segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Desvio







foi o vento que viveu da praia
num tempo em que a areia
vivia do tempo.

e passava natal
e passava ano novo,
contos de amores, sonhos,
multidões de pessoas,
o fim de uma canção.

foi o grito que viveu da fome
num tempo em que o céu
vivia em um filme.

sábado, 18 de dezembro de 2010





dar adeus é se acostumar
a algo que jamais se acostuma
e se despedir
sem nunca aprender
e a saudade já existe
antes que a ausência se consuma.
aquela dor de adeus





te perdi para festas que não pude ir
e para dias em que só trabalhei.
te perdi para a rotina
e para a sina da passagem dos dias.

te perdi para a passagem do tempo
e para o fim daquele mês de dezembro.
te perdi para o meu próprio desejo,
encurralado,
imerso em amor desesperado,
acuado entre as quatro paredes
de um peito que suspira calado.

te perdi por repetição de método,
por repulsão de átomo,
por viver com medo.

te perdi como um carro sem freio
perde o controle na curva,
te perdi naquela noite de lua
crescente, naquela madrugada doente,
no teu adeus que eu não quis,
no ronco do avião voando baixo sobre o prédio.

te perdi por não ter levado a sério
que um amor de verdade se encontra
quando mais se precisa
e quando é mais difícil entender porquê.

talvez eu aprenda
e talvez eu nunca mais te veja.
para sempre nunca








quem sou eu naquele espelho -

imagem refletida
de um reflexo imaginado,
uma vida construída naquele espaço de tempo.

quem sou eu do teu lado -

presente passado,
amanhã despedido,
adeus sem socorro.

quase três semanas de silêncio
mas o mito é do eterno retorno -
confesso que faltei
porque escolhi viver de novo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

em algum lugar entre Ezra Pound e T.S Eliot







mais um adeus agora,
mais um quarto de hotel vazio,
mais quatro paredes descascadas
de um segundo andar esquecido.

mais um amor desconhecido,
mais um livro -
gente pobre, trópico de câncer,
um adeus, um abraço, nunca mais.

mais 20 minutos à meia-noite,
sem calçada, sem luz,
o acostamento da estrada, anda,
mais um passo, mais um posto,
o ônibus, a volta,
o retorno em mais de 10 horas -

mais uma madrugada acordado.

pedaços de quem só pensa em pedaços.

saudade -
daquela foto tua que esqueci por entre páginas de um livro de versos
de poesia norte-americana.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pyrmont Bridge







atravessando a ponte
eu segurei tua mão
e te abracei forte
te beijando no rosto[lábios por
entre os cabelos]

era noite escurecida
e o mar corria por baixo
e as luzes da cidade corriam por cima;
eu mal sabia teu nome
mas te amava como aquele velho amor perdido.

te segurei forte
com medo de te perder amanhã,
te beijando com toda a minha força,
com o último ardor do mundo,

linda,
loira e de olhos azuis -

nunca mais falou comigo.
Tempo
(too late in the wrong rain)





tarde demais na chuva errada,

andam juntos,

aqueles os quais o amor partiu -

mas o olhar ainda insiste

no que o peito desistiu.
por todas as gerações perdidas







olhando para trás que se escreve -
indo para longe,
ficando distante,
sentindo falta, sentindo fome.

todo passado é palavra
todo discurso é memória.

Hemingway disse:
"comece com a frase mais simples
e mais verdadeira que souber."
e Tolstoy sabia que a arte
é uma puta triste sem maquiagem.

se o verso não corta
o poema não canta -

quando os olhos cansaram de ver
e o coração cansou de sonhar.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O que restou da arte






sucessão contínua de imagens
em sequência rítmica
de frequência quase cardíaca
do pulso do seio da cidade -
semáforo que se acende, verde,
o ronco da buzina dos carros,
o estômago vazio
do buraco do asfalto -
para onde foi o pastor, o sol e a lua?
meu amor eu canto na água da chuva
suja que corre na beira da rua,
da calçada
desse coração doente de urbano,
de pedra, dessas trevas de luzes,
dessa selva trêmula de torres,
de trens e prédios e pontes -
não se atreva a procurar por deus
nessa terra perdida dos homens.
Obra





inspiração é escapar a si mesmo;
a cabeça não pensa
e a consciência do corpo vai até o ponto
do controle da mão
sobre a fluência dos dedos.
não há razão ou critério que escolha as palavras
foi a palavra quem me encontrou
foi a palavra quem me escolheu.
o discurso se torna imagem na ponta do lápis
e cada letra desvenda o seu próprio ritmo,
uma cadência ao acaso,
uma harmonia de música em que o som não chega ao ouvido
mas que transmite a doação de cada uma das formas,
de cada traço
e a entrega de quem não é mais que instrumento -
de cada verso, cada tempo,
cada letra testamento.

