sábado, 30 de março de 2013

nunca mais


mais uma vez 
a gente põe fogo em tudo pra checar 
se está vivo.
mais uma vez o telefone toca 
e vibra, mas não é uma ligação.
hora de levantar.
a distância é medida em ausência
e em quanto tempo a gente aguenta esperar.
mais uma vez 
a dor tem carne palpável.
mais uma vez a gente briga por bobagem 
e desliga na cara.
orgulho é a maior burrice.
você liga de volta, 
a voz baixa.
a gente pede desculpas, e promete 
nunca mais.

terça-feira, 26 de março de 2013

ou O'Hara 


tão pouco tempo tão perto.
todo dia é isso agora,

o barulho das britadeiras.

a busca por verbos em 2 
ou 3 dicionários.

rascunhos de brigas.

me pergunto se cummings 
criava assim.

se as horas valem a pena.
se eu continuo igual.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Dunhill


lembro que vocês iam sair.
você, se quiser, pode ficar, disseram.
eu quis. 
fiquei a noite toda no computador
ouvindo Miles, 
bebendo Montilla com suco de laranja
e fumando Dunhill. 
eu tinha recém voltado 
de Santos.
não lembro se cheguei a chorar
ou se só tive vontade e não 
consegui.

quinta-feira, 21 de março de 2013

flores não crescem aqui


ele fica no sinal da esquina segurando um pedaço de papelão que diz
"colabore por favor $".
ela tem 13 e já trabalha desde os 5.
uma vez ele dormiu de boca aberta, uma mosca veio, pôs ovos,
nasceram larvas.
ele vivia tão bêbado de cachaça que demorou mais de 1 mês pra notar.
ela junta latinhas vazias de refrigerante
e cerveja nas praças da cidade
e vê os filhos dos ricos passeando de bicicleta e comendo algodão-doce.
não sou como os outros,
meu coração tem 1000 anos de idade 
e esse pedaço de mim também não se encaixa em lugar nenhum. 
flores não crescem aqui.
ele enche tanques de gasolina
e quando acaba o turno vai a pé pra casa, sem dinheiro pro ônibus.
quando dorme na rua, no inverno,
ela se cobre com jornal.
ele tem 40 anos e diz que nada deu certo, que já tentou de tudo
menos se matar.
mas na TV e nos prédios bonitos as pessoas falam de economia e tomam
vinho de barriga cheia.
falam sobre mercado e desenvolvimento, pib, dinheiro invisível 
e artigos daquele mesmo jornal.
falam sobre a importância de gerar lucro e riqueza pra, depois sim, dividir. 

da próxima vez


a gente ignora enquanto tem 
e lamenta quando perde.

a gente se deita no sofá-cama
e conversa sobre o ventilador,
o lençol.

apertados,
um contra o outro,
a gente fala sobre o que vem
e sobre como encarar, 
o que fazer pra ser mais fácil
da próxima vez.

a gente sente saudade
muito antes da hora
e sofre, os corações apertados
também.

o tempo é uma piada
que a gente passa a vida toda
tentando entender
e não consegue.

mas pessoas morreram
antes da gente
e vão continuar morrendo
e Hemingway achava
que isso era o bastante
pra exigir coragem.
talvez seja.

então a gente se abraça mais forte
e já fica feliz
por vencer mais uma noite,  
enquanto espera, apertados,
pelo fim de uma espera 
que não acaba.

quarta-feira, 20 de março de 2013

o sono dos peixes


pessoas de terno e copos vazios de café.

te espero sair da aula escrevendo bobagens sem nexo
em forma de poemas

pra dizer que te amo,
que dor no pescoço
e que horas são agora?

como se fosse bonito ou importasse.

garranchos de caneta.

pessoas sentam e levantam
e eu observo.

olho a porta do elevador abrir, fechar.

vozes se cruzam e se confundem num ruído impossível,
um som chamuscado e alto

que parece fuligem.

te espero sair da aula pra gente ir pra casa durmir
junto depois de comer, 

você tomar banho e eu folhear o jornal
preguiçosamente,

de forma automática,

à procura de uma manchete que vire o mundo
de ponta cabeça

ou de uma noite que não vire manhã. 

