segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Tarde de Agosto







sobre tua cama estendido me pergunto se serei lido, 
um dia,
num livro velho de capa dura.

se mãos alvas antigas sustentarão o peso de páginas amarelas
entre dedos ressecados de tanto, e tanto tempo
e tanto sol.

cerro os olhos mas não durmo.

a noite chega, se apinha entre o topo cego dos prédios, tons de branco tingido. a noite passa,
gasta e úmida, 
noite sem lua. tanta terra, 
tanta poeira de estrelas. pouso a cabeça

no fino travesseiro de penas, será que um dia, será que um dia serei lembrado
por olhos marejados de pranto? e na varanda

de um estado estrangeiro, ser lido à luz rasa
pela voz branda mais doce que a idade. e na cadeira

o poeta novo celebrará o centenário das dezenas 
de anos mortos do meu corpo em silêncio. e se os frutos que não tenho
hão de nunca brotar, nem mesmo a água do mar há de trazê-los.

Drummond, nossa inquietude gêmea, te escrevo essas tristes palavras por inveja pura
de não ser milagre, de não ser bendito ou ter graça,
funcionário público, nada. no dia

em que confrontei a pedra cálida da tua cova não pude, não pude evitar ver a data
da tua morte gravada na rocha. nem o pó, nem o tempo

extinguiu nosso gesto perdido.

dezessete de agosto 
de mil novecentos e oitenta e sete. na lápide, nosso segredo encerrado
na textura fria do mármore.

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