segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

como as árvores sem folha



depois do almoço paro em frente à porta de vidro da varanda
e tomo café vendo a chuva cair.
hoje de manhã coloquei dois pratos na mesa do café
como se você estivesse aqui.
faz uns três dias que não para de chover.

essa noite deixei o computador ligado pra fugir do silêncio.
essa noite deitei no canto virado
pra parede como se não estivesse sozinho.
essa noite passei horas em claro.
essa noite sonhei com pó e baratas e pessoas
invadindo o apartamento.

o café ficou morno, amargo
como o barulho da chuva na janela.
como as árvores sem folha.
como sair na rua todo dia e ver que pra uns terem tanto, outros
têm que ter tão pouco.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

nossa história



há uma semana a essa hora já estaria escuro.
no céu as gralhas voam em círculos.
as árvores logo voltam a se encher de folhas.

na calçada, um senhor enfia a mão na lixeira
e pesca uma garrafa de plástico vazia.
pessoas entram e saem da academia.
pessoas deixam o shopping cheias de sacolas.

dois caras discutem no meio da rua
por causa de uma vaga pra estacionar o carro.
uma moça pede esmola de joelhos.
pessoas evitam passar muito perto.

“procurando emprego?” pergunta um anúncio.
“cada ressurgimento do fascismo
é testemunho de uma revolução fracassada.”   
na esquina um cego toca sanfona.

falta um mês e pouco pra primavera.
na calçada, nossa história escrita em chicletes
e bitucas de cigarro.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

por exemplo




preso a essa bobagem que é “ser homem”
me resguardo em silêncios cuidadosamente construídos.

boa parte do tempo não digo o que sinto.
que todo dia acordo, por exemplo, e dou graças a deus

de ter você ao lado. que todo dia acordo
e lembro da dor que era sonhar contigo e acordar sozinho.

que todo dia acordo e dou graças a você
pela segunda chance. pela amizade, amor e carinho.

pelo calor humano do qual meu corpo
tinha desistido. por ter me salvado de mim mesmo.

preso a essa bobagem que é “ser homem”
me escondo em silêncios cuidadosamente envidraçados.

poemas são martelos.