sábado, 12 de dezembro de 2015

mais um copo de vinho




preciso de mais um copo de vinho.
preciso preencher esse espaço em branco
entre os segundos.

preciso de um abraço apertado.
preciso chorar na varanda de um prédio
com o rosto colado no vidro.

preciso dizer te amo. 
preciso deitar a cabeça no travesseiro 
e parar um pouco de pensar.

preciso de um tempo pra aceitar
que a cada dia que passa
vou ficando mais velho.
mais perto e mais longe de tudo.

preciso de mais um copo de vinho.
de algo além de um livro aberto.
de um quarto vazio
e um computador ligado.

preciso do teu abraço apertado.
dos teus olhos me olhando de manhã cedo.


sábado, 5 de dezembro de 2015

uma elegia




é a terceira pessoa que perco esse ano.

ainda hoje voltando pra casa
fiquei pensando em como a morte é triste.

em como a morte dá medo.
em como a vida é estranha.

em como a gente ama e sofre e depois
desaparece.


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

quantas mágoas




toda vez que a gente se separa é a mesma história.
o amor é uma dor aguda.

o ônibus vazio cruza a madrugada imersa em sereno
e eu me perco

nos faróis dos carros que vem na direção contrária.
a solidão acorda.

quantas mágoas deixei em acostamentos de estrada.


mesmo sem querer




o que foi feito de todos aqueles passos
por todas aquelas ruas madrugadas adentro.

o que foi feito de todos aqueles postos
de gasolina. de todas aquelas garrafas vazias
enfileiradas sobre cordões de calçada.

o que foi feito de todas aquelas noites
de chuva. de todos aqueles ônibus cortando
a 3ª perimetral a mais de 80 por hora

e de todos aqueles maços de cigarro
que mesmo sem querer fumar eu acabei
comprando.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

sábado, 14 de novembro de 2015




mais uma manhã de outono.
folhas por todos os lados.

mais uma manhã de outono.
lavo o rosto e penteio a barba na frente do espelho.

mais uma manhã de outono.
você lava a louça e eu ponho a mesa.

mais uma manhã de outono.
a gente não fala, mas pensa nas mesmas coisas.

imagina as mesmas cenas.
fica sem as mesmas repostas.

mais uma manhã de outono.
um esquilo pula de uma árvore pra outra

e a gente se abraça.


sábado, 7 de novembro de 2015

o quanto é sozinho




a bolha estoura quando menos se espera.
essa bolha que cada um cria e preserva

com tanto cuidado. essa bolha feita de livros.
celulares. fones de ouvido. essa bolha

inundada de lembranças e frases em 
silêncio. essa bolha que sucumbe ao choque 

com outra. um velho que entra no trem 
soltando uma baforada de cigarro

e num segundo, todo mundo acorda
e olha feio. a gente esquece de o quanto

é sozinho.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

identidade




o que eu sou
eu não possuo.

o que eu sou
não me define.

o que eu sou
não tem centro.

o que eu sou
não transparece.

o que eu sou
é instável
construído
e ilusório.

o que eu sou
é um processo
infinito

de tornar-me.


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

receio (2)




receio de olhar no fundo dos olhos
do bêbado sentado no banco da frente.

receio de distinguir atrás das córneas,
pupilas, íris e cristalinas as mesmas
sombras. os mesmos hiatos e abismos.

a mesma ânsia por consolo e a mesma
urgência de escapar de si mesmo.

de se entregar a alguma coisa. vodca.
palavras. ou outra pessoa.


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

depois da briga




não há nada tão enganoso
quanto esse silêncio.
um de frente pro outro
comendo omelete e pão na mesa da cozinha.
os olhos se evitando.
as bocas se resumindo a mastigar.

não há nada tão doloroso
quanto esse silêncio.
esse silêncio amargo
de frases engolidas.
esse silêncio em que as bocas não falam
e as cabeças fervilham.

esse silêncio de aço
e de tapar os ouvidos.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

receio




receio de olhar no fundo dos olhos
do bêbado sentado no banco da frente.

receio de distinguir atrás das córneas,
pupilas, íris e cristalinas as mesmas
sombras. os mesmos hiatos e abismos.

a mesma ânsia por consolo e a mesma
urgência de escapar de si mesmo.

de se entregar de corpo e alma a
alguma coisa. seja vodca. seja palavras
ou outra pessoa.


domingo, 4 de outubro de 2015

oito quilos




ele ficou insistindo pra ficar comigo e eu dizendo não.
ele dizia que não teria problema porque tinha camisinha.
ele dizia que eu poderia não fazer nada que ele faria tudo.

acordei com a dor dele me penetrando por trás.
no dia seguinte tinha sangue na minha calcinha.
me aconselharam a não abrir sindicância.

disseram que não havia provas.
disseram que eu estava bêbada.
disseram que não daria em nada.
disseram que eu estragaria a vida dele.

eu já tinha tido um quadro de depressão.
tive uma recaída.
perdi oito quilos.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

café com leite em pó




manhã de segunda e você na cozinha
fazendo café com leite em pó.

a gente falando do tempo, se perguntando
se vai continuar frio. ao fundo

o rádio noticiando o número
de mortes violentas no fim de semana.

poucos meses atrás, tudo isso
era só um outro jeito de dizer

adeus. agora, é só a vida em pedaços
bem nas nossas mãos.


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

boa parte do tempo




a vida nunca pareceu tão curta.
a gente nunca tão preso
a consolos que não consolam.

passos ressoam no piso
de mais uma sala de espera.
eu meço a vida em portões
de embarque e avisos
luminosos de apertar os cintos.

rostos passam sem ser vistos
e boa parte do tempo
sinto falta de algo que não lembro 
de ter perdido.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

dúvida




faz tempo que não escrevo.

me pergunto se é porque tenho andado feliz. 
se é só da tristeza que vêm as palavras. 
da solidão das noites ecoando nas paredes. 

do chuveiro pingando e eu acordado, 
vagando sem rumo pelos labirintos da cabeça. 
da certeza que amanhece na boca 

e o café não lava: a vida não dura. 
e ao longo dela a gente perde tudo que 
mais ama.


quarta-feira, 22 de julho de 2015

um dia




se eu morresse agora
toda a minha vida caberia numa caixa.
uma caixa de sapato cheia de cadernos
com poemas repetidos.
de noites sozinho em lugares estranhos.
em quartos pequenos
com garrafas vazias e vozes na cabeça.
um misto de cinza e falta na boca.
se eu morresse agora toda a minha vida
caberia numa caixa.
uma caixa cheia de dores que um dia
cansei de guardar.


domingo, 5 de julho de 2015

aquela caixa




a última vez que visitei o velho foi pra buscar os filmes.
ele me chamou pelo nome do meu pai como de costume
mas não levantou pra me cumprimentar.
um par de muletas apoiado no braço da poltrona.
o volume de uma fralda sob a calça.

a mulher dele me levou ao escritório e apontou pro alto da estante.  
uma caixa de papelão enorme e caindo aos pedaços.
uma caixa cheia de álbuns de foto e rolos de filme fedendo a mofo 
e produtos químicos.

hoje acordo, abro o email e recebo a notícia de que o velho morreu.
hoje, mais de um ano depois da visita, me dou conta:
aquela caixa era a vida do velho.
aquela caixa era a vida do velho em carne, osso e celulose.
aquela caixa era a vida do velho se decompondo, se desfazendo.
se despedindo.

aquela caixa era a vida do velho
e da poltrona ele se agarrava a ela com os olhos
com medo de soltar.


sexta-feira, 12 de junho de 2015

mas sempre carrego




desculpa se tenho andado distante.
desculpa se não tenho dado
a atenção e o carinho que você merece.
é essa mania que tenho
de me fechar em silêncios.
é essa mania que tenho
de esquecer o que você me ensina:

que o amor também mora
nas pequenas coisas. nos gestos
repetidos do cotidiano.
nos eu te amo, mesmo que pela
milésima vez. nos sinto
tanto a tua falta que nem sempre falo
mas sempre carrego.


quarta-feira, 3 de junho de 2015

cada vez mais rápido





pra onde olho, vejo a vida escorrendo.
pra onde olho, vejo escrito: quase trinta anos.
trinta anos como se as lembranças que tenho mal enchem um armário?
trinta anos como se passei a infância pensando em ficar velho?
trinta anos como? me diz, como?
quanto tempo passei dormindo ou sonhando acordado, andando em círculo em volta
de mesas?
quanto tempo perdi pensando no futuro?
quase trinta anos?
quase trinta anos.
quase trinta anos e pra onde olho     vejo a vida escorrendo
cada vez mais rápido.


segunda-feira, 1 de junho de 2015

em cada até logo




a solidão é uma dor a qual a gente se acostuma.
depois de um tempo, mal nota. a rotina

anestesia. quando a solidão é quebrada
e depois retorna, a história é outra. aí a brancura

das paredes salta aos olhos. aí o vazio do quarto
é um poço sem fundo. aí o silêncio sufoca

e a comida não tem gosto. aí arde a perda
contida em cada até logo.


quinta-feira, 21 de maio de 2015

um minuto a mais




de quantas vozes e disfarces
é feita uma pessoa. de quantos erros irreparáveis
e arrependimentos que não matam, mas deixam

feridas que não fecham.
de quantos choros abafados pelo barulho do chuveiro.
de quantos reparos e remendos e partes que quebram

e não têm conserto.
de quantos cantos escuros e quartos trancados.
de quantos sonhos consumidos como

cigarros. de quantos palmos de tristeza
e quilos de solidão. de quanta dor engolida por

um minuto a mais de amor.


