sexta-feira, 29 de junho de 2012

Piano Invisível





o broto nasce
da ponta do caule
rumo ao sol.

o verso nasce
do eco das vozes
em paredes internas
do ouvido.

o poema
é uma flor que desabrocha
sem ruído compreensivo
ou som apreensível.

uma música sem orquestra
ou instrumento de corda,
                  como a fala

esquizofrênica,
ininteligível.

centro, quintana, farrapos


tenho um punhado de ruas velhas
de asfalto remendado
e buracos cobertos
entre prédios desbotados.

tenho um punhado de anos novos
de curvas sinuosas
em retas separadas
por viadutos amarelos.

há ruas que nunca dormem
entre luzes que nunca se apagam.

a vigília noturna é cruel
como noites de inverno
em banheiros brancos
de azulejos gelados.

tenho um punhado de mundos em luas
e apenas um cabo de tecido fino
que me prende à terra,
quase partindo,
quase parando.

há cidades que nunca mudam
entre tempos que nunca passam.
o gosto da carne é desejo
de uma ternura devastada
por sonhos superados.

tenho um punhado de sonhos imersos
entre ondas de outono

em praias de primavera.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Futuro

a Stéphane Mallarmé




o verso de amanhã nascerá
do ruído de passos nas ruas
e da cadência vacilante das luzes
sobre o manto da cidade.

surgirá do eco das vozes
atravessando os prédios
de camadas de concreto.

o verso do futuro será
como um choro retumbante
de motores cansados.

será o pulso das coisas sem vida,
o brilho nos olhos da pedra,
o arfar do peito
da respiração morna
das coisas mortas.

o poema do amanhã nascerá
quase vazio,
espaçado por soluços de silêncio
e bocejos ansiosos
traduzidos em palavras,

sem quase sentido
e quase nenhum significado.

nascerá quase apenas do som
do toque da mão
contra o céu.






Lívia olha o mar morto de águas de chumbo.
Mar sem ondas, pesado, mar de óleo.
Onde estão os navios, os marinheiros
e os náufragos? Mar morto dos soluços
quedê as mulheres que não vem chorar
os maridos perdidos? Onde estão as crianças
que morreram na noite do temporal?
Onde está a vela do saveiro que o mar engoliu?
E o corpo de Guma que boiava
com longos cabelos morenos na água que era azul?
Na água plúmbea e pesada do mar morto de óleo
corre como uma assombração a luz de uma vela
à procura de um afogado.  É o mar que morreu,
é o mar que está morto, que virou óleo, ficou parado,
sem uma onda. Mar Morto que não reflete
as estrelas nas suas águas pesadas.










- Jorge Amado, "Mar Morto"

terça-feira, 26 de junho de 2012

Noite Alta







pesadelo me acordou suado na noite alta
e decidi que precisava de um sonho
daqueles bons de mulher bonita
para escapar do pesadelo
quando caísse no sono
de novo.

gravei o pensamento no teu rosto
e me deixei adormecer.

poema assim é feito canção de marítimo,
não importa donde vem
ou em que língua vai
pois só sabe versar
sobre o mar,

sobre desgraça ou sobre amor.

domingo, 24 de junho de 2012

Doce é morrer no mar






a gente moderna gosta
de dizer que a lua é estrela
astro, satélite
acidente geográfico
palavras bestas para coisas simples
que pouca gente entende
mas insiste em dar nome

a gente do cais, mais
verdadeira, sabe que a lua é apenas
a luz que ilumina as águas, os raios
louros de Dona Janaína que veio
ver a lua em noite de céu aberto

Dona Maria mãe da água
a Princesa de Aiocá dos negros
Iemanjá, Inaê 
os cabelos da dona do cais
estendidos sobre as ondas do mar

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Mar Bravo








Mar bravo,
não lembro mais do teu abraço,
do agito 
do aconchego das ondas
na calma da praia.

Acordo cedo
e canto mudo o carinho dos dedos
que percorrem teus cabelos
de um céu escuro
em um beijo demorado.



Mas não agora





tudo é desculpa
para ausência
e a solidão
é repleta de explicações.

a falta
é coberta de tinta
e de camadas de lembranças
de um tempo perdido.

o ainda antes
ignorado
e o depois
esquecido.
Será





a vida cansou
assim como todo mundo
e eu mesmo
de ouvir dizer que seria
de um jeito
quando o melhor seria
ter dito
que não sabia como 
seria.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Saudade




a
porta 
abre,
a asa
voa,
o vale
sobe,
desce,
some.
a sala
roda,
o rio
nasce,
não morre.
o mar
bate,
a brisa
sopra,
o silêncio
sabe,
o sal
se forma.
o fundo
toca
o topo
do inverso
do inverno
que passa
pela porta
que fecha
e encerra 
a tarde
no céu cinza da cidade.




