segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

escrevendo no escuro



um tempo demora tanto pra chegar.
parece o tempo todo que nunca vai,
que um dia a mais ou a menos nem faz diferença,
que não importa.

um tempo chega aqui,
nem parece mais que esperou tanto tempo assim.
esse tempo agora a gente quase nem percebe,
aquele tempo passa,
nem parece que houve,

enquanto a gente espera a chegada
do próximo tempo,
na voz de uma chamada a cobrar 
no saguão de algum aeroporto.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

pedaços de rotina



pagar conta de luz, leite, ovos, ver tradução
português, iogurte, papel higiênico,
tomate, Oscar Niemeyer, cadernos, café,
velcro para cadeira, imprimir livro, cuidar a massa
cozinhando, Faulkner, transferir 
aluguel, imprimir comprovante passagem, não
esquecer: pasta com documentos,
passaportes, “A Rose for Emily”, fazer barba,
xerox, comprar presentes natal
no Free Shop, cartões do banco, marzipan, salame,
1 dicionário, transferir ALUGUEL, 
a emoção nasce do hábito, fechar registro 
da água, carregar celular, comprar 
créditos, guardar sempre todas as listas.

 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

enquanto



o rádio tocava e as vozes
se confundiam no bar quase sem
luz. ele pediu licença pra fumar enquanto os brincos 
vermelhos balançavam de um lado 
pro outro, num vaivém. ela falava sem parar sobre Duchamp,
como se importasse. o gosto da cerveja se misturava 
na minha boca com café(que eu senti nos 
dentes com a língua). só conseguia pensar que em 1 
semana——que em 7 dias, eu ia sentir teu 
corpo outra vez(como eu preciso 
de ti)


cresceu ouvindo



         (e agora senta em
trapos na calçada fria)que
mendigo era tudo vagabundo,
bando de preguiçoso(fecha
os olhos e põe o rosto sobre
o bafo quente que sai do café)que
viver assim era fácil(aquece
as mãos grossas de sujeira
no copo de papel)era falta de coragem
(a língua umedece a boca
cortada, sente o gosto da nicotina)
agora ouve o silêncio da rua(só
o som abafado da moeda
no chapéu de pano)


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

That Evening Sun



she walked out of Miss Ulrich's office
and stopped just before descending
the stairway. she remembered how
she once read The Sound and the Fury bit by
bit inside the 373 on her way to work
every morning before sun up, and how weird
it had been, how dazed she would feel then
every time she had to step out of the bus and
walk down the street to Rawson Pl. as if nothing
had changed(nothing was ever the same
after she'd read As I Lay Dying)and the tower
buildings would appear to be made
of plastic, people would look like Playmobil
characters(not even the smell of coffee, or the
voice of the delivery guy swearing would be
real)and she would feel like someone never
really truly awake, never(not now
either). carefully, she reached for the first
concrete step with her right foot, trying
hard not to think too much.


domingo, 16 de dezembro de 2012


because it's
(tradução minha)


por

Ser   prima
vera coisaS

se atrevem à gente

(& não
o contrá

rio)porque

é A
bril

Vidas tocam suas próprias

pessoas(ao
invés

das dasoutrastodas(mas

o que é maravilhoso
mesmo meu

Bem

é que tu e 
eu somos mais do que tu

& eu(po

rq
ue

é nós)



e.e. cummings 


sábado, 15 de dezembro de 2012

vendo daqui,



essa neve lá fora lembra o interior de um aspirador de pó ligado.
flocos de unha, pelo não se sabe de onde, pele morta e farelo de comida descendo
devagar. uma folha solta num dia sem vento.
a paz maior que o mundo já viu.




Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos (III)

 
sonho:


Um saguão de aeroporto, e um abraço forte no irmão mais velho de
um amigo. Parabéns, eu digo, e que estou muito feliz por ele, e que
é honestamente e do fundo do coração. Ele retribui o abraço apertando
as mãos nas minhas costas, e eu noto que ele começa a chorar entre
palavras de obrigado. Eu sei, de algum jeito, que ele acabou de se casar, e
que agora parte pra longe, pra alguma outra cidade. A verdade é que 
nunca mais falei com ele. Então algo nessa teia vai se quebrando, um fio
tênue e vago se rompe e minha mãe surge do nada com a notícia de
que a D. Ana morreu, e ela já se recolhendo em algum canto, desconsolada.
A cena corta pra minha vó, num flash, e um espaço sem nada definido.
Nesse lugar alguma coisa em mim pensa em ti, e em como tu vai reagir
quando eu te contar, e a gente conversar sobre as vezes em que a
gente falava nela, de brincadeira. 