sábado, 16 de maio de 2015

no oceano de vozes




a cada dia que passa mais gente fala sozinha.
a cada dia que passa mais me dou conta
de que o abismo que nos separa tem a largura
de um passo. e daí se os lábios não se mexem
e os olhos disfarçam, fingindo ver aquilo 
em que pousam? e daí se as palavras que chegam
à boca se afogam na saliva, se suicidando pouco
antes de nascer? a cada dia que passa 
mais gente fala sozinha. a cada dia que passa 
mais me dou conta de que a solidão é 
a mesma: viver ilhado no oceano de vozes 
que banha as próprias cabeças.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

reflexo no espelho




o tempo é um arado
deixando rastros pelo rosto.
não lembro da última vez
que passei um dia inteiro
sem pensar na morte.
sem olhar no espelho
e dizer pra mim mesmo:
um dia a vida acaba.
um dia esse eu repleto
de laços, silêncios
e problemas insolúveis
se dissolve. se dissipa.
some do mapa sem deixar
rastro nenhum.


sábado, 25 de abril de 2015

o que sobra do amor




comendo uma torrada com requeijão
e olhando pra fora pela janela da varanda.
as andorinhas sobrevoando o topo
dos prédios. os cacos dos últimos meses

espalhados pelos azulejos. a mala aberta 
sobre a mesa. as lágrimas morrendo

antes de escorrerem dos olhos. isso é tudo
que sobra do amor toda vez. esse
gosto de poeira. esse aperto sem cura.


sábado, 4 de abril de 2015

depois de sete anos




depois de sete anos, portas e janelas
voltaram a ser abertas. a luz voltou

a entrar. o vento voltou a correr.
depois de sete anos, passos e vozes

voltaram a ecoar. o piso voltou
a ranger. o café com leite em silêncio

voltou a existir. depois de sete anos,
quem a cada dia esquecia mais

e vivia menos ganhou descanso.
depois de sete anos, ganhou alívio,

ainda que doloroso, quem por
sete anos sofreu vendo alguém amado

morrer aos poucos.


segunda-feira, 30 de março de 2015

quarta-feira, 25 de março de 2015




hoje mais do que nunca
queria você ao lado.
hoje sinto o gosto da morte na boca
como cerveja morna.

hoje compro o jornal na banca
pra ver se me distraio.
hoje as palavras são carcaças de automóvel
num ferro-velho.

hoje me sinto velho.

hoje os olhos pesam e as pernas fraquejam.
hoje não consigo
deixar de ver no espelho
o cabelo ralo.
os dentes amarelos.

hoje mais do que nunca
queria você ao lado.
hoje dói a falta de tudo que ainda
não perdi.


sexta-feira, 20 de março de 2015

na linguagem que nos foge




você tomando coca e comendo bolo.
eu sentado de costas olhando pra tv.

os dois putos da cara sem tocar no assunto.

depois, os dois se acusando de coisas
sem importância. um chorando. os dois
machucados, machucando. a gente  
precisa parar de pensar tanto. precisa

se beijar mais e dizer que se ama e
não da boca pra fora ou por força do hábito.
a gente precisa deitar na cama
e deixar que os corpos se entendam

na linguagem que nos foge.


segunda-feira, 16 de março de 2015

cada recanto



o último gole do café é sempre
amargo. penso nisso enquanto leio
essas canções de sonho & marco
versos com canetas fluorescentes.

henry doendo. henry perdendo
partes pelo caminho. henry com
medo. com o coração partido.
henry se fechando em si mesmo.

henry revirando cada recanto
escuro do cérebro. um perigo.
a cabeça é o pior inimigo. o poço
mais fundo.


quarta-feira, 11 de março de 2015

abismo




embaixo da casinha de madeira
do playground do parque
dois homens dormem encolhidos.

os corpos quase encostando,
as cabeças pra dentro das camisetas.

em volta, a gente corre pra
manter a forma e desvia
das poças d’água pra não sujar
os tênis.



segunda-feira, 9 de março de 2015

à beira dos 28




acordar à beira dos 28 com a cueca gozada.
levantar da cama e ir ao banheiro
pegar papel higiênico pra limpar a virilha.

tomar água da pia e olhar no espelho.

o que houve com o tempo. quem mais ouve
gritos cortando o silêncio à procura
de sentido. de deus. de um remédio pra dor.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

14:46




cancelem o enterro, o tempo
não morreu

apaguem o cigarro
de depois do almoço, o amor
saiu da uti

bebam o café correndo
queimar o céu da boca
é sinal de vida

cancelem o enterro, o tempo
ainda respira

com ajuda de aparelhos