Eu sonhei em um sonho
' I dream'd in a dream '





Eu sonhei em um sonho 
que via uma cidade invencível aos ataques de 
todo o resto da terra,
Eu sonhei que era 
a cidade nova dos Amigos,
Nada ali era maior 
que a qualidade do amor robusto, que liderava o resto,
E era visto ao longo de todas horas 
nas ações dos homens dessa cidade,
E em seus semblantes e suas palavras.









- Walt Whitman






Manhã na Janela
' Morning at the Window '




Bandejas de café chacoalham em porões de cozinhas,
E ao longo das bordas pisoteadas da rua
Tenho consciência das almas úmidas das empregadas
Brotando melancolicamente no espaço dos portões.

As ondas pardas da neblina lançam sobre mim
Rostos deformados que vêm do abismo da rua,
E arrancam de um pedestre em vestes imundas
Um sorriso incerto que paira no ar
E desaparece ao longo do topo dos prédios.






- T.S. Eliot
Sozinho em São Francisco





cabos eletrizados, pontes
e prédios, torres de telefone;
muros altos, ricos e pobres
separados por câmeras de alarme
e fome,

        o fluxo de ruas riscadas de tinta
nessa cidade quase sem coração.

escondido entre o silêncio de pensamentos calados
e a serração, 

                          por trás da neblina
das luzes brancas da estrada escura
e de vultos que se movem entre carros
e sentimentos sonhados sem chance alguma
nessa selva de alma concreta
dessa cidade deserta.

as ondas contra a corrente, um corpo
no desfecho da alvorada, uma babel
onde homens também são vira-latas
e uma nova ternura morena é possível
separada por cercas elétricas
harmônicas e melódicas
em meio ao caos das horas extintas
e de braços exaustos de tanto,

                                            e mais tanto
e de minutos desperdiçados à toa
enquanto os olhos 
          
                   desviam dos olhos que escapam
e a boca murmura um som de desejo ansiado,
 diminuto—
sobre a cerveja amarga. parados no semâforo
mirando as placas verdes de saída
sem saber da chegada.


terça-feira, 19 de junho de 2012






Rumo a novos mares
do alemão, ' Nach neuen Meeren '




Para lá — é que quero ir. E doravante
Creio em mim mesmo e em meu apoio.
O mar se estende aberto, e meu navio
Parte navegando rumo ao azul celeste.
Tudo brilha e parece novo e mais novo,
O meio-dia repousa sobre o espaço e o tempo:
Somente o teu olhar — monstruoso,
Contempla o meu rosto, Infinito!








- Friedrich Nietzsche
Tudo Acontece Comigo





canto sem música
letra sem som

ritmo e cadências
atribuídas, 
artifícios
de cordas invisíveis
sob o toque de dedos estáticos

voz rouca, a sensação
que ecoa
como a noite fria
de inverno
ao largo da lagoa
no ermo

emoção verdadeira
verdade demasiado emotiva
sensibilidade histérica
de vulnerabilidade volátil

sem senso prático
ou possibilidade musicada

em tensão dramática
de uma alma exagerada.

segunda-feira, 18 de junho de 2012




La Figlia Che Piange (A Garota em Prantos)
' The Weeping Girl '





Permanece no mais alto degrau da escada --
Apoia-te no jardim, contra a urna --
Entrelaça, entrelaça a luz do sol nos teus cabelos --
Aperta contra ti as flores com dolorosa surpresa --
Lança-as ao chão e torna
Com um fugaz resentimento em teus olhos:
Mas entrelaça, entrelaça a luz do sol nos teus cabelos.

Assim eu o teria feito partir,
Assim eu a teria feito postar-se sofrendo,
Assim ele teria partido
Como a alma que deixa o corpo rasgado e ferido,
Como a mente que deserta o corpo utilizado.
Eu hei de achar
Algum jeito incomparavelmente leve e preciso,
Algum jeito que ambos entendêssemos,
Simples e desprovido de fé feito um sorriso ou um aperto de mãos.

