quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nascido de cavalos lentos


‘‘on the third day
of yr death. the water in my urine turn to blood
i cover the waterfront of the mirror w/a blue cloth where yr face stood
’’

-Kamau Brathwaite




no primeiro dia da tua morte
me sentei sobre a pedra fria do lado de fora
e tentei lembrar se ainda sabia chorar. as lágrimas

romperam as pálpebras secas de anos
enquanto a retina clara mirava as flores amarelas
da acácia dourada. ventava

e o vento sacudia galhos e folhas das árvores.

um palito de dentes rolava de um canto ao outro
da boca, um foco, um ponto de chegada 
pro desejo do pranto abafado. rugia

e o ronco mecânico do gerador a diesel 
sacudia as paredes de compensado da garagem.

segurava as Luzes de Agosto entre mãos de Outubro
num tempo de Julho, geada, frio de montanha. o sol
quase não saia. chovia

e a chuva desfazia o trabalho de meses.

o homem contra a água sem chance
contra o fogo, a explosão do carro na colisão de frente
nossos corpos de carbono. a lágrima

enfim teve curso. a cabeça
se deixou deitar entra as mãos sujas de lama, a boca
deixou que a saliva espessa escorresse
em intervalos de soluço. os olhos 

se apertaram até que as córneas doessem.

nesse instante vi o rosto pálido do meu avô no ataúde. 
quedo, frágil, eterno e remanso como as margens de um rio. ao lado
meu pai mudo, a mão grossa pousada em meu ombro. o vidro

refletindo o luto da terra roxa.

no segundo dia da tua morte
toquei a vida adiante como um homem deve. sequei lágrimas,
traguei catarro e escarrei contra o chão de argila 
a mesma marca molhada da chuva.

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