sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

pelas paredes brancas




a vida é um mar agitado. a gente

um barco sem remos. rápido, preciso
de uma dose de amor puro, sem gelo.
preciso abafar o soluço, arrancar
a bola de feno entalada no fundo

da garganta. preciso de um grama
de amor puro pra aliviar o sufoco,
recolher os cacos do corpo espalhados
pelo chão da cozinha e escapar 
do quarto onde os raros móveis

se alimentam dos meus pedaços,
restos de unha e farelos de pele
(migalhas de sonhos que escorrem

pelas paredes brancas).


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

pelas paredes brancas (2)



a vida é um mar agitado. a gente

um barco sem remos. rápido, preciso
de uma dose de amor puro, sem gelo.
preciso arrancar o soluço, a bola 

de fenentalada no fundo da garganta. 
preciso silenciar as vozes alojadas
nos recantos da cabeça, aliviar o sufoco

e recolher os cacos do corpo espalhados 
pelo chão da cozinha. preciso sair 
logo do quarto onde os raros móveis 

se alimentam dos meus pedaços,
restos de unha e farelos de pele 
(migalhas de sonhos que escorrem 

pelas paredes brancas).


domingo, 14 de dezembro de 2014

23:36




a vida é um castelo de cartas

na mesa de uma sala com todas
as janelas abertas. a vida é
um caçar borboletas com olhos

vendados (um navio carregado
de esquecimento). a vida é
um seguido esperar pela neve

que pode ou não cair


sábado, 6 de dezembro de 2014

aqui




aqui o peso das horas
dá um minuto de sossego

aqui os vidros se quebram
o líquido se esparrama
e água e óleo se misturam

aqui o silêncio dói
nos ouvidos (e a morte
não cabe mais

embaixo de tapetes)


domingo, 30 de novembro de 2014

outro inverno




as manhãs no silêncio do quarto cinza
as árvores sem folha em frente à janela

os pássaros pousando. alçando voo
o café fervendo. o porta-retratos falando
da água implícita em toda essa secura

toda essa falta de amor. a foto do beijo
a lista de filmes e o pote de geleia
cheio de moedas. qual a relação entre

todas as coisas. entre outro natal  
outro inverno e a solidão que nos une


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

onde as horas se encontram




sempre teve pressa de crescer.

agora é cabelos pela pia e na fronha 
do travesseiro. agora é aprender
a não riscar mais dias do calendário

ou cruzar com o próprio rosto
refletido em janelas. agora é não
perder mais a conta das noites

sozinho no quarto ouvindo a chuva.
batendo em teclas sem nada
a dizer. sem mais o que extrair

de bagaços de laranja.


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

herança




os abraços de bom dia
o corpanzil descolando

da poltrona de couro
o couro rangendo

a camisa empapada de suor
o cheiro do suor
faz anos que morreu

e ainda sinto aquele
cheiro todo dia

agora no próprio corpo


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

alguma eternidade




cortar as unhas que voltam a crescer
limpar o ralo que volta a entupir
lavar a louça que volta a acumular

lavar a roupa que volta a encardir
tirar os lixos que voltam a encher
encher a geladeira que volta a esvaziar

matar a saudade que volta a doer
varrer o pó que volta a juntar
fechar os olhos que voltam a abrir

até não abrirem mais



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

cada segundo




para um pouco de pensar

não dá pra passar o tempo todo
perdido em monólogos

na cabeça. o tempo todo como
o centro de um mundo

deserto. o tempo todo
com o gosto amargo de ter tido

e deixado escapar



terça-feira, 11 de novembro de 2014

some infinite thing




he wanted so bad to grow up fast
now it’s hair all over the sink
and pillowcase. now he learned

not to cross days off the calendar
or catch his face on windows
not to lose track of how many nights
he spends listening to the rain

fall in empty rooms. of how
many nights he spends banging

away on keys with nothing
to say (nothing left to squeeze

out of old memories)



sábado, 8 de novembro de 2014

o mesmo uivo




guarda-chuvas abertos no corredor.
a manhã cinzenta. o ar frio
contra a pele. a fila pra comprar pão.
o cara na cadeira-de-rodas elétrica
uivando para o céu. a gente
passando ao lado e desviando os olhos.
fingindo que não escuta.
que não abafa o mesmo uivo com

monólogos na cabeça.