Ela voltou-se para longe, mas com o tempo do outono
Compeliu minha imaginação por muitos dias,
Muitos dias e muitas horas:
Seus cabelos sobre seus braços e seus braços repletos de flores.
E eu me pergunto como eles teriam sido juntos!
Ter perdido um gesto e uma pose; eu deveria.
Às vezes essas cogitações ainda causam espanto
À perturbada meia-noite, e ao repouso do meio-dia.








- T.S. Eliot
Histeria







vive em mim um temporal.

perturbada chuvarada
que também grita para dentro,
Pessoa,

ora em verso
ora em silêncio.

domingo, 17 de junho de 2012




Headlights
' Faróis ' , de Álvaro de Campos





Distant headlights,
With glows so suddenly alight,
With nights and an absence that so rapidly came back,
At night, on decks, such ailing consequences!
Last sorrow of the dismissed,
Fiction of thought ...

Distant headlights...
Life's uncertainties...
The alighted glows came back forwardly,
By chance, as in a lost glance...

Distant headlights...
Life is useless...
To think about life is useless...
To think about thinking about life is useless...

Let us go far away so the great light coming will no longer be that great.
Distant headlights ...





 

quinta-feira, 14 de junho de 2012





Prelúdios
' Preludes '
 


IV.





A alma dele se esticou tensa ao longo dos céus
Que somem atrás dos prédios,
Ou são esmagados por pés insistentes
Às quatro ou cinco ou seis horas;
E dedos curtos e retos pilando cachimbos,
E jornais da tarde, e olhos
Seguros de certas certezas,
A consciência de uma rua escurecida
Impaciente pra possuir o mundo.

Sou movido por devaneios que se entrelaçam
Em torno dessas imagens, e se agarram:
A noção de uma coisa infinitamente delicada
e infinitamente sofrida.

Limpa a tua mão na boca, e ri;
Os mundos giram como mulheres idosas
Recolhendo lenha em terrenos baldios.







- T.S. Eliot



Prelúdios
' Preludes '



III. 





Você atirou um cobertor da cama,
Deitou de barriga pra cima, e esperou;
Você cochilou, e viu a noite revelar
As mil imagens sórdidas
De que tua alma era feita;
Elas tremulavam contra o teto.
E quando o mundo inteiro voltou
E a luz se esgueirou entre a cortina,
E você ouviu os pombos na sarjeta,
Teve uma tal visão da rua
Que a rua raramente entende;
Sentada na beira da cama, onde
Enrolava os papéis dos cabelos,
Ou apertavas as solas amarelas dos pés 
Entre as palmas encardidas das mãos.







- T.S. Eliot



Prelúdios
' Preludes '



II. 





A manhã vem à consciência
Num vago cheiro ácido de cerveja 
Da rua de serragem calcada
Com todos os pés enlameados que se lançam
Aos cafés que abrem cedo.
Com os outros bailes de máscaras
Que o tempo recomeça,
É de se pensar em todas as mãos
Que fazem sombras encardidas
Em mil quartos mobiliados.







- T.S. Eliot

quarta-feira, 13 de junho de 2012




Prelúdios
' Preludes '



I.





A noite de inverno cai
Com cheiro de bife nos corredores.
Seis horas.
Pontas queimadas de dias cinzas.
E agora uma ventania reúne
Os restos sujos
De folhas secas em volta dos pés
E jornais de terrenos baldios;
A ventania bate
Em cortinas quebradas e chaminés,
E na esquina da rua
Um cavalo solitário bufa e pisa.

E então o ligar das lâmpadas.







- T.S. Eliot
Adagio





busco a nota certa entre palavras
como dedos que sem olhos
rastejam sobre as teclas do piano.
 
existe um mar inteiro de letras
que dependendo da hora
não significam nada
mas que dependendo da hora
contornam o oceano de mágoas
com litorais de alegria.
com a ponta do pé
busco a cadência certa no pedal
e conto o tempo entre um sopro e outro
respiro, deixo que o sangue corra
ao encontro do afago da lua.
 
nada muda em intervalo de música,
nada passa sem que o céu desabe;
o mundo para e o tempo escorre
sem que os braços descansem.



trechos de ' The Great Gatsby '


     


Durante os anos em que eu era mais jovem e mais vulnerável, meu pai me deu um conselho que eu tenho revirado na minha mente desde então.

"Sempre que você sentir um desejo de criticar qualquer pessoa," ele me disse, "lembre-se apenas que todo o resto das pessoas desse mundo não tiveram as vantagens que você teve."

