempo atrás,
uma ainda existe.
eu acho que sei qual delas -
qual delas, ao final do seu feixe de luz,
permanece
como uma cidade toda branca...
chiclete e jornal e café






um centavo antes da meia noite
compra amanhã.

sonhos virados do avesso
atirados na lata do lixo.

um centavo antes da meia noite
compra ontem.
recomeço






tudo era tudo
mas tudo acabou
e todo começo anuncia um fim.
aprender a ser feliz
é te deixar ir
e aceitar que te perdi,
e tambem os teus olhos azuis.
a morte num domingo cedo





me ajoelho em frente ao corpo
e rezo.
peço a deus
que carregue essa alma pura de animal
aos céus
e que lá descanse para sempre
agora liberta de sofrimento.
coloco a mão sobre as costelas
que sem ar já não se movem,
não arfam, não pulsam
enquanto formigas já cobrem o corpo
rastejando sobre os olhos abertos.
tudo vira comida
e tudo volta para a terra -

perdoai as nossas ofensas
assim como nos perdoamos
a quem nos tem ofendido,
não nos deixe cair em tentação
e nos livre do mal,
amém.