quinta-feira, 6 de novembro de 2014

outra jaula




tempo de olhos secos
de tanto olhar pra telas

de mundos sob medida
em que vivemos além

da conta. labirintos
sem saída (o poema


outra jaula?)



quinta-feira, 30 de outubro de 2014

recomeço




era um mundo difícil de abraçar.
de querer dividir. um mundo
em que por muito tempo todo dia
era cinza. um mundo com medo
de demonstrar fraqueza. receio.
insegurança. era um mundo cansado

de si mesmo. um mundo de retalhos
(e silêncios). um mundo com
a pele de aço e os ossos de vidro
(de portas fechadas e caroços
presos na garganta). um mundo
à espera de outro mundo



pra não viver mais no seu.



sexta-feira, 24 de outubro de 2014

a padaria da esquina




eles chegam de manhã cedo
mesmo no inverno

só sentam do lado de fora
tomam café e não comem
quase não falam

(os olhos opacos em pontos
fixos no espaço vazio)

fumam cigarros
de filtro amarelo e esperam



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

num saguão de aeroporto




mais uma vez a gente se despede
num saguão de aeroporto
(mais uma vez o tempo se fez de morto
e quando abrimos os olhos

era tarde) 

mais uma vez só resta deitar na cama 
e ver as sombras no teto 
falar com as paredes e esperar 

pela neve


terça-feira, 14 de outubro de 2014

quando as chamas chegam perto demais (2)





presos entre a morte
e uma angústia invisível.
as chamas e a janela
do arranha-céu. 
o medo de cair sempre igual.

não é o gosto pela queda
que leva a pular.
é o medo das chamas.

quando as chamas chegam
perto demais, cair
é menos doloroso.
não é o desejo de cair.
é o calor do fogo.

e ninguém na calçada
olhando pra cima
e gritando não pula entende
sem ter sentido
as chamas na pele.



quarta-feira, 8 de outubro de 2014

quando as chamas chegam perto demais





presos entre a morte e uma angústia invisível.

as chamas e a janela do arranha-céu. o medo
de cair sempre igual. não é o gosto pela
queda que leva a pular. é o medo das chamas.
quando as chamas chegam perto demais, cair
é menos doloroso. não é o desejo de cair.
é o medo do fogo. e ninguém na calçada
olhando pra cima e gritando não pula entende

sem ter sentido as chamas na pele.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

não quero ouvir




“conheço ela há dez anos”
ele me diz no caminhão
a caminho de um trabalho

“ela é perfeita pra você”

e então me diz o quanto ela é perfeita
que tem um dinheiro no banco

“não, na verdade um bocado”

e que é dona do próprio apartamento
em pyrmont perto da praia

as prestações quitadas
“deve valer quase um milhão”

e que tudo isso poderia ser meu
e como seria bom

eu estaria casado
em breve tendo filhos
dinheiro no banco
talvez meu próprio negócio
tudo resolvido

“sua vida estaria completa
e você poderia dizer


consegui”


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

cercados




cercados o tempo todo

por horas que passam
e não amenizam.
por palavras que soam

e não consolam.
por mãos que tateiam
e não acham.
por olhos que tentam

e não escondem.


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

será que vale a pena




o passado não se apaga

mas se a gente se apega,
não se aprisiona? não
rola pedras morro acima?

será que vale a pena (até
que ponto é escolha?)
viver em horas extintas

que ainda queimam?



domingo, 31 de agosto de 2014

mercúrio 21º leão




a gente não nasceu pra voar.
mas bate as asas e se fere tentando.

foge em busca de alívio.
usa droga. mergulha no álcool.

descobre um prazer estranho
em se ver por um fio.
em não pedir socorro.

em ter nojo do próprio reflexo.



sábado, 30 de agosto de 2014

I Made a Mistake

by Charles Bukowski
(tradução minha)




peguei a calcinha azul
no alto do armário
e mostrei pra ela e
perguntei “é sua?”

e ela olhou e disse,
“não, é de um cachorro.”

depois disso ela foi embora e não a vi
mais. não está na casa dela.
continuo indo lá, deixando bilhetes colados
na porta. volto lá e os bilhetes
continuam no mesmo lugar. tiro a cruz de malta
do espelho retrovisor do carro, amarro
na maçaneta da porta com um cadarço, deixo
um livro de poesia.
quando volto na noite seguinte tudo
continua no mesmo lugar.

continuo vasculhando as ruas atrás daquele
battleship bordô que ela dirige
com a bateria fraca, e as portas
penduradas nas dobradiças quebradas.

dirijo pelas ruas
a um passo de chorar,
envergonhado do meu sentimentalismo e
possível amor.

um velho confuso dirigindo na chuva
se perguntando onde a sorte
foi parar.



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

eu sei e você sabe




a vida quis assim. a morte
entrando por baixo da porta.
pelas frestas das janelas.

penetrando os poros da pele.
os cortes. impregnando
a roupa. o gosto da comida.

abafando o som dos passos.
do rádio tocando jobim.
se misturando à saliva morna.
ao hálito. escorrendo

pelos vãos do corpo.
pelos lábios entreabertos. 



segunda-feira, 18 de agosto de 2014

eu sei e você sabe





a vida quis assim.
a morte entrando por baixo da porta.
pelas frestas da janela.
pelo gosto da comida. pelos poros
da pele. pelo telefone.
pelas rachaduras da parede. pelo rádio
tocando jobim. pelo cheiro do café.
pela veia. pelo vão das horas. pelo som
dos passos. pelos lábios
entreabertos. pelos furos do cobertor.
pelo jornal. pela água morna.
pelo corpo ardendo.
pelos reflexos no vidro.
pelo hálito.



segunda-feira, 11 de agosto de 2014

agosto em porto alegre




domingo a gente acordou cedo
entre mortos e feridos.
o céu sem nenhuma nuvem.
o café posto na varanda.
a dor dos outros
em foto e letra de forma.

de almoço teve lombo de porco
com purê de batatas.
corpos no pátio da escola.
a sesta no sofá com a tv
ligada. a carroça
levando corpos pro hospital.

de janta teve salmão.
corpos em freezers de sorvete,
de flores e em coolers.
a dor dos outros
longe. um osso sem carne.



sexta-feira, 8 de agosto de 2014

em quase tudo




há dor o tempo todo em quase tudo.
impossível não ver. nas rugas do rosto,
na bolsa dos olhos, no branco dos dentes.
no brinde, no barulho dos talheres.

há poesia o tempo todo em quase tudo.
impossível não ver. no vazio da cama,
na penumbra do quarto, na nudez dos corpos.
no espelho, na secura dos lábios.
na luz do banheiro pelo vão da porta,
na descarga correndo de madrugada
e você voltando pra cama.

há tanto o tempo todo em quase tudo.
impossível não ver. e impossível viver
com tantas visões, com tantos
clarões e blecautes, tantos pulsos
e cortes e noites tardes.

há tanto o tempo todo em quase
tudo. e não há muro ou
barreira que resista à força
de toda essa água e não
nos separe.



quinta-feira, 24 de julho de 2014

também é amor




você acordando de madrugada
e correndo pro banheiro.   
um barulho de vômito. a chuva

no vidro. a descarga. a torneira.
você voltando pro quarto,
entrando embaixo das cobertas

e eu atrás de um plasil.



trégua




os dedos quase congelando.
os olhos seguindo o risco
de cimento entre os azulejos.
os pés contra a porta, as costas
contra a patente. a noite

não passa. dois pares de meia,
duas calças e três camisetas.
mais nada na mochila. as unhas

lilases. as paredes brancas.
um barulho de chave às três
da manhã. um ranger
de dobradiças. a torneira

pingando. o silêncio
dá trégua. as paredes não.



terça-feira, 22 de julho de 2014

agora falta pouco




pegar o ônibus das 21:04 pra estação.
pegar o trem das 21:36 pra stuttgart.

olhar pela janela, ver nomes de cidade em placas
azuis ficando pra trás, sumindo na noite.
comer um sanduíche, pegar o trem das 23:05 pra frankfurt.
achar um banco pra dormir ou pelo menos
fechar os olhos, não pensar muito.

pegar o voo das 6:10 pra lisboa.
pegar o voo das 11:00 pra porto alegre.

jogar água na cara, tomar café pra espantar o sono
e ler um livro, ver dois ou três filmes. 
olhar pela janela, ver o sol se pôr a 11 mil metros de altitude.
apertar o cinto, retornar o assento
à posição vertical e preparar para o pouso.

passar pela polícia.
pegar a mala na esteira.