Não lembro de mais nada antes de acordar, assim que o alarme do
celular deu o primeiro bip, num pulo. Por talvez um minuto, tentei
pensar no que qualquer daquelas coisas significava(e ao mesmo tempo
fui tomando consciência do frio que fazia ali dentro, da escuridão
que era ainda lá fora, e de como as janelas amanheciam sempre tão
embaçadas, como se o quarto inteiro suasse). Esfreguei os olhos, calcei
os chinelos e fui andando até o banheiro com a boca cheia de saliva grossa
e uma falta de interesse por tudo. O sono era um objeto de vidro
delicado; encantador, mas como quebrava fácil.


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

os nomes que a gente lembra



me desculpe,mas eu 
tenho escrito sob o olhar
atento de 1 metrônomo;o junkers

do banheiro pinga em 
pulsos regulares;a lâmpada suspensa
no teto da sala,sem lustre;lagarta
incandescente tivesse carne

ou haste de carvão;me desculpa ir 
tão a fundo,em coisas tão
sem importância


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ou assim que essa chuva passar



teu amor é argamassa(rações
de cimento e areia,água e cal)teu amor é obra
de alvenaria(preenchimento das juntas
entre cada azulejo torto,cada tijolo gasto,cada pedra
trincada que carrego(remoto em cada relógio

tiquetaqueando)se não se dissipa,teu amor

é cardume(ora expande,ora contrai)emoldurado,mas móvel
sempre(teu amor
é um mergulho na bruma,sem medo,grácil
como a reprodução cega
das estrelas)numa tarde dessas
o inverno cobriu o céu como um cadáver(teu amor
tem a coragem dos pássaros menores,pros quais

o frio tanto faz)tanto faz o mês

se o calendário tem a tristeza dos classificados(procura-se 
alguém confiável,um andarilho letrado em grego ou
latim,uma besta de circo de cinco patas e três cabeças e o meu
amor eterno pra depois de amanhã)ou assim
que essa chuva passar

sábado, 8 de dezembro de 2012

Esperando Dezembro



embaixo da ponte o trem parece que voa

entre passos 
eu penso em Tom Wingfield num armazém sob tubos fluo-
rescentes e celotex(talento só

não ganha pão)no pier 

um homem olha um pato checar bitucas de 
cigarro e copos de papel atrás de comida

tanta folha no meio-fio(quanta falta eu senti da lua

borrada sobre postes de luz)e caixotes de
verdura contra a parede(uma noite

de inverno como outra qualquer)


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

ninguém,nem mesmo a chuva,tem 
mãos tão pequenas



a cabeça baixa(qual 
o peso do fôlego?)na
caçamba o corpo de
carne e osso contra o corpo
da caixa de papelão(o suor
quente)lembranças em
meio ao pó dos cobertores
(sonhos com lençol
de seda que só anos depois)
um desespero corta
o ar grosso em sussurros
(como a vida curta
como a vida curta)o pólen
das nuvens(grãos
              de neve)



segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

nalgumlugar



quanto mais a gente vive mais coisa 
a gente aprende,e mais a gente 
se dá conta que não sabe(e que ainda tem 
tudo pra aprender)o que os teus olhos

ensinam com a calma do azul nau-
fragado em brancosilêncio(é preciso sim 
desapego pra amar)e no espaço vazio da mobília 
completar cada lacuna com a força 

de um amor absurdo(como o da memória 
pelo porta-retratos),de um mundo sensível 
à cada peça de roupa,cada carinho trocado 
entre a gente por um minuto a mais 
assim,ignorante


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Respostas


ontem queimei a mão com água
quente passando café.
foi bem feito.

à noite meu pé tremeu involuntário
sob a coberta.
sabia que o sono vinha

aonde encontro essa pétala
mais leve que a espuma do mar.


