terça-feira, 29 de janeiro de 2013

palitos de fósforo, garrafas de cerveja 
e uma pilhas de livros


quando fechou os olhos no quarto,
tudo que enxergou foi o abraço que já não tinha.
lembrou da rua dela, uma subida.
das grades cinzas do portão do prédio
e da cor dos azulejos na fachada.

quando abriu os olhos, na cômoda,
viu o contorno das garrafas vazias,
palitos de fósforo e uma pilha de livros.
as coisas passam tão rápido, pensou.
a gente perde quem mais ama assim, sem notar.
quando a falta adquire gosto, já é tarde demais. 
o cão é sujo mesmo.

fechou os olhos de novo
e lembrou do dia em que tinha ido buscar uma camiseta velha,
a última coisa sua que ela ainda guardava.
do rosto fechado que, de dentro do portão,
estendeu o braço entre as grades,
a camiseta verde naquela mão tão pequena.
lágrimas finas escorriam dos maiores olhos que ele já tinha visto,
azuis, redondos e brilhantes.

a gente carrega o passado
como uma mochila nas costas, pensou,
reabrindo os olhos devagar.
no teto, viu uma sombra correr de uma ponta à outra,
descer pela parede e desaparecer no chão.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

impessoal


sozinho, chovo 
toda hora.

os dias passam, 
não estio.

não sei mais 
amanhecer.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

nossa fome



um véu esbranquiçado cobria a cidade naquela madrugada. 
lembra quando o dia amanhecia,
eu disse, depois da chuva,
e a umidade em forma de orvalho pairava no ar, suspensa?
a gente quase não queria que o sol nascesse,
completei, pousando a mão sobre a dela.

sob a névoa pálida,
as pessoas na calçada não tinham mais nome, ou face,
como sombras que não se distinguem da escuridão.
tudo que se vê nessas horas,
continuei, ainda em tom melancólico, é elétrico——
faróis e lanternas traseiras,
postes de luz, sinais de entrada das estações de metrô,
letreiros digitais de ônibus, L90, 3, 18.

ao redor, a cerração baixava sem nitidez.
em tempos assim, eu sabia,
o abismo azul dos olhos dela era a única coisa capaz de calar
a linguagem metálica, o rumor das coisas sem vida.
naquela fundura jazia a certeza
de que enquanto houvesse coragem, não faltaria carinho.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

uma flor para Emily



o som de passos 
   nos degraus da escada.
extintores de incêndio,
                         máquinas 
de café e refrigerante, alto-falantes, 
                    um relógio
pendurado no teto.
palmeiras de plástico, cabides, 
                                         recipientes 
       para cada tipo 
             de lixo,        telefones 
          de emergência,
mural de avisos, setas
          luminosas de saída.
tudo que nos rodeia 
é um pouco isso 
                 que viramos, 
mais aquilo que perdemos

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

coisas que a gente perde no fogo



mais novo,
deitava na cama tarde
e ficava ouvindo música no quarto até adormecer.
torcia pro tempo passar depressa

e não via a hora de ficar velho. 
essa noite, deito com tampões de ouvido que ganhei de brinde num voo.
uma música alta vem de algum lugar na vizinhança,
segunda-feira, quase 1h da manhã. 
contigo, já não tenho mais tanta pressa.
contigo, tento agarrar o tempo entre as mãos, apertá-las com força

e sufocá-lo.
quero fazer seu coração parar de bater
e o fogo parar de queimar.
só que não para.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

carta de amor do Seu Antônio
(encontrada em um velho caderno)


D. J.,


lembra
que daquium pouco mais,
em algum lugar qualquer,

entre portões; que lá ou
ali(teu rosto numa revista

ou atrás de outros rostos
estranhos)um abraço forte
vai te encher de beijo; que é

só saudade e mais nada,
e Tanta Coisa

coisa mais linda do mundo,
meu mundo, minha vida,
todomeuporquê.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

justificativa poética



aqui dentro vive um agito
que não tem como
nem porquê.

