domingo, 20 de novembro de 2011

no coração da escuridão
(tradução livre de trechos de Heart of Darkness,
de Joseph Conrad)



"As luzes dos navios se moviam no horizonte enquanto para além do oeste a monstruosa cidade permanecia estendida sobre o céu, um leve breu no brilho do sol, o olhar ofuscante das estrelas.
A mente humana é capaz de tudo - pois tudo é contido nela, todo o passado assim como todo o futuro. O que restou depois, no fim? Alegria, medo, miséria, entrega, valor, raiva - quem pode dizer? - Mas a verdade - a verdade nua, despida da capa do tempo. Deixe que o tolo trema - o homem sabe, e segue olhando sem jamais piscar. E é preciso que encontre aquela verdade com a sua própria forma - a própria força com que nasceu. Princípios? Princípios não serão o bastante. Aquisições, roupas, panos bonitos - panos que voariam ao primeiro balanço do vento. Não; algo mais é preciso, uma crença de total consciência.
Eu não gosto de trabalho - homem nenhum gosta - mas gosto do que há nele - a chance de encontrar a sí próprio. Sua própria realidade - para sí mesmo, não para outros - o que outro homem nenhum jamais saberá.
Além da cerca jazia a floresta, imperturbável à luz da lua, e através da neblina, por entre ruídos do pátio em lamento, o silêncio da terra encontrando refúgio no peito de cada um - seus mistérios, sua imensidão, a realidade absurda de toda a vida alí contida.
Então ocorreu-me que tanto discurso quanto silêncio, ou até mesmo qualquer tentativa de ação, seria mera futilidade. Não há medo que tolere a fome, nem paciência que a canse e, onde há fome, desgosto nenhum é capaz de existir; quanto a superstições, crenças, ou o que alguns chamam de princípios, são nada mais que um grão de trigo na brisa.
É impossível absorver de todo a sensação de vida de uma época qualquer da existência de alguém - aquilo que a torna verdade, o sentido - a sútil e última essência. É impossível. Vivemos, como sonhamos - sozinhos...
Coisa curiosa é a vida - esse misterioso arranjo de uma lógica sem misericórdia e de propósito absurdo. A ambição máxima a se esperar, algum conhecimento de sí mesmo - que vem tarde demais - uma fonte de infinitos arrependimentos. Eu lutei contra a morte. É o mais sem graça dos combates. Ocorre em um local de um cinza impalpável, nada abaixo dos pés, nada ao redor, nenhum espectador, nenhum clamor, glória nenhuma, vontade nenhuma de vitória ou o medo absoluto da derrota, uma atmosfera doentia de cepticismo, pouca fé no próprio direito, e ainda menos no de seu adversário. Se é essa a forma do conhecimento final então a vida é um enigma ainda muito maior do que se pensa.
Ela sabia. Ela tinha certeza. Ouvi ela chorando. Ela havia escondido o rosto nas mãos. Tive a impressão que a casa desabaria ainda antes que eu pudesse escapar, que o céu desabaria sobre a minha cabeça. Mas nada aconteceu. Não tive forças pra falar. Teria sido horrível - absolutamente horrível. "

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