terça-feira, 15 de janeiro de 2013

ruído branco


já tem noites que não durmo bem.
algo no meu nervosismo atrai pesadelos sobre coisas que já se passaram
há muito tempo. demoro horas pra pegar no sono e penso,
repenso e refaço quase toda a minha vida em questão de minutos.
depois, abandono tudo e me convenço de que é preciso esvaziar a cabeça pra
poder dormir, só que não consigo. fico ainda mais intranquilo cada vez que meu olhar
distingue, entre as camadas de escuridão do quarto, o aparelho celular sobre 
um livro qualquer na mesa de cabeceira, parado, mas vivo, tenho certeza de que ainda ontem
pude ouvi-lo respirar, e era o barulho de uma calma plena, de um sono farto que me
cuspia na cara com a indiferença de uma máquina calculista.

mas não era sobre isso que queria escrever.
queria dizer que da última vez que embarquei num avião apanhei a folha de são paulo
pra ler notícias de futebol. acho que a dor de garganta e o coquetel
de medicamentos têm mexido um pouco com a minha cabeça. começo em um lugar 
e termino invariavelmente em outro, como um cão estúpido à procura de uma bola
que sequer foi arremessada. repito, já tem noites que não durmo bem,
e isso mexe com a cabeça de qualquer um. recomendo a leitura
de don delillo, faz a gente se sentir mais doente mas menos sozinho, mas também não 
era isso que queria dizer. na primeira página do jornal li uma notícia
sobre uns sujeitos de moto que metralharam um bar inteiro em são paulo. 
aparentemente, no bar estava um fulano qualquer que iria testemunhar sobre alguma coisa
que o jornal mal e mal mencionava. ah bom, pensei, por pouco não fica a impressão
de que tinha sido um crime hediondo, incompreensível ou inexplicável. business as usual,
pedi um café e o sujeito na janela pediu mais um pacote de amendoim
enquanto eu refletia que, entre os dois, pelo menos um de nós ainda tinha apetite.

mas não sei bem se era sobre isso que queria escrever.
acho que queria dizer que descobri que acredito em deus porque toda vez que entro
num avião rezo pra ele não cair. essa noite sonhei o tempo inteiro 
com uma festa que nunca acabava e da qual, por algum motivo eu não conseguia
sair de jeito nenhum, e era terrível. entre intervalos de vigília, 
lançava olhares inquisidores na direção do celular que se fingia de morto, sempre
um passo na minha frente. já tem noites que não durmo bem,
mesmo tomando tylenol e uma caneca de chá de camomila.
mas acho que não era bem isso que queria dizer. ah sim, queria dizer
que as pessoas ultimamente têm me dito que pareço triste, com um semblante abatido.
mas também não era bem isso, é que já tem noites que não durmo bem. na verdade,
o que queria dizer é que nunca fui 
tão feliz na minha vida.

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