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

estar-no-mundo


o arauto do rei. espelhos quebrados, fragmentos
e consequências clínicas.
meu carro não tem rádio, quebrou um tempo atrás.
arrancado de mim, tenho meu coração quebrado mais uma vez,
o tempo em Mi menor.
agosto, missões secundárias,
uma mesa de cabeceira junto com teu jornal.
ultra-ortodoxos, antropólogos, biológicos, médicos e especialistas no Holocausto,
pluralismo e tolerância, Maiakovski,
sinédoque, Unicamp, psicose
infantil, o desabrigo em dois poemas de Álvares de Azevedo.
silêncio quebrado, Tarkosvki,
fotograma, fragmentos, feridas e desindustrialização socioespacial.
um diamante, Miramar.
A Sociedade do Espetáculo ou 1kg de arroz, 
un grano de arena televisivo quando
os erros não são só erros. um céu
quebrado, poças d'água, Cais de minha vida/Partida sete vezes/Cais
de minha vida quebrada/Nas prisões,
subtis rupturas, pés, suor,
esperança reacesa, um prisma.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

que candor?


entre a neblina, de repente
como um sonho, um pato-real
desaparece na distância.
a mente é uma ampla nuvem
flutuando. a ponta dos dedos
que descobre o corpo também
guarda o cheiro do hábito,
a linguagem da pele.
pois é pessoa, a noite veio e a
alma é vil mesmo, tão leve
a sede, tão em ordem as pétalas
do metal. as mãos em x sobre
o guarda-chuva. o senhor veja
bem, seus serviços aqui não são
mais necessários, discurso
repetido age diretamente na
dor. a gente se fala depois.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

dia 26


embaixo do edredom, domingo
é um peso imaginário.
o tamanho duma cama não
depende da medida,
o outono põe as árvores
de ponta cabeça.
latas de alumínio vazias, cópias
de jornal com notícias
de paris (unhas cor de abacate).
le monde.
a incongruência da linha
corresponde ao resto (o último
tylenol).
braços só de ossos, sorrisos
só de abraços.
o lixo bombardeado de borra
de café e rabo de poeira.
cada folha que solta
do caderno (quase dezembro).

Waiting for December



under the bridge a train shoots 
out like a rollercoastercar

a man watches a duck checking cigarette 
ends and paper cups for food

dry leaves in the gutter(how much i've
missed the moon

blurred above streetlights)and crates of 
vegetables against the wall(a winter 

night like any other)

sábado, 24 de novembro de 2012

Otto Dix, The Match Seller (1920)


dali só pernas. 
sapato salto alto, rabo de vestido,
barra italiana. 

calçada suja pra pés alguns.
limpa bastante pra corpos tantos

outros. olhos já não veem,
na boca dente quase

nenhum——a cor do açafrão.
ordem e progresso

vende palito de fósforo(quem foi
pra guerra para quem?)

o mijo do cão no cotoco de pau
de obrigado mais perto.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

aeu   sem   cia.


pão e papel higiênico
‘a vida é um pouco isso,’
um lugar na mesa

no dia nu
‘cicatrizes são pra sempre’
a valsa dos pombos

a água ferve
‘saudade de ti do meu lado na cama’
caneta marca texto
 


quarta-feira, 21 de novembro de 2012



(tradução minha)


levo seu coração comigo(levo no
meu coração)nunca ando sem ele(aonde quer que
eu vá você vai,meu bem;e qualquer coisa feita
por mim só é obra sua,amada)
                                    eu temo
sina nenhuma(pois minha sina é você,meu anjo)quero
mundo nenhum(pois linda meu mundo é você,meu tudo)
e é você aquilo que uma lua sempre quis ser
e aquilo que um sol sempre vai cantar

eis o segredo mais fundo que ninguém sabe
(eis a raiz da raiz e o broto do broto
e o céu do céu de uma árvore chamada vida;que sobe
mais alta do que a alma aspira ou a mente oculta)
e é esse o milagre que mantém as estrelas desunidas

levo seu coração(levo no meu coração)



(original)


i carry your heart with me(i carry it in
my heart)i am never without it(anywhere
i go you go,my dear;and whatever is done
by only me is your doing,my darling)
                                                    i fear
no fate(for you are my fate,my sweet)i want
no world(for beautiful you are my world,my true)
and it’s you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life;which grows
higher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart(i carry it in my heart)



e.e. cummings

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Colagem



no breu do quarto um olhar sem condição.
regência verbal? sabe a vida tempo sequer
as mãos mas pelo teu corpo.



sábado, 17 de novembro de 2012

Aprendizagem



papéis,
considerações matemáticas e prateleiras de livros.  
  
   the philosophy of composition
   poesia pau-brasil
   linguagem telegráfica 

a engrenagem do relógio sem dó.
não o fim, mas o processo.

   la poésie pure 
   from Poe to Valery

da cabeça ao impensável.
uma unidade termo e origem.
um arquétipo da existência em fórmula insensível,
em equação algébrica——

isso em que reduz a dor que é não ter teus olhos 
ainda não sei.

talvez em Pound.