naquele porto


debruçado sobre o livro
à luz de uma única lâmpada acesa
ao som da chuva que cai no teto
sem lembranças ou memórias
do tempo em que viveu nas nuvens.

sem consciência, sem vontade
que não a de ser chuva, de cair,
seguir a lei da gravidade,
sem vontade de lembrar no peito
o que a cabeça esqueceu —

uma vida inteira apagada,
um vazio escuro de quarto
à luz de uma única lâmpada gasta,
um passado distante repetido,
mal colocado no tempo,
um passado ultrapassado.

já não reconhece aquele rosto
tão próximo, tão parecido,
agora tão longe.

a chuva cai sem dor,
sem anseio e sem lamento,
cai sem dor, cai sem pensamento;
a chuva cai no teto ainda, insiste,
mas sei que lá —

naquela velha casa de madeira
alguém que amo sofre
por alguém que já não lembra.
o amor no asilo
("love in the asylum", Dylan Thomas)




alguém estranho veio
para dividir meu quarto
na casa que era doente da cabeça,
uma garota insana como os pássaros.

encerrando a noite na porta com seu braço sua pluma
na cama ela ilude a casa à prova de céu com nuvens
e no entanto ela ilude ao caminhar o pesadelo do quarto
de mesma imensidão que a morte
ou navega o imaginado oceano do homem.

ela veio possuída
deixando entrar a luz iludida através das paredes,
possuída pelos céus.

ela dorme no estreito
enquanto caminha por entre a poeira
e grita à vontade
por entre os cômodos do hospício
que definham no andar de minhas lágrimas.

apanhado pela luz em seus braços
por último e até o fim -
eu vou sem medo de errar
sofrer a visão primeira
que há de atear fogo às estrelas.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

because you're mine, I'll walk the line.
(humildemente dedicado a Johnny Cash)







esqueça as pílulas e os comprimidos
e se lembre dos lábios
e dos cílios dos olhos -

a bebida faz sim companhia
mas não se engane
em pensar que ela ama -

foi difícil ser verdadeiro
e cada fim de dia
te econtrou sozinho -

mas bota a garrafa de lado
antes mesmo que ela esvazie -


os dias
a casa
o peito
a voz.
Simbolismo






a vida inteira é simbólica
porque tudo na vida
significa algo.
a parábola vem da rotina
e a explicação da verdade
da realidade do dia-a-dia.
mas ninguém se interessa,
o homem moderno
já não precisa mais disso -
confrontado pelos mistérios do universo
ele se volta à física
e não a versos e melodias.

sábado, 6 de novembro de 2010

Dividido





Reality is doubtful -
the only reality is the moment,
the instant that you feel to be real;
can you touch it
or just dream that you're touching it?
everything is a frame of mind,
a mood constantly changing,
an impression carved in skin,
flesh and dreams and bones -

como aquele dia em que te abracei
pela última vez
à tarde em frente ao portão,
forte e te erguendo do chão
e tu chorava dizendo que não,
que já não podia ser mais.

Because life wouldn't be beautifull
if it wasn't for all the dreams
that never came to be true
and for all the empty spaces
filled with nothing but recollections -

como o reencontro contigo que eu nunca tive
naquela rua fechada em construção,
bêbado,
sem ter ainda aprendido a dizer te amo,
nem que fosse por uma noite,
por um segundo,
por um lapso de beijo mudo.

Don't let your mind go back
to what your heart cannot take it;
stay still,

cada dia de vida é um amor incompreendido
e não há mais morte porque o passado acabou -

And next morning you'll smell
the scent of tobacco
in the yellowed ends of your fingers
and yes you'll taste
the bitter aftertaste

do vinho na boca seca.
teus olhos verdes
teus olhos negros
teus olhos azuis -

I've been torn apart by memories
of days that I was too drunk to remember
when I was still too young to understand.

e aprendi que saber demais
torna a alma calejada
mas o coração vulnerável -
às lembranças da tua pele
ao gosto do teu sorriso
ao cheiro do teu pescoco.
modernidade





o velho senta no banco de pedra
seu rosto entre as mãos.
em frente
um fluxo contínuo de gente
passa rumo ao teatro.

o velho soluça entre os dedos
em tom amargo de gin.
de quando em quando ergue a cabeça
e grita de forma animalesca:

"não posso, não vê que não posso?"

sua voz não é humana
e soa como o partir de uma tábua ao meio.

passos se agitam.
pessoas de meia idade olham para o outro lado.
vozes murmuram no escuro:

"vagabundo."
"bebida devia ser proibida para esse tipo de gente..."

o velho resgata de entre as mãos o rosto molhado de lágrimas
fitando nada através de olhos vermelhos injetados de sangue.

pessoas recuam,
pisam umas sobre os pés das outras.

como o partir de uma tábua ao meio
surge a voz que vem de dentro do velho -

"não vê que não posso...? não posso...
não posso..."

