domingo, 29 de setembro de 2013

louça na pia


boa tarde seu frida,
tudo bem com o sr?

é... tudo tudo bem
não.

minha esposa morreu.
é dolorido.

enquanto a gente
reclama

da louça na pia.

sábado, 28 de setembro de 2013

silêncio matinal


a voz falha no telefone.
a saliva grossa de chá

e silêncio matinal.
moedas de 5 centavos na mesa

e um nó cego na garganta.

o ipad toca schubert
e eu vejo o dia nascer.

domingo, 22 de setembro de 2013

tudo bem


escrever é rolar pedras
morro acima

e assisti-las cair.

repetir, marcar o tempo.

achar o ponto

em que dois mundos
se encontram

na maior indiferença.

mais ninguém


a tragédia dos outros

é uma página de jornal.

mas quanto dói a dor
se é nossa

e de mais ninguém.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

pra nada


bloqueado por meses de sonhos que não lembro
em dias que esqueço se dormi

e que esqueço que escrevo.
os poemas já não vêm à noite, naquela hora

um pouco antes da inconsciência
total (1 min é suficiente pra repetir mais 3 vezes

na cabeça e gravar no peito, de onde sono nenhum arranca).

inspiração é uma palavra que um dia escrevi num papel,
pus onde não devia sem prestar atenção

e nunca mais achei (me acostumei
a ter algo que nunca foi meu).

nem verso nem voz me pertencem
e essa chuva que cai não serve pra nada.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

em filas de check-in


tenho um punhado de ruas
de asfalto remendado e buracos cobertos
com peneira.

tenho um punhado de anos
de curvas sinuosas e viadutos pichados.

há bairros que nunca dormem
sob luzes que nunca se apagam

e a vida sabe ser cruel como noites de julho
em banheiros de azulejo.

tenho um punhado de mundos em luas
e só um tecido fino que me prende ao chão

desfiando devagar.

há cidades que nunca mudam
entre meses que nunca passam

e a vida sabe ser frágil
como um inseto sob a sola do tênis.

tenho um punhado de sonhos
deixados pra trás
em filas de check-in.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

benflogin


numa noite fria e chuvosa
em caxias do sul,

deitado no chão 
da casa de um casal de vendedores
de brincos,

revi minha vida inteira
durante uma insônia de benflogin.

vi morcegos lilases
entre dobras do saco de dormir
e raios no teto

e rostos atrás 
do sofá

(o ronco das motos
na rua
era o pior).

passacaglia


silêncio quebrado,
cafés de ontem.

barbantes cortados, castelos

construídos no ar.
feridas abertas, tema 
e variação.

relógios parados, setembro —

tardes correndo
em faróis de carro.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

mas veio


segunda-feira, por volta da 0h.
a gente se abraça na cama

antes de dormir
enquanto ele se dá 1 tiro

na cabeça com uma pistola 380.
grávida de 5 meses, a mulher

reza pra que o barulho
tenha vindo da rua

e não de um dos quartos
do apartamento no 10º andar.

estrada de terra


se não tivessem me contado
que nasci dia tal de mês tal em 87,

juraria que tenho mais de mil anos de idade.
não me sinto velho, ao contrário.

mas meus olhos olham em volta
por trás de uma camada grossa que cobre
a retina, uma seiva bruta calcada
contra o globo ocular assim, pelo tempo,

uma estrada de terra.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

maldormido


maldormido, as roupas

cheirando a suor.
afasto o lençol, faz

calor nessa madrugada
de setembro,

3 e pouco da manhã.
levanto pra tomar água.

teu corpo geme,
a porta range

e eu tateio as paredes.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

nota de falecimento


comunico que na madrugada
do dia 1º de setembro,

faleceu a sra. –, esposa do sr. –.

o velório e o enterro
acontecerão no cemitério municipal
de alvorada.

detalhes para doações,
favor contatar com o síndico.

me acorda


para —

andar em círculos

vai te deixar tonto.
existe um mundo

agora, que um balão
solto no ar

perde de vista

(me acorda,
    minha corda).

terça-feira, 3 de setembro de 2013

muito mármore


céu de nylon,
pele e osso.

muito mármore insone
e aço úmido.

se as noites deságuam

no silêncio a motor
da cidade,

a espera não corta

e não
queima mais.