quarta-feira, 28 de maio de 2014

desde que ela se foi



faz tempo

que não lavo roupa
que não arrumo a cama
que não faço a barba
que não escrevo

que não passo aspirador
que não durmo bem
que não rego o pinheiro
que não leio jornal

que não como direito
que não tiro o lixo
que não lavo a louça
que não falo

que não ouço uma voz
que não ligo a tv
que não abro o email
que não rio


sexta-feira, 23 de maio de 2014

tudo que sobe deve convergir



o céu infalível

e eu vulnerável. o céu ileso
e eu em pedaços
pelo quarto vazio onde o silêncio
não deixa dormir. uma voz que
implora me liberta
do pânico do mínimo, da jaula
dos dias-relâmpago, do inferno
que é a escolha,
do espelho que pergunta

quem é você.


quinta-feira, 22 de maio de 2014

02:13



é tarde, mas antes de apagar a luz
quero contar que às vezes deito na cama

e fico olhando as paredes.
as marcas onde os móveis ficavam.
as sombras.

não é muito, mas quebra um pouco
o silêncio

e a solidão das noites.


terça-feira, 20 de maio de 2014

this is just to say (isso é só pra dizer)

by William Carlos Williams
(tradução minha)


comi
as ameixas
que estavam
na geladeira

e que você
provavelmente
estava guardando
pro café

me desculpe
estavam deliciosas
tão doces
e tão frias


domingo, 18 de maio de 2014

bem antes do amor (revisitado)



o som do salto alto ecoou pela escada
e um segundo depois ela surgiu entre a neblina.
a mesma garota, o mesmo casaco.
o mesmo cachecol.
ela olhou pra mim e riu.
o rosto magro, o gosto azedo de vinho na boca,
a hipocrisia da doçura
e a fome por dinheiro nos olhos.
mas é mais pura que
eu. não vende a cabeça, a alma e o coração.
apenas o corpo
e a tristeza incrustada na carne.


quarta-feira, 14 de maio de 2014

do avesso



já tive sonhos em que era internado.
sonhos de explodir. sonhos
que mostram que a gente acumula muita coisa.
que a cabeça transborda.
que o descontrole dá medo mesmo em sonho.
dá um nó no estômago.
já falei muita coisa, não guardei nada.
já senti coisas que não dá pra descrever.
é estranho.
é muito estranho ver o outro.
é uma revelação de algo
muito desconhecido. parece que a gente
virou do avesso
e nada do que fala ou faz
tem sentido.


segunda-feira, 12 de maio de 2014

weltschmerz



she hanged herself with a shower hose.
he jumped from a building.
she shot herself in the throat.
he drank bleach.
he hanged himself with a bed sheet.
she jumped in front of a train.
he shot himself in the head.
she drank pesticide.
she hanged herself with a vacuum cord.
he jumped from a bridge.
she shot herself in the mouth.
he drank cyanide.
he hanged himself with shoelaces.
she jumped from a cliff.
he shot himself in the chest.
she drank lye.


sábado, 10 de maio de 2014

afastamento



o despertador tocando, os olhos abrindo,
as malas, o terno, o sutiã no chão.
o benegripe, o benalet, o sorine, o espelho do closet.
a gente tomando café, ouvindo rádio
e olhando a cerração.
a gente escovando os dentes, trocando de roupa,
descendo a escada em silêncio e entrando no carro.
a gente parado na frente do prédio
sem ter o que dizer.
eu saindo do carro e batendo a porta.
o carro arrancando e você
indo embora.