tempestade de areia que tento
transformar em algo bonito
que faça bem algum.


sábado, 19 de janeiro de 2013

das coisas que passam, das que não



páginas de um livro são como a cinza
dependurada na ponta de um cigarro aceso,
alguém me disse uma vez, há muito tempo atrás.
como um cronômetro, são as marcas firmes
desse tempo palpável em dígitos ímpares, pares,
carbono e óxido de potássio——
até que caiam, desaparecendo na terra
como fogos de artifício no céu de janeiro.
o amanhã virou hoje, eu disse, e tudo passou muito rápido.
o tempo é de novo uma aflição remota,
de novo essa lembrança mera de algo que não é mais,
que reluz na minha frente como um metal polido,
mas que tem o cheiro das mentiras do jornal.
claro mesmo meu bem, só teu corpo,
berço da coragem, agente do meu silêncio.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

coffee and raindrops



first time i realized what the word meant
we were all at home, someone called and
my mom said she had bad news.

he was found asleep in the garage next 
to the car only he was not really asleep
since he wouldn't wake up.

all the windows were closed and the engine
of the car was still running.
back then i didn't even know that could kill
you.

years later one of the school clerks barged 
into our english class to speak to the teacher.
we all stood in silence and expectation.

she was found lying in the bathtub covered
in blood, both of her wrists cut right open.

back then it seemed like you had to be
brave to do something like that, in a weird
way.

from then on the word became more
and more familiar every time, like coffee
or raindrops.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

ruído branco


já tem noites que não durmo bem.
algo no meu nervosismo atrai pesadelos sobre coisas que já se passaram
há muito tempo. demoro horas pra pegar no sono e penso,
repenso e refaço quase toda a minha vida em questão de minutos.
depois, abandono tudo e me convenço de que é preciso esvaziar a cabeça pra
poder dormir, só que não consigo. fico ainda mais intranquilo cada vez que meu olhar
distingue, entre as camadas de escuridão do quarto, o aparelho celular sobre 
um livro qualquer na mesa de cabeceira, parado, mas vivo, tenho certeza de que ainda ontem
pude ouvi-lo respirar, e era o barulho de uma calma plena, de um sono farto que me
cuspia na cara com a indiferença de uma máquina calculista.

mas não era sobre isso que queria escrever.
queria dizer que da última vez que embarquei num avião apanhei a folha de são paulo
pra ler notícias de futebol. acho que a dor de garganta e o coquetel
de medicamentos têm mexido um pouco com a minha cabeça. começo em um lugar 
e termino invariavelmente em outro, como um cão estúpido à procura de uma bola
que sequer foi arremessada. repito, já tem noites que não durmo bem,
e isso mexe com a cabeça de qualquer um. recomendo a leitura
de don delillo, faz a gente se sentir mais doente mas menos sozinho, mas também não 
era isso que queria dizer. na primeira página do jornal li uma notícia
sobre uns sujeitos de moto que metralharam um bar inteiro em são paulo. 
aparentemente, no bar estava um fulano qualquer que iria testemunhar sobre alguma coisa
que o jornal mal e mal mencionava. ah bom, pensei, por pouco não fica a impressão
de que tinha sido um crime hediondo, incompreensível ou inexplicável. business as usual,
pedi um café e o sujeito na janela pediu mais um pacote de amendoim
enquanto eu refletia que, entre os dois, pelo menos um de nós ainda tinha apetite.

