sexta-feira, 27 de junho de 2014

quanto tempo




quanto tempo passei sonhando
com um beijo remoto
num encontro impossível.

quanto tempo passei andando
em círculos em quartos
sem mobília, só o barulho dos passos
e o tumulto das vozes
na cabeça.

quanto tempo passei olhando
pro teto em colchões
atirados no chão, a falta

a única coisa real fora
os percevejos.


domingo, 22 de junho de 2014

em algum lugar entre ezra pound e t.s. eliot




mais um adeus agora.
mais um quarto de hotel vazio.
mais quatro paredes descascadas
de um segundo andar
esquecido.

mais um amor desconhecido,
mais um livro.
gente pobre, trópico de câncer.
um beijo, um abraço,
nunca mais.

mais uma calçada sem luz.
mais um acostamento,
mais um passo, mais um posto.
mais dez horas
de ônibus.

mais uma noite em claro.
pedaços de quem só pensa
em pedaços.

saudade daquela foto
que esqueci entre as páginas
de um livro

de poesia americana.


quarta-feira, 18 de junho de 2014

dez e pouco




dez e pouco
da noite

dentro de trens
desde às oito
da manhã

quantos km
de trilhos
ficaram pra trás
pela janela

quanta coisa
passou
pela cabeça
morreu
no caminho

quantos olhos
fugiram
de outros

com medo
do que viram

quanto pedido
de esmola
comida
cigarro

quanto rosto
marcado
por falta

mergulhado
em espera


suor e saudade




você diz que faz tempo
que não escrevo
mas todo dia acordo de madrugada
mergulhado em silêncio
até a boca
cercado de paredes brancas

numa delas
um poema de amor colado com durex fala
de cinzas misturadas
e de como você arrastou os pés
quando se foi

depois disso resta pouco
tudo já foi dito
e essa arte hoje se resume a lábios
se movendo
fechados balbuciando palavras
mudas garganta
a dentro

você diz que faz tempo
que não escrevo
e eu digo que faz tempo
que as horas
são cubos de gelo largados na pia
que o chão
é feito de restos de vida

morta
cabelos sebo saliva

suor e saudade


domingo, 8 de junho de 2014

sem título



Untitled (1991), Felix Gonzalez-Torres


os lençóis
amassados

as marcas
nos travesseiros

os cabelos
os resquícios
de pele


o cheiro


segunda-feira, 2 de junho de 2014

ao mesmo tempo




o tempo é mesmo estranho.
como passa. como pesa.
como ora acalma e ora derruba.
como acumula atrás da porta
e no vão das janelas. como espera
por você que nunca chega.
você diz que chega, que basta
mas o tempo não liga.
não olhe agora. o tempo mata
o que a memória reencontra.
o que o sonho transforma e as horas
já não são mais as mesmas.
nem tudo se torna. o tempo morre
nas paredes brancas.
como cansa. como o corpo
anseia. como o tempo dança valsa
em volta de dias iguais.
como o tempo inteiro
é uma colcha de retalhos. ecos
de um mesmo grito
retumbando ao mesmo
tempo.


domingo, 1 de junho de 2014

a balada do café triste



quase tudo tem um preço.
é assim que o mundo funciona.
a gente sabe quanto custa
um litro de leite
ou meio quilo de café.
a vida não.
a vida é dada de graça e tirada
sem ressarcimento.
quanto vale? às vezes
parece que pouco
ou nada. essa é a pior solidão.
essa é a dor que
só se cala
do lado de alguém.