quarta-feira, 14 de outubro de 2015

receio




receio de olhar no fundo dos olhos
do bêbado sentado no banco da frente.

receio de distinguir atrás das córneas,
pupilas, íris e cristalinas as mesmas
sombras. os mesmos hiatos e abismos.

a mesma ânsia por consolo e a mesma
urgência de escapar de si mesmo.

de se entregar de corpo e alma a
alguma coisa. seja vodca. seja palavras
ou outra pessoa.


domingo, 4 de outubro de 2015

oito quilos




ele ficou insistindo pra ficar comigo e eu dizendo não.
ele dizia que não teria problema porque tinha camisinha.
ele dizia que eu poderia não fazer nada que ele faria tudo.

acordei com a dor dele me penetrando por trás.
no dia seguinte tinha sangue na minha calcinha.
me aconselharam a não abrir sindicância.

disseram que não havia provas.
disseram que eu estava bêbada.
disseram que não daria em nada.
disseram que eu estragaria a vida dele.

eu já tinha tido um quadro de depressão.
tive uma recaída.
perdi oito quilos.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

café com leite em pó




manhã de segunda e você na cozinha
fazendo café com leite em pó.

a gente falando do tempo, se perguntando
se vai continuar frio. ao fundo

o rádio noticiando o número
de mortes violentas no fim de semana.

poucos meses atrás, tudo isso
era só um outro jeito de dizer

adeus. agora, é só a vida em pedaços
bem nas nossas mãos.


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

boa parte do tempo




a vida nunca pareceu tão curta.
a gente nunca tão preso
a consolos que não consolam.

passos ressoam no piso
de mais uma sala de espera.
eu meço a vida em portões
de embarque e avisos
luminosos de apertar os cintos.

rostos passam sem ser vistos
e boa parte do tempo
sinto falta de algo que não lembro 
de ter perdido.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

dúvida




faz tempo que não escrevo.

me pergunto se é porque tenho andado feliz. 
se é só da tristeza que vêm as palavras. 
da solidão das noites ecoando nas paredes. 

do chuveiro pingando e eu acordado, 
vagando sem rumo pelos labirintos da cabeça. 
da certeza que amanhece na boca 

e o café não lava: a vida não dura. 
e ao longo dela a gente perde tudo que 
mais ama.