Canção 
(Song, tradução minha)


preso no trânsito dentro de um táxi
o que é típico
não só da vida moderna

lama escala a treliça dos meus nervos
os amantes de Eros têm que acabar com Vênus
muss es sein? es muss nicht sein, eu lhe digo

o quanto detesto doença, é como um receio
que se torna real
e simplesmente não pode acontecer

em um mundo em que você é possível
meu amor
nada pode dar errado para nós, me diga



-Frank O'Hara

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

de Donne a Eliot



vozes entre postes
de cimento e mesas
de madeira.

uma briga boba.

poesia metafísica
e olhos minados de
olheira. de olho 

no horário. a cabeça
no almoço. a memória

no que ainda não veio.



quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Plano-Piloto



poetismo concreto: tenteio de pálea-coito no espadanal-têmpora. 
estuação dinâmica: mulungu de moxameiros concomitantes.
também na musse—por defloramento.
uma partenogênese da têmpora—intervém no espadanal; 
nas artérias visuais—espaciais, por defloramento—intervém a têmpora.
poetismo concreto: uma ressaca integral perante a linguiça.
reaquecimento total.
contra um poetismo de expugnação, subjetivo e hedonístico.
criar procaínas exatas e resolvê-las em termocópias de linguiça sensível.
uma artéria geral da pálea. 
a poeira-profana:
oblato útil.




terça-feira, 13 de novembro de 2012

E Agora?



falar sozinho é sinal de loucura ou o quê?
a oposição se cala mas o presidente do BNDES fala.
o fluxo da invenção é a emergência da imaginação das galáxias.
Haroldo de Campos um tradutor pós-colonial?
Brasil canibal.
cada doido tem suas manias.
orgias e mais orgias e ainda tem o descaráter de se esconder atrás da toga de um juiz.
o que diria Walter Benjamin?
só uma besta luta sozinho.
aí vem alguém e fala que o sonho acabou pro Serra.
eu só bebo sozinho, você bem sabe.
um fala cuspindo em cima do outro e o toalete é uma fedentina.
o significado sozinho é irrelevante.
quantas Argentinas vão pelos ralos daqui?
as penas propostas para os novos crimes serão—
Câmara dos Deputados.
fala-se muito como forma de reafirmar-se.
doença psiquiátrica?
eu me sinto como distúrbios.
tentando traduzir algo para o francês.
80 anos de uma promessa quebrada.
você pode ouvir o rádio sozinho.
massa sensor de fluxo de ar?
andaimes, poder, equidade, democracia.
educação crítica.
hein?
Miguel de Cervantes?
derrogável citado por decisão da maioria do tempo.
e além das máquinas que temos descaracterísticas descarregadas em média deslocada.
você pode ler um livro sozinho.
ninguém tem as respostas para todas essas perguntas, mas Chávez—
problemas famosos dos medidores de vazão.
a posição do poder não é necessariamente baseada em critérios econômicos.
você pode escrever uma carta só.



segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Quando fui outro



vi o garoto que falava sozinho
durante horas.
que durante horas andava 
em círculos 
em torno da mesa

falando sozinho.

aos poucos 
tomei conhecimento do suor 
sob as cobertas 
e embora ouvisse 
vestígios de uma voz o garoto 
tinha sumido.



Sempre aos Domingos
para João Ubaldo Ribeiro



a vida sem que se haJa esperança
                       é um cOntrassenso

                              entÃo
                         fazer O que aqui?