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lembrança
(tradução de Rilke,
"Remembrance")






espera, aguarda ainda por aquilo
que há de para sempre enriquecer a vida:
poderoso, único incomum,
o despertar das pedras adormecidas,
abismos profundos
que sejam capazes de o revelar a si mesmo.


ao amanhecer percebe as prateleiras
com seus volumes negros e dourados;
e lembra de todas as distantes jornadas,
retratos e o tremular dos vestidos
vestidos por mulheres conquistadas e perdidas.


e derrepente vem a ti a certeza:
é isso! levanta-te, pois tu agora
és consciente daquele ano num passado distante
com seus temores, eventos e preces.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

lamento
("Lament", poema traduzido de Rilke)






tudo é distante
e há muito ficou para trás.
penso que a estrela
brilhando no alto
já está morta faz um milhão de anos.
acho que eram lágrimas
no carro que ouvi passar
e algo terrível foi dito.
um relógio parou de contar
o tempo
do outro lado da rua...
quando foi que havia começado?
gostaria de pisar fora do meu coração
e seguir caminhando por entre o céu.
gostaria de rezar.
de todas as estrelas que pereceram
há tanto tempo atrás,
uma ainda existe.
eu acho que sei qual delas -
qual delas, ao final do seu feixe de luz,
permanece
como uma cidade toda branca...
chiclete e jornal e café






um centavo antes da meia noite
compra amanhã.

sonhos virados do avesso
atirados na lata do lixo.

um centavo antes da meia noite
compra ontem.
recomeço






tudo era tudo
mas tudo acabou
e todo começo anuncia um fim.
aprender a ser feliz
é te deixar ir
e aceitar que te perdi,
e tambem os teus olhos azuis.
a morte num domingo cedo





me ajoelho em frente ao corpo
e rezo.
peço a deus
que carregue essa alma pura de animal
aos céus
e que lá descanse para sempre
agora liberta de sofrimento.
coloco a mão sobre as costelas
que sem ar já não se movem,
não arfam, não pulsam
enquanto formigas já cobrem o corpo
rastejando sobre os olhos abertos.
tudo vira comida
e tudo volta para a terra -

perdoai as nossas ofensas
assim como nos perdoamos
a quem nos tem ofendido,
não nos deixe cair em tentação
e nos livre do mal,
amém.

sábado, 30 de outubro de 2010

de novo e mais uma vez
(tradução minha de "Again and Again" -
Rainer Maria Rilke)





de novo e mais uma vez, embora já conheça o horizonte do amor
e a pequena catedral logo ali, de melancólico nome,
e o assustador abismo silencioso em que os outros
desabam: de novo e mais uma vez caminhamos juntos
por entre as árvores, e nos deitamos mais uma e outra vez
no meio das flores, face a face com o céu.
Joe Harland






naquela manhã não quis sair da cama
e ao olhar pela janela
decepcionou-se ao ver o céu:
desejou que estivesse chovendo
e desejou não ver o sol.
quebrado.
havia um dia sido rico,
o mago de Wall Street.
agora devia as calças,
três semanas de aluguel,
desempregado,
implorando por um níquel,
por um quarto de níquel,
por um quarto de whisky
e um chance de dizer ao mundo que um dia
já havia sido alguem.
só mais uma ilustração
da peculiar predominância da sorte 
nas relações humanas.
por algo original





cópias mal-feitas
de tudo que foi escrito
e uma eterna repetição
de tudo aquilo que já foi dito -

incessante luta interna
pela busca de algo novo
num mundo velho e abatido.

dom amaldiçoado
de uma liberdade aprisionada.
Rilke, me ajuda a acreditar
que eu nasci ao menos pra tentar.
Glória






há uma glória no sol
e outra glória na lua
e outra glória
nas estrelas:
pois uma estrela
difere em glória da outra.
e assim também
é a ressurreição dos mortos.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

amigos







saudade vem na hora do baque,
sacode a rotina,
sacode a retina do olhar em choque
que mira a neblina,
a nuvem que chove atrás da colina.