                                                          
             
                                                             *        *        *        *


Ele sorria de maneira compreensiva—muito mais que compreensiva. Tratava-se de um daqueles raros sorrisos possuidores de uma qualidade de eterno reconforto, com os quais nos deparamos apenas quatro ou cinco vezes ao longo de toda uma vida. Encarava -- ou parecia encarar -- o mundo exterior inteiramente por um instante, e então se concentrava sobre você dotado de um irresistível preconceito a seu favor. Compreendia você somente até o ponto que você desejava ser compreendido, acreditava em você da forma que você gostaria de conseguir acreditar, e lhe assegurava de que tinha a impressão exata de você que, em seus melhores momentos, você esperava ser capaz de exprimir.






- F. Scott Fitzgerald

terça-feira, 12 de junho de 2012




Bright Star






Estrela radiante, se eu fosse tão resoluto quanto tu és—
Não deixaria pender acima em solitário esplendor a noite
E assistiria, com pálpebras eternamente separadas,
Como um paciente da Natureza, um Eremita vigilante,
As águas correntes entregues a sua clerical tarefa
De ablução pura em torno dos litorais humanos da terra,
Ou fitaria a branda máscara nova e recém-caída
De neve sobre as montanhas e sobre as gândaras—
Não—mais resoluto ainda, ainda mais inalterável,
No peito maduro de minha bela amada aconchegado,
E sentir para sempre sua ondulação delicada e cair,
Desperto para sempre em um doce desassossego,
E ainda, ainda ouvir seu sopro afetado de ternura,
E então viver sempre—ou desfalecer de encontro à morte.








- John Keats

segunda-feira, 11 de junho de 2012




do inglês, trecho de ' Norwegian Wood '





      Eu pensava em Naoko. Pensava nela nua, vestindo apenas a fivela dos cabelos. Pensava nas curvas da sua cintura e na sombra dos seus pelos pubianos. Por que ela havia se mostrado para mim daquela maneira? Será que ela havia sonambulado? Ou havia sido tudo apenas uma fantasia minha? À medida que o tempo passava e aquele mundo pequenino recuava cada vez mais distante, eu me tornava cada vez menos seguro de que os eventos daquela noite haviam realmente acontecido. Se eu dizia a mim mesmo que eram reais, eu acreditava que eram, e se eu dizia que não passavam de fantasia, pareciam apenas isso. Eles pareciam por demais claros e detalhados para não passarem de uma fantasia, e por demais completos e belos para serem reais: o corpo de Naoko e a luz da lua.











- Haruki Murakami

letter


every now and then when I lie awake in bed
I remember how days once used to start:

I would get out of bed and put some music on,
just loud enough so I could hear it, and do pushups to warm me up.

I would put on the same grimy blue clothes, the same pair of soiled boots
and I would open the trailer door to receive the first blow of frosty air.

a rabbit or two would run away, not that you could always see them,
but you would hear the grass stirring, and a rooster crying in the distance.

I would walk up the same path through the icy grass, check the water tanks
and count the days in my head with an imaginary chalk against an imaginary wall.

as soon as I approached the glass door, the dog called Jack would come running
and I would alway get the impression that dogs were much wiser in showing love than we could ever be.

I would cook breakfast and dream about chopping wood in the peak of the mountain
while little drops of rain would start falling from the misty winter sky.

I felt lonely, sure, but somehow life was kind and simple and good.
I would finish up the fried eggs and role myself a nice tobacco cigarette while waiting for the coffee to percolate.

while drinking coffee, I would dream about a nobel prize, a best-selling novel or at least a woman 
to believe I could do any of that; I would dream about not having to do anything but dream.

I would rest the mug on top of the table and reach for a bulky book with a blue cover called 
Dr. Zhivago, and while I touched the pages and the morning faded away in too-tired-of-waiting dreams
I would remember that Pasternak too had won a nobel prize, even though he did not get to receive it.
Estranheza





eu mesmo não acredito que estou aqui.

