domingo, 30 de novembro de 2014

outro inverno




as manhãs no silêncio do quarto cinza
as árvores sem folha em frente à janela

os pássaros pousando. alçando voo
o café fervendo. o porta-retratos falando
da água implícita em toda essa secura

toda essa falta de amor. a foto do beijo
a lista de filmes e o pote de geleia
cheio de moedas. qual a relação entre

todas as coisas. entre outro natal  
outro inverno e a solidão que nos une


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

onde as horas se encontram




sempre teve pressa de crescer.

agora é cabelos pela pia e na fronha 
do travesseiro. agora é aprender
a não riscar mais dias do calendário

ou cruzar com o próprio rosto
refletido em janelas. agora é não
perder mais a conta das noites

sozinho no quarto ouvindo a chuva.
batendo em teclas sem nada
a dizer. sem mais o que extrair

de bagaços de laranja.


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

herança




os abraços de bom dia
o corpanzil descolando

da poltrona de couro
o couro rangendo

a camisa empapada de suor
o cheiro do suor
faz anos que morreu

e ainda sinto aquele
cheiro todo dia

agora no próprio corpo


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

alguma eternidade




cortar as unhas que voltam a crescer
limpar o ralo que volta a entupir
lavar a louça que volta a acumular

lavar a roupa que volta a encardir
tirar os lixos que voltam a encher
encher a geladeira que volta a esvaziar

matar a saudade que volta a doer
varrer o pó que volta a juntar
fechar os olhos que voltam a abrir

até não abrirem mais



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

cada segundo




para um pouco de pensar

não dá pra passar o tempo todo
perdido em monólogos

na cabeça. o tempo todo como
o centro de um mundo

deserto. o tempo todo
com o gosto amargo de ter tido

e deixado escapar



terça-feira, 11 de novembro de 2014

some infinite thing




he wanted so bad to grow up fast
now it’s hair all over the sink
and pillowcase. now he learned

not to cross days off the calendar
or catch his face on windows
not to lose track of how many nights
he spends listening to the rain

fall in empty rooms. of how
many nights he spends banging

away on keys with nothing
to say (nothing left to squeeze

out of old memories)



sábado, 8 de novembro de 2014

o mesmo uivo




guarda-chuvas abertos no corredor.
a manhã cinzenta. o ar frio
contra a pele. a fila pra comprar pão.
o cara na cadeira-de-rodas elétrica
uivando para o céu. a gente
passando ao lado e desviando os olhos.
fingindo que não escuta.
que não abafa o mesmo uivo com

monólogos na cabeça.



quinta-feira, 6 de novembro de 2014

outra jaula




tempo de olhos secos
de tanto olhar pra telas

de mundos sob medida
em que vivemos além

da conta. labirintos
sem saída (o poema


outra jaula?)