segunda-feira, 1 de março de 2010

2.



O dia todo, desde o princípio, tivera novamente cara de chuva, mesmo enquanto ainda não chovia. O vento batia e por entre as folhas das árvores soprava, fresco, carregado de tensão e umidade. Já era agora ínicio de tarde, e a mesma seria completamente vazia não fossem as lembranças que aos poucos a preenchiam contra a minha própria vontade. Memórias passadas,
imagens embassadas, visões alternadas de encontros apagados, distantes mas ainda presentes. Lá fora a chuva só sabia cair. E eu dentro - só sabia lembrar, por mais que tentasse afastar qualquer pensamento que surgisse na cabeça. Inevitável. Dia vazio, lembranças que brotam sem fim, sem piedade, memórias tristes carregadas de saudade. Peguei no sono ao som oco da chuva que não ousou se tornar tempestade, mas que mantivera ao menos o frescor da manhã vivo, talvez a única coisa de fato viva em um dia tão vazio, tão sem porquê. Em mim sentia que havia tanta vida quanto em uma caixa vazia de papelão, rasgada, atirada ao acaso no chão. A vida pulsava com certeza em algum lugar, em algum lugar longe daqui. Aqui hoje, só memórias, lembranças e vãs esperanças, possivelmente ilusórias. Mas nem todo dia é feito de glórias, e eu
quase nunca me afeiçoei de fato a elas. Respirei fundo o ar denso da chuva, preenchi os pulmões com a umidade fresca e levantei. Lentamente as lembranças começaram a se dissipar,
foram aos poucos se desfazendo como quase todo casamento, vagarosamente me abandonando e me deixando enfim em paz. Fui atirado - finalmente - de volta ao cotidiano.

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