sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ter pouco



quando era novo, a empresa em que o pai trabalhava faliu.
o irmão e ele mudaram de colégio e passaram a andar de ônibus.
a família se mudou prum apartamento de um tio,
não de favor, mas pagando bem menos que o valor do aluguel.

a mãe não fazia mais supermercado sem calculadora
e não cansava de lembra-lo a cada item da lista
pra não sair “pegando nada antes de olhar os anúncios de promoção.”

no quarto que o irmão e ele dividiam ficava uma estante improvisada
que o pai tinha mandado fazer de compensado
e que os dois pichavam com canetas coloridas pra tentar tornar única. 
numa outra estante doada, de frente pras camas, ficava uma tv de tubo
12” polegadas na qual aos domingos de manhã
cedinho ele assistia pesque e cia. e siga bem caminhoneiro.

foi um tempo difícil, principalmente pros pais, mas no fundo
eles sabiam que continuavam tendo muito.
amor e carinho, um ao outro, mas também muita coisa mesmo.

sabiam que boa parte das pessoas tinha bem menos
e cada vez mais ele se perguntava o que significava ter muito
quando tanta gente tinha tão pouco.

sabiam que ter pouco era dormir nas ruas de porto alegre
em pleno inverno. que ter pouco
era procurar comida nos sacos de lixo de prédios
como o deles. que ter pouco era viver à beira do dilúvio pedindo
esmola na sinaleira

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