                                  cUmprir pena?

          a gente se emBaraçar
                                   Às coisas

                           impLica
                            acreDitar nelas
           apesar de tudO



sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Novembro não tem sentido




e até a rocha perto do mar
já ouviu falar em dor.
o trânsito agora é aéreo.
nem os olhos ficaram.
fuligem. linhas de 
montagem. gosto de 
combustível. nosso tempo 
também é carvão. 
na esquina alguém fala e 
acaricia um paralama 
de bicicleta. o dia se 
desenrola sem novidades.




terça-feira, 6 de novembro de 2012

Carver, aqui a água——



Levanto assim que o alarme ameaça tocar. 
Vou até o fogão e frito três salsichas, 
três fatias de pão velho e um tomate cortado ao meio 
em azeite de oliva
e passo café na térmica. 
Sento na ponta da escrivaninha para comer 
e apanho teu livro—where water comes together 
with other water
Fazia tempo que não lia algo tão sincero.

Releio ashtray.
Tomo um gole de café e tento pensar
na indiferença com que alguém olharia uma nuvem,
uma árvore,
ou uma plantação de aveia no pôr do sol.
Boto o prato e a caneca na pia e a frigideira de molho
com detergente.
Abro o caderno e escrevo
o que era para ter sido uma homenagem.




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Cinzeiro




     esColhas
 e desIlusão
       eNtre a mesa
da coZinha
            
       dEsabar agora
       
   lágrImas
 quebRam
   fósfOros também 



sábado, 3 de novembro de 2012

Kaufland, 2012



Os dias mudam em
meio à listas de compras
e coisas a fazer. Sabão em pó
e lâmpadas de LED. Lembrar
de imprimir textos. Checar na 
biblioteca se eles tem Mayakovsky
ou Pasternak. Não esquecer
que esse mês é aniversário do
Pai. As noites passam em
silêncio não fosse a chuva. Ontem
fez 4 meses. No ônibus uma
mulher fala turco em voz
alta sozinha. Eu desço em Loretto
com Carver e Berrigan

E a gente faz força pra 
não brigar por bobagem. Amaciante
de roupa e azeite de oliva. Não
esquecer de tirar os tênis
antes de entrar. Ler mais poesia
contemporânea. E Mário de 
Sá-Carneiro. Lembrar 
que não há tempo pra tudo. Hoje já é 
noite não fosse o relógio. A luz 
fluorescente no espelho do 
banheiro. Bernstein ou 
Creeley? Nunca mais errar 
por não pedir desculpas. Amanhã
é dia de papel reciclável



e-mail


só queria te lembrar que te
amo muito. que todos os dias penso
o dia todo em ti. que a saudade é 
grande, linda. que não vejo a hora de
te ver de novo, te abraçar forte e
não te soltar por um bom tempo. que
a gramática não gosta que a gente
inicie as frases com que, ou mas. mas
quem se importa se o sol hoje
varou a janela e pôs os braços sobre a
mesa, o caderno, e o livro azul de  
poems retrieved. quem se importa
com a transitividade dos verbos se
o sol hoje desabou cílios contra o
poste de cimento, e o estofo xadrez
das cadeiras. só queria te lembrar
que essas palavras aqui são a voz da
tua ausência a ecoar no silêncio.
um beijo grande—

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ao Ajudante de Guarda-Livros




dizer que hoje só poderia ser inverno seria bobagem, hoje 
só poderia ser hoje—a neve é um acidente e nesse fim
de semana eu quase não saí de casa.

as estações se sucedem
e o frio chegou.

poesia é um teste de resistência diário entre a gente e o
papel em branco—entre a saudade do que vivemos e a
incerteza do que nos reserva o amanhã.
poesia é um reflexo ansioso, a eterna dor da busca por uma
sobrevida traiçoeira, por um tempo extra sem
grande utilidade.

sob um teto estranho, há algo na tristeza que também se
corta com faca—algo no gelo que ao olho
transmite uma condolência muda.




domingo, 28 de outubro de 2012

Namorando



na parada de ônibus o chão 
é um mosaico bege—de bitucas de cigarro 
e folhas mortas 
de um outono no fim.
eu me levanto e caminho um 
pouco—e paro em frente 
à vitrine da loja de 
sapatos—e eu me lembro da foto
que encontrei de manhã na caixa de entrada
da rede estendida
e da tua calça jeans azul.
nossos pares de meias brancas—as pontas 
dos pés tocando 
sob os cuidados de uma mancha de sol.




quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Pouco Depois Que Você Morreu




