quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Te esperando chegar







João! João! Ô João! ele gritava, já tarde da noite, olhando para uma janela com a luz acesa, mas sem ninguém nela. Ninguém respondia nada. Ele abaixava a cabeça como se não tivesse dito nada, olhava para o outro lado da rua, para os carros passando, para o guarda. Bora! Bora! Ô Bora! ele gritava. Bora era o guarda. O guarda ouvia, mas não respondia nada. O garoto então se levantava da mureta em que se sentava na calçada, do outro lado da rua, logo ao lado da guarita. Ô Bora, eu vô ali na outra garagem do otro prédio ali tá, eu quero i na garagem do otro prédio ali só que é do otro lado da rua ali, ele dizia alto, sem pausa, quase febril. Tá, tá, senta quietinho ali no muro, fica quieto, respondia Bora, o guarda. E o garoto parava, sacudia a vareta que segurava na mão em silêncio, o rosto deslumbrado de alguém ouvindo algo pela primeira vez na vida, entorpecido, estupefato. Volvia e voltava a se sentar sobre a mureta, balançando as pernas, olhando ao redor. Desculpa Bora que eu fiquei te enchendo o saco tá Bora, desculpa, ele dizia, do outro lado da rua. Bora, calado, só acenava com a cabeça. O garoto levantava inquieto, Desculpa Bora, desculpa que eu te enchi o saco, desculpa Bora tá? ele repetia nervoso, angustiado, a voz embargada de langor. Tá, tá, senta ali quietinho então, já desculpei, dizia Bora sem muita paciência. O garoto silenciava e tornava a se sentar na mureta, a cabeça baixa, depois olhando ao redor de um lado ao outro, como um periscópio de submarino. Naquele instante me dei conta do provável motivo pelo qual Bora se encontrava daquele lado da rua, contrário ao da guarita. Provavelmente já não aguentava mais o garoto, os gritos febris, as frases sem nexo, o timbre insensato bradando nomes em direção às janelas vazias, focos de luz sem a presença de um corpo. Seu Sérgio, Ô Seu Sérgio! Tá calor hoje né Seu Sérgio, gritava ele na direção de um homem que adentrava o prédio apressado, sem olhar para o lado, sem proferir qualquer palavra em retorno. Era complicado. O garoto era boa gente. Lembro que desde os meus dez anos de idade, sempre que eu deixava o prédio e ele estava ali na frente, do outro lado da rua, sentado na mesma mureta, ele gritava, Colorado! Colorado! Ô Colorado! e eu ainda podia ouvir os gritos me seguindo quando já tinha dobrado a esquina da rua de cima. Acontece que alguns dos sujeitos que trabalham de vigias nessas guaritas são uns tipos silenciosos, sem muita conversa. Principalmente à noite, gostam de ficar observando, caminhando de cima para baixo pensativos, sem muito papo. Bora provavelmente já tinha estourado o seu limite de prosa, ainda mais desse tipo sem nexo, desatinado. Ouvir o garoto era um pouco como ouvir um rádio quebrado tocando a mesma música durante horas sem intervalo. Do outro lado da rua, o garoto olhava para Bora com um semblante repleto de admiração, de amor quase, a boca entreaberta, os olhos emitindo uma luz opaca mas constante, um brilho estranho que se misturava à luz das lâmpadas e dos faróis dos carros em movimento na calada da noite. Parado escorado no portão de entrada do prédio, tive por um instante a nítida impressão de que o garoto era feliz. Estranhamente feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário