segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

em quase tudo



há dor quase o tempo todo em quase tudo.
impossível não ver nas rugas do rosto,
na bolsa dos olhos, no branco dos dentes,
no brinde, no barulho dos talheres. 
nos copos de champanhe, nos cachorros
mortos na beira da estrada, no bate-boca
sobre política, na descarga correndo.
há poesia quase o tempo todo em quase tudo.
impossível não ver e, como a dor,
imprescindível pelo menos às vezes
pra seguir vivendo sem tantas visões,
sem tantos clarões e blecautes,
tantos pulsos e cortes e noites tardes.
há tanta coisa o tempo todo em quase tudo
que é preciso um filtro, uma barreira
que não ceda à força de toda essa água
e não nos separe.

depois das dez



conheço as manhãs
melhor que a mim mesmo.
as vi concretizadas
atrás de cortinas, cor
de ressaca depois das dez.
as vi através de para-

brisas de caminhão,
longe de casa, o asfalto
se estendendo numa
reta infinita. as vi
nascer de dentro de noites

que pareciam durar
pra sempre, na época
em que o tempo era longo,
borboletas rompendo
casulos quando
menos se esperava.  

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

a passagem dos dias



não sei dizer se faz muito
ou pouco tempo.
existe algo na passagem dos dias
que dilui a distância, embaça
as diferenças. os mesmos nomes
se sucedem e as mesmas sucessões
se repetem, sempre na mesma
ordem. uma cartela de remédio
depois da outra. o alarme toca.
o lixo cresce. a louça seca. as folhas
em branco do caderno acabam.
o vento ganha corpo e o frio
chega, se instala. o mês avança.
a solidão fica. o pó acumula,
se espalha. a terça-feira termina.
a vida não para,
mesmo que não pareça.