é impressionante o quanto o sonho e a realidade têm em comum:
às vezes a gente sonha uma coisa absurda, num lugar absurdo,
cercado por gente absurda, fazendo a mais absurda das coisas
da forma mais absurda possível; mas a gente aceita, e fala para si mesmo
que foi apenas um sonho, e que sonhos são isso, absurdos.

mas na realidade a gente pode às vezes se encontrar na alemanha
e três ou quatro dias depois, passados quase sem perceber, podemos pairar no ar,
sobrevoando cuiabá, pousando no interior do mato grosso, revendo o pai.

alguns dias depois um primo se casa, o tempo passa, e o avião sobrevoa
o oceano atlântico, de volta, e pousa na pista do aeroporto de frankfurt.

a gente come uma salada murcha no balcão do aeroporto e procura um café forte
para tentar dar algum sentido às coisas; não têm.

a gente embarca em outro avião e segue, as horas passando, a gente se perguntando
entre empurrões no corredor se tudo é ou não um sonho; a gente sabe que dalí uns meses estará em casa,
ou em lugares que nunca imaginamos estar, revendo pessoas que imaginamos que nunca mais veríamos,
falando de coisas que a gente pensou que nunca mais falaria.

enquanto os dias não chegam a gente pensa que nunca chegarão,
quando eles vêm a gente quase não percebe que chegaram
e quando se vão a gente mal pode acreditar que já passaram,
que podem mesmo ter existido, sido reais.

a gente se encontra em mesas de bares e diz um para o outro que não crê,
que não crê que possa ser; mas acredite, que como um sonho que se aceita,
é preciso também que se admita, na vida, mesmo aquilo que não se acredita.

quarta-feira, 6 de junho de 2012




Lenda





lembro que naquela cidade
havia um campo
e que em algum lugar do campo
havia um poço.

ninguém sabia exatamente onde
esse poço ficava
pois a grama no campo era alta,
densa.

diziam na cidade que nos últimos anos
três pessoas haviam desaparecido.

a história que circulava
e de que alguém que passeava no campo,
talvez até mesmo à noite,
num passo em falso poderia
ter encontrado por acaso
o poço escondido.

isso ocorrendo,
o sujeito então desabava
em queda livre por metros e metros
de profundidade.

talvez houvessem gritos,
berros desesperados,
mas esses ninguém nunca escutava.

de repente um estrondo seco,
o barulho
da carne contra a pedra.

a sorte seria quebrar logo o pescoço,
morrer de pronto,
o azar seria quebrar apenas a perna
e morrer aos poucos,

lentamente agonizando
prostrado sobre os ossos 
de outros corpos putrefatos

e talvez, olhando para cima,
pudesse ver mais uma vez,
por entre as folhas finas da grama,
um minúsculo ponto branco

que era a lua.






To you, with love
' A você, com amor '




Love is the whispering of the earth
when the stars fade away
and the winds of dawn wander about
in the birth of the day...
the cheerful desertion,
the bright gaiety
of the lips, of the spring
and of the wave that storms
from the ocean...

Love is a memory
that time cannot slay,
a beloved chanty
senseless and happy...

And the inaudible music...

The silence that trembles
and seems to occupy
the heart that shivers
when the melody
of a birdsong
seems to stay...

Love is God in its plenitude
the endless measure
of the blessings that come
with the sun and the rain
be that in the mountain
be that in the prairie
the rain that runs
and the accumulated treasure
at the end of the rainbow.







- Vinicius de Moraes

terça-feira, 5 de junho de 2012




do inglês, trecho de ' Norwegian Wood '




A morte existe, não como oposto, mas sim como parte da vida.

     É um clichê traduzido em palavras, mas naquele tempo eu o senti não através de palavras, mas sim de um nó feito de ar que se encontrava dentro de mim. A morte existe — em um pesa-papéis, em quatro bolas brancas e vermelhas sobre a mesa de sinuca — e seguimos vivendo e a inspirando para dentro de nossos pulmões como fino pó.
     Até aquele momento, eu havia compreendido a morte como algo inteiramente separado e independente da vida. A mão da vida está comprometida a nos agarrar, eu havia pensado, mas até que chegue o dia em que ela tentará nos alcançar, ela nos deixa em paz. Essa ideia parecia a mais simples, mais lógica verdade. A vida está aqui, a morte está lá. Eu estou aqui, não lá.
     Na noite em que Kizuki morreu, entretanto, eu perdi a capacidade de ver a morte (e a vida) em termos tão simples. A morte já não era o oposto da vida. A morte já estava aqui, no interior do meu ser, ela esteve sempre aqui, e batalha alguma me faria esquecer disso. Quando Kizuki, então com 17 anos de idade, foi levado embora naquela noite de Maio, a morte havia me levado também.








- Haruki Murakami