quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

o ovo apunhalado


todos os dias, febril
e meio pálida, ela espia os portões
do quartel por trás
das cortinas da janela do quarto pela manhã,
à espera.

em guardanapos de papel,
compõe versos tristes que ninguém lê

e em noites de lua cheia,
seu olhar anêmico corre atrás de alívio no céu de chumbo.

mais que qualquer
pessoa, já se lhe tornou íntima a noção
de um suicídio dramático
e marcante, lento 
como um córrego de leite integral. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

de onde eu chamo


eu ouvi teu coração bater
entre buzinas de carro
e o barulho da tv.

essa manhã,
deixei a água ferver
demais e queimei o café.

junto pedaços de uma vida
alheia à minha em versos
sem união,

sem corpo ou alma 
que alguém possa ver.

poesia é a explosão 
de um vaso de vidro, cacos
voando para todo lado.

coquetel


no dicionário informal
carente é sinônimo de órfão,
escritor, infeliz,
mendigo e jornalista.

picasso pintou guernica,
e daí?

o porre vem antes 
da ressaca, o amor veio
antes do progresso e isso
quase não importa,

flúor na água encanada.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

o verbo alumiar


quero ler dalton trevisan.
fui picado por mosquitos
a noite toda, mal pude dormir.
me falta um título bom,
um cemitério de elefantes
ou o coração é um caçador 
solitário.

que calor faz nessa cidade,
mal fico sem suar.
quero ter sonhos de areia,
juntar na mão incapaz de prender.
tenho os olhos injetados.
queria escrever um poema
com o verbo alumiar.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

do começo


nem que o outono nunca mais volte
nem que eu tenha que dirigir
nem que tudo que é bom sempre fuja
nem que amanhã só reste café solúvel
nem que falte tempo pra palavras-cruzadas ou bate-bola
nem que as ruas de casa virem shopping center
nem que nada dê dinheiro                                    
nem que você resolva pôr botox
nem que o poema morra de vez(e assim eu um pouco por dentro)
nem que ninguém mais ouça jazz
nem que essa tela seja o mais perto do teu corpo por tantos dias
nem que tudo vire um telefone                            

nunca, nada vai fazer com que eu te ame menos
não até que algo no meu peito dispare, depois cesse

e ainda então, em cada palavra que ficar pra trás
vou te amar de novo, do começo

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

a estrela sobe



na calçada, seu corpo voltado
pra vitrine de um loja na oswaldo aranha,
perto da lancheria do parque,
um homem dorme num colchão 
de espuma bege e carcomido. 

sob a cabeça, uma mala velha e vazia faz
a vez de travesseiro.

ao lado, um copo de papel
virado sobre a boca de uma garrafa
aberta de champanhe, sem o rótulo, vela
o seu sono de mendigo, sem réveillon 
ou carnaval, às 9h da manhã.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

a falta que ela me faz 


crescer foi descobrir que um amanhã existia.
o tempo é medido em oras, veja bens e eu achos que——
crescer foi cansar de brigar e brigar mesmo assim.
o tempo é medido em finais de filme
que acabam bem. 

crescer foi acordar cedo, sem sono, levantar da cama.
o tempo é medido em listas de compras,
sabão, 1 dúzia de bergamotas, morangos mofados.
crescer foi desistir de saber, ver a lua subir
e ponto final.

o tempo é medido em pedidos de perdão
que quase sempre chegam tarde demais, mas chegam.
crescer foi deixar para trás tanta coisa, como——
o tempo é medido em frases tragadas e gestos
interrompidos.

