quinta-feira, 3 de maio de 2012





dias como navalhas, noites cheias de ratos





quando eu era um rapaz ainda novo eu dividia uma quantia igual de tempo entre
os bares e as bibliotecas; como eu conseguia prover
minhas outras necessidades ordinárias é um mistério; bom, eu simplesmente não
me incomodava muito com isso -
naquele tempo se eu tivesse um livro ou uma bebida qualquer eu não pensava muito sobre
outras coisas - os tolos criam o seu próprio
paraíso.

nos bares, eu achava que era durão, quebrava coisas, lutava com outros homens, etc.

nas bibliotecas o caso era outro: eu era quieto, ia
de quarto em quarto, não lia tantos livros inteiros
mas partes deles: medicina, geologia, literatura e
filosofia. psicologia, matemática, história, outras coisas, me
desencorajavam. na música eu me interessava mais pela música em si e pelas
vidas dos compositores do que pelos aspectos técnicos...

no entanto, era em meio aos filósofos que eu sentia uma irmandade:
Schopenhauer e Nietzsche, até mesmo o velho e difícil-de-ler Kant;
achei que Santayana, que era muito popular na época, era
frouxo e entediante; Hegel você realmente tinha que cavar para encontrar, especialmente
de ressaca; são muitos os que li e acabei esquecendo,
talvez adequadamente, mas eu recordo um sujeito que escreveu um
livro inteiro no qual ele provava que a lua não estava lá
e ele o fazia tão bem que depois você pensava, ele está
absolutamente certo, a lua não está mesmo lá. 

como diabos se espera que um rapaz sinta dignidade em trabalhar
8 horas por dia quando a lua nem sequer está lá?
o que mais
poderia estar faltando?

e
eu não gostava tanto de literatura quanto gostava dos críticos
literários; eles eram verdadeiros idiotas, aqueles caras; eles usavam
uma linguagem fina, bela de sua maneira, para chamar outros
críticos, outros escritores, de cuzões. eles
levantavam a minha moral.

mas eram os filósofos que satisfaziam
aquela necessidade
que cambaleava em algum lugar do meu crânio confuso: se arrastando
pelos seus excessos e os seus
coagulados vocabulários
eles ainda assim frequentemente
chocavam
saltavam para fora
com uma arriscada afirmação em chamas que parecia ser
a verdade absoluta ou terrívelmente perto
da verdade absoluta,
e essa certeza era o que eu buscava encontrar em uma vida
diária que mais parecia um pedaço
de papelão.

que grande sujeitos eram aqueles velhos lobos, eles me salvaram
de dias que eram como navalhas e noites cheias de ratos; e de mulheres
pechinchando como leiloeiros do inferno.

meus irmãos, os filósofos, eles falavam comigo como
ninguém falava nas ruas ou em qualquer outro lugar; eles
preencheram um imenso vazio.
que bondosos garotos, ah, que bondosos
garotos! 

sim, as bibliotecas ajudaram; em meu outro templo, os
bares, era outra questão, mais simplista, a
linguagem e as maneiras eram
diferentes...

dias de biblioteca, noites de bar.
as noites se parecem,
tem um sujeito sentado perto, talvez não seja
um tipo ruim, mas para mim ele não parece certo,
há uma morbidez medonha ali - eu penso no meu pai,
em professores, em rostos em moedas e notas, em sonhos
sobre assassinos de vagos olhares; bom,
de alguma forma esse sujeito e eu começamos a trocar olhares,
uma fúria começa a se ajuntar lentamente: somos inimigos, gato
e cachorro, padre e ateu, fogo e água; a tensão aumenta,
bloco empilhado sobre bloco, esperando pela queda; nossas mãos
se cruzam e se descruzam, a gente bebe, agora, finalmente com um
propósito:

o rosto dele se volta para mim:
“num gostô de alguma coisa, campeão?”

“não. você.”

“qué fazê alguma coisa a respeito?”

“certamente.”

a gente termina nossas bebidas, levanta, vai até os fundos
do bar, no beco do lado de fora; a gente
vira, um encarando o outro

eu digo a ele, “não tem nada além de espaço entre a gente. você
se incomoda de fechar esse
espaço?”

ele corre na minha direção e de alguma forma é uma parte da parte da parte. 







- Charles Bukowski, “The Last Night of the Earth Poems”






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