quinta-feira, 30 de junho de 2016

desemprego, depressão e diamantes




“desculpem pelo incômodo
mas não é meu sonho estar aqui pedindo dinheiro às 11 da noite de domingo”
ele diz assim que embarca pela porta dianteira do metrô.

também não é meu sonho estar aqui indo pro trabalho às 11 da noite de domingo
ainda que algo incutido em mim não canse de repetir
que eu deveria dar graças a deus pelo simples fato de ter um emprego.
de ser um “cidadão produtivo. de estar inserido no mercado.

 “tô desempregado
e ficaria muito grato por qualquer ajuda, um trocado ou comida

a maioria das pessoas a bordo faz que não ouve e não vê
e me arrisco a dizer que ninguém aqui dentro sonhou com a vida que leva
enquanto nas paredes do vagão um anúncio de joalheria
exibe anéis de diamantes, e um outro de uma cia. farmacêutica pergunta:
sofrendo de depressão?

desemprego, depressão e diamantes. 

o cara pedindo dinheiro passa pelo corredor do metrô com um copo na mão
à espera de uma esmola que não vem
e quando o metrô para na estação seguinte
ele desembarca pela porta traseira

enquanto a vida que a gente não sonhou levar se desenrola
sem novidades.


sexta-feira, 17 de junho de 2016

no dia em que ela foi encontrada morta




a sacada, o sofá. a caixa de fósforos no trilho
da porta. a manhã ainda escura. o silêncio,
a chama. mais um dia. dores de um mundo
em madrugada. janelas e mais janelas desamparadas.

o último dia de alguém. foi num hotel
em brugge que escutei a notícia a primeira vez.

o que restou de tudo isso. do pó, do copo.
da fumaça. uma mão ruim de cartas. lembranças
apagadas e um milhão de coisas que não
valem nada. peguei a caneta e um velho caderno
quase em branco e vim tentar entender
um pouco. um encontro no papel. tentar entender
o porquê de achar que tenho que entender.

sensação sem sentido. lições de um mundo
que sabe ser frio, rancor de quem não
sabe perder. é que eu também já morri cem vezes,

mas você agora cansou de voltar. e eu sinto muito
e declaro cem dias e noites de luto.


sexta-feira, 10 de junho de 2016

ensaiando perdas




nesse passo, só vai restar silêncio.

a poesia é um deserto cada vez mais deserto.
poemas são miragens. palavras

têm gosto de areia. de lágrimas espremidas
contra a fronha do travesseiro.

poemas são gralhas-cinzentas
sobrevoando a calçada à procura de comida.

palavras são migalhas. nacos
de pão velho emaranhados em arbustos.

poemas são cavidades ainda
mornas em camas vazias. palavras têm

o cheiro de corpo dos lençóis
desarrumados. poemas são noites em claro

ensaiando perdas.