não tema a dor, a tristeza -
deixe que retorne ao peso da terra,
do chão.
são enormes montanhas, e um enorme oceano.
mas a brisa, o vento que sopra...

deixe que sofra
mas deixe que vá embora -
com o fim do crepúsculo
na chegada da aurora.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

descanse em paz






rolando entre os dedos
o palito de dente
ao som do gerador a diesel

lembrando

da alegria no rosto
do amigo agora morto.

tu mesmo disseste
que só Deus que sabe a hora
e tu mesmo sabias
que o céu também chora

pois hoje o céu esta em prantos
chovendo lágrimas de adeus.

domingo, 24 de outubro de 2010

ternura






prazer
é um escape que passa,
não dura -

mas o sofrimento aguarda
e vive da esperança
de que um dia a dor tenha fim,

de que hoje
algo diferente aconteça,
de que um dia
alguma coisa mude.
Camilla





lá estava ela
deitada na cama.
seu rosto
era o rosto
de uma velha rosa
seca e amassada
entre páginas de um livro,
amarelada,
somente os olhos a provar
que ali
ainda havia vida.
lembrança boa




o tempo passa óbvio
nos ponteiros do relógio
e nas páginas
do calendário.

mas também passa disfarçado
na parede descascada
de tinta antiga
e na sola desgastada
do sapato.

também passa no cigarro
que se torna bituca
esmagada no cinzeiro,
num último suspiro esfumaçado
que passa,
também passa e se apaga.

passa,
o tempo passa despercebido
em alguém perdido
que nunca mais se viu
e na imagem
da esperança de um futuro
que traga alguém de volta,

que traga o tempo de volta,
o tempo à solta,
aquele tempo à toa,
a tua falta que fica
enquanto o tempo voa.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

bem antes do amor






um instante depois
os degraus ecoaram ao som do salto alto
e ela surgiu por entre a neblina.
a mesma garota, o mesmo casaco, o mesmo cachecol.
ela me viu e sorriu.

os ossos magros do seu rosto,
o cheiro de vinho azedo da boca,
a terrível hipocrisia da sua doçura,
a fome por dinheiro em seus olhos.

mas é mais pura do que eu,
não vende mente,
alma e coração.
tão somente o corpo
e a tristeza incrustada na carne.
pergunte ao pó







haverá confusão,
e haverá anseio;
haverá solidão
e tão
somente
lágrimas rolando
a umedecer os lábios secos.

mas há de haver consolo,
e há de haver beleza
como o amor de uma garota morta.
haverá risada,
uma risada retraída,

e quieto a espera do anoitecer -
o suave medo da noite
como o plácido beijo da morte.
Sergei Rachmaninoff







quis que cada letra
fosse nota
e cada verso
fosse tom -
que cada rima fosse timbre,
cada palavra
fosse som;

que fosse a voz da mão
de dedos longos
e elásticos
sobre as teclas do piano,

o mais profundo retrato do insano,
a mais triste melodia,
o último romântico.
literatura e a mentira de cada um