domingo, 17 de março de 2013

quase 30 e nada


quase 30 e nada.
tem dias que 1kg de arroz
é tão bonito quanto rachmaninoff; dias
que a gente deita de noite
de barriga para cima
e ouve a chuva tocar ar-condicionado; dias
que a gente vê cascas de mamão
no lixo da pia
e sente um vazio; dias
que só a capa do jornal já é demais; dias
que eu dou graças a deus
de ter você aqui.

sábado, 16 de março de 2013

For Jane

by Charles Bukowski
(tradução minha)


225 dias sob a grama
e você sabe mais que eu.
tiraram teu sangue faz tempo,
você é um galho seco num cesta.
é assim que funciona?
nesse quarto
as horas de amor
ainda fazem sombra.

quando você partiu
levou quase
tudo.
à noite me ajoelho
em frente a tigres
que não me deixam em paz.

o que você foi
não vai se repetir.
os tigres me acharam
e não me importo.



quarta-feira, 13 de março de 2013

deboro


cada vez que penso em pôr 1 verso
meu ali,
descubro outro melhor:
de oswald, eliot ou bukowski——
e desisto cada vez mais.

mas todo poema é uma cópia mal
feita de outra coisa;
um tecido de citações, como diria
barthes.

de sonhos, semiadormecido,
roubo palavras inexistentes que surgem
em capas de livros que nunca vi,
tipo deboro,

e até os travessões eu copio——
num site da internet, 
do poema de williams, "To Elsie".

domingo, 10 de março de 2013

228 meses


nesses dias de morte 
triste é não sentir tristeza.

você se foi sem um olhar,
sem tempo prum último café
ou um cigarro a dois
porque eu não fumo mais.

eu leio e releio teus poemas
pra Jane 
e deixo que os tigres
também me devorem.

sexta-feira, 8 de março de 2013

dias sem nome, 2 mortos 
e 1 condenado


segundas e terças
têm papel de outdoor.

na parada, 
um homem gordo corta os tênis
atrás para servir.

o bêbado passa,
a garrafa na metade
e um charuto apagado entre os dedos.

o barulho do trânsito,
o sol quente que ninguém quer
e o cheiro de lixo
no ar.

dias sem nome, 2 mortos
e 1 condenado
por aqui nem sempre é notícia.

o velho penteia os cabelos ralos
e cospe no chão.

eu incluso,
o mais normal entre nós 
é o catador de papel sentado no cordão da calçada
a falar com o cachorro,
seu olhar 
fixo no do animal.

o meu
mira o catarro do velho no chão,
brilhante na luz
como um cristal bonito. 

terça-feira, 5 de março de 2013

outubro não tem mais fim


50% poliéster
a solidão é um texto
de etiqueta.

tristeza cai no ar
feito pó de giz.

em manhãs assim,
sinto tua falta
embaixo do lençol

e no silêncio da tv.

terror e náusea,
enjoo é outro nome
para amor.

segunda-feira, 4 de março de 2013

mel e girassóis


às vezes, a única companhia que se tem
é o barulho do ventilador 
e esse café com leite, cinza e turvo,
pardo como a areia da praia depois da chuva. 
mas poesia de café tem porquê? 
a vida é um pouco que nem café: semente vira raiz, ramagem,
flor, fruto, grão, o grão vira pó e o pó
vira hábito, hálito, poemas. 
mas poesia de café tem porquê? 
uma palavra só ganha vida quando a gente enche ela de tristeza, 
alegria, tédio e estupidez. 
dali em diante, ela leva isso guardado no espaço ínfimo
entre cada letra, eternamente
ou até que uma daquelas coisas que apaga tudo que veio antes
ocorra, e mude tudo para sempre. 
ao contrário do que se pensa, 
palavra nenhuma nasce nome ou dona de nada. 
mas poesia de café tem porquê? 
purê de abóbora, salmão e salada. 
trinco de porta, molho de chaves, dengue. 
ausência, perdão e açúcar. 
livros de bolso e saudade e porque não café.