quinta-feira, 10 de novembro de 2016

uma ilha




você se matou com veneno de rato.
no apartamento, caixas de remédios vazias e um prato com restos de comida
misturados com chumbinho.
a última vez que tinha visto teu rosto foi em rei do gado.
quando era mais novo, passava noites em claro imaginando a gente juntos.
numa carta você disse que estava cansada, “cansada de cabeça.”
que não era questão de lugar—não queria mais morar “em lugar nenhum.”
que queria partir “pra junto de deus,” se possível da mãe.
que não queria “envelhecer e sofrer.”
sete anos depois, leio um poema do bukowski pra brigitte bardot.
na estação de metrô, uma velha para no meio das escadas e com a boca semiaberta
balbucia palavras sem som,
os longos cabelos grisalhos secos como palha,
os olhos encrustados de remela fixos no vazio.
sinto muito, leila, pela solidão e tristeza e as crises de pânico.
pela retirada do útero.
por não poder ter filhos.
sinto muito, leila, por não ter acariciado teus cabelos negros e sussurrado
“tá tudo bem,” mesmo não estando.
sinto muito por tudo, leila.
pela dor que cada um carrega como uma ilha.
pelo teu amor que sonhei ser meu, e o meu amor que
não pude te dar.


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