Sentado nos degraus de entrada do bar fechado numa
manhã de sábado ainda cinza, as pessoas descendo a rua
com pressa fumando cigarro ou falando no telefone. 
Os pombos circulando em volta a procura de qualquer
migalha de qualquer coisa—doce ou salgada. 
Ao meu lado um copo de isopor de café da lanchonete do
turco que ele faz por 2 dólares. Um rato dá as caras no bueiro. 
Eu interrompo a leitura do livro, Tender is the Night, e fito
o rosto dessa moça de cabelos curtos na capa amassada.
A tela do celular me diz que já são 7:12 enquanto eu rezo por
um atraso, enquanto eu fecho os olhos e sonho que hoje não
preciso ir trabalhar e a van do japonês encosta para
descarregar o que na lanchonete turca eles vendem como carne.
Ele usa luvas brancas de plástico e se move com rapidez,—ágil
e sem perda de tempo. Na pensão ao lado turistas ingleses
fumam na frente de chinelo e calça de moletom com a indiferença
de quem sabe que esse dia não reserva qualquer tipo de obrigação.
Eles nem usam relógio. E até sorriem com facilidade.
Eu saco uma caneta sem tampa da mochila e rabisco no
marcador de livro um poema que possa me tirar daqui. 

São 7:27 e o caminhão deve encostar a qualquer momento. 
Devagar o sol começa a aparecer em cima do prédio de finanças e
serviços públicos do estado, e é horrível porque eu sei que o dia hoje
vai ser quente outra vez. Eu olho para a capa do livro fechado, para o
rosto melancólico da moça apoiado sobre o piano de cauda
escuro, o fundo cinzento, a palavra ternura.
O caminhão dobra na curva de cima e buzina—7:31 em um dia
em que a pontualidade é um chute no saco de quem espera um sinal.
A caçamba do caminhão cobre o sol enquanto estaciona mas
eu sei que essa sombra é uma mentira.
Eu abro a porta e entro e ele me atira uma lata de 500ml
de energético verde fosforescente que eu abro e sorvo como se
fosse combustível. Mas não tem nada ali para mim—o telefone
toca, eu apanho a mesma caneta sem tampa e o mesmo
marcador de livro e anoto os detalhes do endereço da casa que
eles me soletram provavelmente errado e que por isso o GPS é
incapaz de encontrar qualquer coisa que seja remotamente
parecida com aquele nome de bairro ou rua, então pega o mapa
atrás do banco do passageiro e procura lá porque fica perto
daquela região que aquela vez—

E assim eles vão falando—e a essa altura eu me lembro de você e do
carro perdendo controle e da fragilidade da vida e já começo a suar e penso
em Fitzgerald e respiro fundo e peço pelo amor de deus que ele me aponte 
uma saída honrosa de tudo isso. 




segunda-feira, 22 de outubro de 2012

desculpe, 


 
tive que sair; a casa 
aqui tá uma bagunça, o dia 
lá fora, tão bonito. hoje todo 
esforço foi em vão, mas desistir 
agora é negar que o que faço 
na maior parte dos dias não tem 
nada de especial; como essas
linhas. em outubro o vento 
aqui faz chover as folhas secas 
que cobrem a grama de marrom 
que no sol lembra amarelo. 
já perdi amigos por bobagem, 
a dor é a mesma e a noite 
cai mesmo assim.




sábado, 20 de outubro de 2012

Comunhão




algo nos une no cheiro da borra
de café no dedo indicador.
no odor de suor no ônibus cheio.
na transferência da dor
para manchetes de jornal.
na multidão em silêncio.
no olhar que ao desviar cruza
com outro por acidente.
em mágoas camufladas de rotina.
no anúncio do alto-falante 
central da estação de trem.
em dias que não se distinguem.
no temor de que semana
que vem—seja tudo igual.





sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ostranenie




nunca achei que fosse amar assim
um monitor.
que fitaria com o mais sério dos olhares
a menor das lentes.
que viveria pra ver um sonho virar verdade
e as horas passarem
sem rastro de cinzas.
que crescer fosse coragem de pôr
abaixo—as certezas mais cômodas.
que noites em postos de gasolina
fossem mais felizes sem cigarro
ou cerveja—mas com pães de queijo
e café com leite
da loja de conveniência.


                                                      

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Nonjudgemental




no matter how sad
or happy
or rich or poor—fed 
or unfulfilled of soul

or body—crazy
of mind or fit 
enough to live—we all
sit over coffee

at some point of day.