crescer foi confundir barulhos, sinais
e lembranças afogadas em semanas de carnaval.
o tempo é medido em paredes desbotadas, em tinta seca
que a gente passa a mão como se fosse o rosto
de alguém que nunca mais viu. 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

a perfeição não existe


nesse lugar, o sol rola entre a folhagem
sempre verde. toda a gente tem a pele clara, 
e os dentes brancos como mármore polido.
suas roupas têm cor de primavera, vibrantes
e impecavelmente limpas, seus cachorros 
sempre tão obedientes e bem educados. 
nesse lugar toca uma música agradável o dia 
inteiro, feito propaganda de margarina. 
ninguém bebe ou fuma, ninguém sabe o que é 
tristeza ou sente as dores do mundo, constantes 
e ás vezes sem interrupção. todo mundo 
se cumprimenta e é sempre domingo, de novo
e outra vez. nesse lugar tem sempre um corpo
d'água perto, a chuva é quente, acredite, 
o céu é azul e é sempre verão, não importa o mês. 
nesse lugar a vida só pode ser de plástico, 
com o cheiro dos sabonetes de hotel. esse lugar
existe num outdoor sobre o viaduto na
parte baixa da cidade, nas telas de cinema do
shopping e nas inúmeras capas de livros 
sem nada a dizer. nesse lugar a gente é feita de
feixes de luz, tinta sintética e megapixels. 
sem carne ou osso, sem sonhos. nesse lugar, 
onde um beijo tem sabor de remédio, a gente 
é sem coração, sem miséria e sem valor.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

promise


once and again 
we set ourselves on fire
to double-check we are alive.

once and again the phone rings
and vibrates, but is not a call.
time to get up.

distance is how much patience we have
and how long we can wait.
once and again
sorrow has flesh we can touch.

once and again we fight over silliness
and hang up abruptly.
pride is the ultimate stupidity.

you call back, your voice low.
we say we're sorry, and promise
never again.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

calça jeans


novembro
ou assim que essa 
chuva passar. 

naquela noite sem 
lua, derrame.

delicado nada,
depois. te 
esperando chegar.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

morte ao entardecer



hoje,
só queria deitar abraçado e respirar 
no teu cabelo, sem dizer nada.
hoje,
chove em ruas vazias.
porque te amo a vida muda,
porque te amo não importa.
em duas noites, perdi a conta de quantos pesadelos
tive.
palavras são flashes de luzes——
suor, sinal e sintoma.
esse verso existe só pra dizer
que meu amor por ti é mais forte que um trem.
pior
do que ter tão pouco tempo é saber.
amor absurdo, tu é minha casa.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

delicado nada


gás, urubus e seda. um gole de qualquer
coisa pra toda essa dor. um colo, 1 minuto
de silêncio. 22:59.

tédio e depressão clínica. prescrição de pílulas?
um adeus, meu amor.
romper o céu com garras e cadarços de tênis.

fuligem em forma de unhas, Ruínas. 
extratos de uma busca sobre DFW, Kane 
e suicídios em quartos de hospital. 

1996. ter raiva é humano, ternura também. 
uma explosão destrói quando nasce, 
quatro paredes ou outro país.

tvs de alta definição.
quantas vezes a gente queimou, ou assistiu 
queimar? não existe culpa que não seja nossa. 

Sexton, Hemingway, Kawabata. 
só os mortos sossegam o ego,
A Piada Infinita. confia em mim, por favor.
 
a cerimônia


era uma manhã cinza, meados de maio. 
os dois em pé debaixo da árvore sem folhas que deixava a chuva passar.
um deles fumava um cigarro em tragadas longas,
com urgência, um corpo denso de fumaça detido no ar pesado da chuva.
um silêncio absoluto reinava ao redor, quebrado, vez que outra,
pelo grito de um pássaro ou o barulho de um ônibus. 
os dois vestiam preto e mantinham o olhar fixo na caixa que descia pra terra.
fora quem trabalhava ali, ninguém mais tinha ido.
—tá, vamo tomá alguma coisa, disse um deles. 
em volta, o ruído do trânsito ia tomando conta da manhã. 
o outro fez que sim com a cabeça, sem dizer nada,
esfregando de leve a bituca acesa do cigarro contra o tronco da árvore 

até que a brasa caísse, ainda queimando.