Ler ficção é perda de tempo, me dizem. Página após página tentando em vão escapar
da realidade. Iludido, isolado em uma ilha de fantasia e imaginação onde tudo é mentira e tudo
foi inventado. Só mesmo eu para discordar. Qual a diferença então entre romance e filosofia? Um é mentira e outro é verdade? Não consigo acreditar. Já estive imerso em política, em teorias econômico-sociais, em filosofia e história e nunca, jamais encontrei mais preciso retrato da vida do que na dita ficção. Tudo isso, claro, baseado em minhas próprias experiências e sentimentos,
na minha própria visão de vida adquirida por caminhos e trajetos intelectuais pessoais. Mas aí, então, talvez toda a minha vida seja uma mentira. O fato é que nunca encontrei tanta verdade fora da experiência direta como encontro em romances e poesia. A diferença é que essas verdades não são apresentadas de forma direta, necessariamente racional, ciêntífica ou objetiva. Tudo rasteja disfarçado, sensível e delicadamente apresentado em personagens, trama, cenários,
diálogos, pensamentos, imagens e quadros abstratos contruídos de forma precisamente poética sob o domínio de poucos que de fato foram mestres na arte de escrever. Então não há mentira na história ou na ciência, porque? Qualquer obra representando tais "campos do conhecimento"
não foram então escritas por alguém? Com mente, pensamentos e ideias individuais reféns de experiências de mesma natureza? Porque diabos o que Debourd ou Darwin escreveu é mais verdadeiro do que Kafka ou Dostoyevsky? Ah sim, claro, pois o últimos se tratam de ficção. Puta que pariu, e o teimoso sou eu. Nesse estágio da minha vida a verdade é que eu nao acredito em verdade que não seja mutável, passageira. A verdade de hoje quase nunca resiste a chuva, e muitas vezes amanhece outra no dia seguinte, como outras coisas no dia seguinte a um trago forte. Impressões se perdem, certezas desfalecem e novas perspectivas se erguem. Mas isso tudo é construído por cada um, de forma única através de distintos caminhos. O meu é que sou viciado, aficcionadamente apaixonado por literatura, ficção, romance e poesia. Em 10 anos talvez eu queime todos os meus livros e mije em cima de qualquer poema que cruze o meu caminho. Duvido muito mas, de novo, quem de nós sabe? Quem de nós é dono da verdade? Além disso, isso se trata de um futuro, de um amanha qualquer e, se tiver que acontecer, então que assim seja. Mas hoje eu quero ler um romance e escrever poesia, essa é a minha verdade, que encontrei atraves das minhas experiências, então que assim seja. Olho para trás e desminto muita coisa que achei ter certeza, e daí? Não me arrependo de nada, tudo, absolutamente tudo me ensinou alguma coisa. Esse ensaio não é uma defesa, é desabafo. Se ficção é só uma "historiazinha", te desafio a ler Faulkner, Dostoyevsky, Kafka e não ser perturbado no mais profundo confim da alma -
é medo, é medo do reflexo que aparece no espelho, do quadro que de tão vívido se torna desesperador, se perde o chão, o fio, o tacto, o concreto. Desabafo, me sinto até cansado -
que venha o amanhã
e me desminta de novo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

cartas de Jack London






que assim seja.
ainda não é o fim.
se eu morrer
será uma morte dura,
lutando até o final,
e o inferno há de receber
seu mais forte interno.

mas para o bem ou para o mal,
será sempre como foi -
sozinho.

mas não tenha medo Jack,
que tudo acaba bem;
não há razão para vergonha
que tua força também nasceu
da máquina penhorada
e da roupa esfarrapada

e em cada carta escrita
se criou uma obra-prima.

não mais se desespere Jack
que não há mais nada a provar;
tu foste um dos maiores
e tudo derivou de sofrimento
e de uma vontade sobre-humana de lutar,
sempre, a qualquer custo.

foram as noites passadas
nos distantes vagões de trem
e todas as temporadas
enfrentando em navio
as ondas e o frio dos mares do norte -
os dias na fábrica
que começavam as 3h da madrugada,
foi a falta de carne,
a falta de pão,
o estômago sempre vazio.

diga então a Mabel
que está tudo bem agora
e não se esqueça jamais
que aquele erguido em pedestal
foi o mesmo
contra o qual eles arremessaram pedras;

só tu sabias no mais íntimo
que a fama destrói
o que te doeu tanto construir.

mas agora basta Jack
que nem a morte soube encerrar
o que tanto estudo e dedicação começou -
tu foste um verdadeiro escritor,
um dos maiores[para sempre Martin Eden]

e que tantos anos de dura solidão
tenham valido a luta Jack,
porque ninguém fez mais por merecer.
quis ser tudo





eu quis ser tudo
e não fui nada
que não eu -

um detetive em São Francisco,
divisão de homicídios dos anos 50
fumando cigarros sem filtro,

um camponês russo,
um ferreiro medieval,
um bêbado irlandes em Boston;

gangster ou mafioso italiano
ou chefe de cartel colombiano.

um pianista clássico polônes,
um marinheiro no Alaska...

eu quis ser tudo
e não fui nada
que não eu -

um temido pirata
bêbado de rum e vinho,
um monge vivendo isolado
nas montanhas do Nepal sozinho,

um lenhador
com antebraços do tamanho de pernas
ou um criminoso mofando na cadeia
fazendo apoios e lendo a bíblia;

Hell's Angels,
um veterano de guerra enlouquecido,
Vietnã, as colinas da Espanha,
a Alemanha ocupada...

eu quis ser tudo
e nao fui nada
que não eu -

um forasteiro fora-da-lei
no Texas, no Alabama, Tennessee
ou West Virginia,
bebendo whisky de café,
magnum 357 na cintura
cruzando o deserto de mustang
ou impala 67'.

mas mais do que tudo
quis ser poeta
para viver alem do corpo e do tempo
e morrer sem deixar nada,
nem mesmo testamento,
se não livros e escritos
escondidos no baú -

mas não fui nada
que não eu.