Para Não Esquecer




    1. fome
    2. franqueza
    3. medo
    4. simplicidade
    5. estômago
    6. ternura
    7. disposição
    8. saudade
    9. fibra
    10. abandono






    segunda-feira, 15 de outubro de 2012

    Tanto Quanto Preciso




    mesmo num quarto úmido e fora do varal

    a roupa tende a secar
    se tempo o bastante.

    se tempo o bastante um punhado de anos veem sonhos ruírem.
    se tempo o bastante mesmo que tarde o tempo cura.

    nunca é tarde demais.
    de manhã bem cedo

    até o céu recomeça.




    E Jornais em Terrenos Baldios


    They cannot scare me with their empty spaces
    Between stars - on stars where no human race is.
    I have it in me so much nearer home
    To scare myself with my own desert places.

    -Robert Frost, "Desert Places"




    o fim da curva não segreda adeus.

    um carro passa— eu viro o rosto e o rosto que busco surge por um
    segundo apenas— e some.

    a rua silencia— ninguém espera na parada de ônibus.

    garrafas vazias acumulam no armário— e no lixo da cozinha
    uma uva apodrece impassível
    entre cascas de ovos.

    no canto do quarto
    uma pilha de cobertores sem um corpo pra cobrir— paredes brancas 
    e peças de roupa sem voz— sem por que sofrer.

    o computador zuni sem a menor importância— e no mundo deserto
    cada grão de areia é um tipo de máquina— uma coisa morta
    com valor de mercado.

    mas a vida vem do valor da ternura— do reconhecimento nosso
    de que o nosso destino não é tão distante do destino do plástico— da válvula
    do motor— da borra de café na pia.

    o vazio do céu já não me assusta— nem esse espaço imenso entre
    as estrelas— a solidão das coisas 
    vem de pertodo coração que a leva dentro.




    sexta-feira, 12 de outubro de 2012

    Frost, Num Dia Assim




    algo existe mesmo que não ama um muro.

    o outono lá fora é evidente,
    nossa ignorância

    indiscutível.  

    falar das folhas é perda de tempo.

     




    quinta-feira, 11 de outubro de 2012

    Sylvia,



    ser livre às vezes
    é encurralar-se

    em uma cela sem amparo.

    a sentença é injusta, 
    o resgate

    inútil.
    a maré te trouxe 

    para margem,
    mas com olhos de pérola.






    terça-feira, 9 de outubro de 2012

    Nessa Hora




    os olhos ardem na luz.

    o parágrafo embaça
    e as linhas

    se confundem.
    o tempo se contrai

    e a vida
    passa num centésimo.




    Adeus às Armas




    tempos que põe de lado Hemingway
    por sei lá quantos tons de cinza.

    abatido
    eu passo café num funil.





    segunda-feira, 8 de outubro de 2012

    Detalhes




    dias de café-da-manhã em pé.
    pela primeira vez na vida eu sinto saudade da mesa posta; 

    do bolo integral de nozes, do meio-mamão, 
    da tua cota 

    de iogurte de ameixa; do cereal—do aroma de creme hidratante

    enquanto eu leio a seção de esportes e você o segundo caderno.

    agora eu acordo e vou pra cozinha servir sucrilhos murcho
    numa vasilha de metal.

    mal reparo mais no dia lá fora—mas no cheiro de lixo orgânico.






    A Not So Good Night In The San Pedro Of The World
    (tradução minha)




    é pouco provável que haja um poema decente em mim
    essa noite
    e eu compreendo que se trata de um problema estritamente
    meu
    e que de forma alguma lhe interessa
    que eu esteja aqui sentado escutando um sujeito no rádio
    tocar piano
    e que o piano seja ruim, tanto a execução quanto
    a composição
    e de novo, isso não lhe interessa
    ao passo que um dos meus gatos,
    um branco belíssimo com manchas estranhas,
    dorme no banheiro.

    eu não faço a menor ideia do que poderia
    lhe interessar
    mas eu duvido que você interessaria 
    a mim, então não se sinta
    superior.
    na verdade, pensando melhor, você pode
    ir tomar no cú. 

    eu sigo escutando o piano.
    essa noite não será memorável nem na minha
    vida
    nem na sua.

    celebremos então a estupidez da nossa
    perseverança.




    -Charles Bukowski