segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

escrevendo no escuro



um tempo demora tanto pra chegar.
parece o tempo todo que nunca vai,
que um dia a mais ou a menos nem faz diferença,
que não importa.

um tempo chega aqui,
nem parece mais que esperou tanto tempo assim.
esse tempo agora a gente quase nem percebe,
aquele tempo passa,
nem parece que houve,

enquanto a gente espera a chegada
do próximo tempo,
na voz de uma chamada a cobrar 
no saguão de algum aeroporto.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

pedaços de rotina



pagar conta de luz, leite, ovos, ver tradução
português, iogurte, papel higiênico,
tomate, Oscar Niemeyer, cadernos, café,
velcro para cadeira, imprimir livro, cuidar a massa
cozinhando, Faulkner, transferir 
aluguel, imprimir comprovante passagem, não
esquecer: pasta com documentos,
passaportes, “A Rose for Emily”, fazer barba,
xerox, comprar presentes natal
no Free Shop, cartões do banco, marzipan, salame,
1 dicionário, transferir ALUGUEL, 
a emoção nasce do hábito, fechar registro 
da água, carregar celular, comprar 
créditos, guardar sempre todas as listas.

 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

enquanto



o rádio tocava e as vozes
se confundiam no bar quase sem
luz. ele pediu licença pra fumar enquanto os brincos 
vermelhos balançavam de um lado 
pro outro, num vaivém. ela falava sem parar sobre Duchamp,
como se importasse. o gosto da cerveja se misturava 
na minha boca com café(que eu senti nos 
dentes com a língua). só conseguia pensar que em 1 
semana——que em 7 dias, eu ia sentir teu 
corpo outra vez(como eu preciso 
de ti)


cresceu ouvindo



         (e agora senta em
trapos na calçada fria)que
mendigo era tudo vagabundo,
bando de preguiçoso(fecha
os olhos e põe o rosto sobre
o bafo quente que sai do café)que
viver assim era fácil(aquece
as mãos grossas de sujeira
no copo de papel)era falta de coragem
(a língua umedece a boca
cortada, sente o gosto da nicotina)
agora ouve o silêncio da rua(só
o som abafado da moeda
no chapéu de pano)


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

That Evening Sun



she walked out of Miss Ulrich's office
and stopped just before descending
the stairway. she remembered how
she once read The Sound and the Fury bit by
bit inside the 373 on her way to work
every morning before sun up, and how weird
it had been, how dazed she would feel then
every time she had to step out of the bus and
walk down the street to Rawson Pl. as if nothing
had changed(nothing was ever the same
after she'd read As I Lay Dying)and the tower
buildings would appear to be made
of plastic, people would look like Playmobil
characters(not even the smell of coffee, or the
voice of the delivery guy swearing would be
real)and she would feel like someone never
really truly awake, never(not now
either). carefully, she reached for the first
concrete step with her right foot, trying
hard not to think too much.


domingo, 16 de dezembro de 2012


because it's
(tradução minha)


por

Ser   prima
vera coisaS

se atrevem à gente

(& não
o contrá

rio)porque

é A
bril

Vidas tocam suas próprias

pessoas(ao
invés

das dasoutrastodas(mas

o que é maravilhoso
mesmo meu

Bem

é que tu e 
eu somos mais do que tu

& eu(po

rq
ue

é nós)



e.e. cummings 


sábado, 15 de dezembro de 2012

vendo daqui,



essa neve lá fora lembra o interior de um aspirador de pó ligado.
flocos de unha, pelo não se sabe de onde, pele morta e farelo de comida descendo
devagar. uma folha solta num dia sem vento.
a paz maior que o mundo já viu.




Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos (III)

 
sonho:


Um saguão de aeroporto, e um abraço forte no irmão mais velho de
um amigo. Parabéns, eu digo, e que estou muito feliz por ele, e que
é honestamente e do fundo do coração. Ele retribui o abraço apertando
as mãos nas minhas costas, e eu noto que ele começa a chorar entre
palavras de obrigado. Eu sei, de algum jeito, que ele acabou de se casar, e
que agora parte pra longe, pra alguma outra cidade. A verdade é que 
nunca mais falei com ele. Então algo nessa teia vai se quebrando, um fio
tênue e vago se rompe e minha mãe surge do nada com a notícia de
que a D. Ana morreu, e ela já se recolhendo em algum canto, desconsolada.
A cena corta pra minha vó, num flash, e um espaço sem nada definido.
Nesse lugar alguma coisa em mim pensa em ti, e em como tu vai reagir
quando eu te contar, e a gente conversar sobre as vezes em que a
gente falava nela, de brincadeira. 

Não lembro de mais nada antes de acordar, assim que o alarme do
celular deu o primeiro bip, num pulo. Por talvez um minuto, tentei
pensar no que qualquer daquelas coisas significava(e ao mesmo tempo
fui tomando consciência do frio que fazia ali dentro, da escuridão
que era ainda lá fora, e de como as janelas amanheciam sempre tão
embaçadas, como se o quarto inteiro suasse). Esfreguei os olhos, calcei
os chinelos e fui andando até o banheiro com a boca cheia de saliva grossa
e uma falta de interesse por tudo. O sono era um objeto de vidro
delicado; encantador, mas como quebrava fácil.


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

os nomes que a gente lembra



me desculpe,mas eu 
tenho escrito sob o olhar
atento de 1 metrônomo;o junkers

do banheiro pinga em 
pulsos regulares;a lâmpada suspensa
no teto da sala,sem lustre;lagarta
incandescente tivesse carne

ou haste de carvão;me desculpa ir 
tão a fundo,em coisas tão
sem importância


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ou assim que essa chuva passar



teu amor é argamassa(rações
de cimento e areia,água e cal)teu amor é obra
de alvenaria(preenchimento das juntas
entre cada azulejo torto,cada tijolo gasto,cada pedra
trincada que carrego(remoto em cada relógio

tiquetaqueando)se não se dissipa,teu amor

é cardume(ora expande,ora contrai)emoldurado,mas móvel
sempre(teu amor
é um mergulho na bruma,sem medo,grácil
como a reprodução cega
das estrelas)numa tarde dessas
o inverno cobriu o céu como um cadáver(teu amor
tem a coragem dos pássaros menores,pros quais

o frio tanto faz)tanto faz o mês

se o calendário tem a tristeza dos classificados(procura-se 
alguém confiável,um andarilho letrado em grego ou
latim,uma besta de circo de cinco patas e três cabeças e o meu
amor eterno pra depois de amanhã)ou assim
que essa chuva passar

sábado, 8 de dezembro de 2012

Esperando Dezembro



embaixo da ponte o trem parece que voa

entre passos 
eu penso em Tom Wingfield num armazém sob tubos fluo-
rescentes e celotex(talento só

não ganha pão)no pier 

um homem olha um pato checar bitucas de 
cigarro e copos de papel atrás de comida

tanta folha no meio-fio(quanta falta eu senti da lua

borrada sobre postes de luz)e caixotes de
verdura contra a parede(uma noite

de inverno como outra qualquer)


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

ninguém,nem mesmo a chuva,tem 
mãos tão pequenas



a cabeça baixa(qual 
o peso do fôlego?)na
caçamba o corpo de
carne e osso contra o corpo
da caixa de papelão(o suor
quente)lembranças em
meio ao pó dos cobertores
(sonhos com lençol
de seda que só anos depois)
um desespero corta
o ar grosso em sussurros
(como a vida curta
como a vida curta)o pólen
das nuvens(grãos
              de neve)



segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

nalgumlugar



quanto mais a gente vive mais coisa 
a gente aprende,e mais a gente 
se dá conta que não sabe(e que ainda tem 
tudo pra aprender)o que os teus olhos

ensinam com a calma do azul nau-
fragado em brancosilêncio(é preciso sim 
desapego pra amar)e no espaço vazio da mobília 
completar cada lacuna com a força 

de um amor absurdo(como o da memória 
pelo porta-retratos),de um mundo sensível 
à cada peça de roupa,cada carinho trocado 
entre a gente por um minuto a mais 
assim,ignorante