mas não sei bem se era sobre isso que queria escrever.
acho que queria dizer que descobri que acredito em deus porque toda vez que entro
num avião rezo pra ele não cair. essa noite sonhei o tempo inteiro 
com uma festa que nunca acabava e da qual, por algum motivo eu não conseguia
sair de jeito nenhum, e era terrível. entre intervalos de vigília, 
lançava olhares inquisidores na direção do celular que se fingia de morto, sempre
um passo na minha frente. já tem noites que não durmo bem,
mesmo tomando tylenol e uma caneca de chá de camomila.
mas acho que não era bem isso que queria dizer. ah sim, queria dizer
que as pessoas ultimamente têm me dito que pareço triste, com um semblante abatido.
mas também não era bem isso, é que já tem noites que não durmo bem. na verdade,
o que queria dizer é que nunca fui 
tão feliz na minha vida.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

o que importa e 
o que não


a memória longe da
carne, não vai saber
mais do que lembra.

força——que medo
é melhor que nada,
e a gente envelhece.



tão simples
(ou a arte descomplicada)



poemas, acima de tudo,
sempre fizeram com que eu me sentisse

menos sozinho.
no fim é isso, a poesia, como toda a arte,

existe pra que a gente
não fique tão sozinho assim.



sábado, 12 de janeiro de 2013

contorno



viver é tentar frear o tempo, ou então
fechar os olhos.

nesse dia, o céu era uma 
massa branca e turva, as silhuetas
cinzas dos prédios das fábricas
e das chaminés industriais, em
linhas retas no horizonte, descreviam
formas como peças de um quebra
cabeça descolorido. a fumaça ia surgindo
pequena e aumentando rápido,
subindo no ar como se fosse o contorno
da saudade que ia tomando conta
de mim sentado ali, na cabine daquele 
trem de alta velocidade.


um momento em um dia na vida de Franz P. Murroway



hoje eu abri os olhos e tive saudade da minha mãe.
as pessoas me dizem que ela morreu,
e que isso é normal.

meu pai me disse que ela mora no céu.
eu olho pra cima e não vejo nada,
só as nuvens e um azul vazio. 

de noite eu vejo as estrelas e às vezes a lua,
o céu fica preto, fica tarde. 
as pessoas me dizem que passa, e que o tempo cura.

não sei, meu pai também parece sempre triste,
e ele é mais velho e sabe muito.
meu pai quase não fala mais.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

simpósio



o café transbordou.
a gente demora a aprender
a medida certa das coisas.

até a meia-dúzia de bergamotas
me lança um olhar de repúdio.
o computador faz um barulho de apito.

“quero ser escritor”, tenho vontade de dizer,
pensando em Bierce, Gilman
e Faulkner,

mas soa tão tolo a essa altura. 
“coragem”, me diz o papel do aviso 
da inspeção elétrica.

e paciência, eu retruco,
olhando para a pia.
dessa vez a frigideira se omite.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

final de noite


o quarto ainda estava escuro
quando você levantou para ir no banheiro
outra vez, de madrugada.

quando abri os olhos de novo
uma luz branca já iluminava parte
da parede e da porta do armário,
por entre frestas da cortina.

o dia nascendo era uma música branca
derramando imperdoável contra
pálpebras cansadas, incapazes de alterar
qualquer coisa.

o tempo passando é uma ferida que não estanca.

cada vez que o teu corpo mexia,
mudando de posição, eu sabia que
era pra longe, e que as horas não
parariam nem que a gente implorasse.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

subsolo 1



dá pra correr quilômetros sem sair 
do lugar (tentando esquecer que a nossa vida 
é regida por aparelhos).

já faz horas que a televisão saiu do ar
mas o olhar continua preso às formigas na tela.

e hoje em dia se diz que bom mesmo e ser 
livre, e nunca precisar de ninguém
(enquanto a gente finge que a solidão
não é tão triste assim).



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

consciência



o garoto deita na cama mas
não fecha os olhos, e respira fundo,

tentando frear o coração que 
bate rápido.

é o ano de 1996, e o garoto tem 9 
anos de idade. 

ele vive em uma cidade
estranha, de um país estrangeiro.

meu avô morreu. eu vou morrer.
todo mundo vai morrer.

dali em diante, viver nunca mais
vai ser a mesma coisa.