domingo, 22 de julho de 2012

Anjo Desolado






a tua voz 
partia a terra como um relâmpago,
como um raio de luz incandescente, um canto rápido
lento rangido em teclas de piano pobre, 
podre, um timbre rouco de dedo doce, 
grave, severo. o teto do quarto
quase rompe o quadro da fome
da febre na cama, da roupa úmida, do corpo em estado de choque,
do lapso, do pesadelo, da quebra do frasco
de benzedrina no copo de chá preto. o suor da ternura sem crença,
a gota, a estrada sem posse, sem pose, o poste
de coragem resoluta, o riso, a loucura de olhos
em transe, de braços em espasmos de bronze,
da dança possuída, da noite em notas de saxofone. tua voz
repetia o mesmo nome composto, o mesmo
rosto perdido no dobrar da esquina sete
da noite fria do leste, desesperado, ansioso
por qualquer tipo de abraço, de alívio,
qualquer tipo de palavra[eu te amo]. o rolo, a lágrima, o velho livro
sobre a velha escrivaninha de madeira, a velha foto
rasgada[reunida]em busca do tempo, do bater incessante de teclas mortas
na máquina fria, por uma alma viva
mais viva que a vida. a tua voz
varou madrugadas em doses de whisky, embriagada 
num genocídio de guimbas no cinzeiro de prata, no olhar perdido 
na parede vermelha, na gasta capa azul de um livro eterno, vanescendo 
como um eco num sonho, um reflexo fosco
num falso espelho. e passos e passos e passos e mais passos
de pés cansados no asfalto quente, no vasto granito áspero,
na areia árida do deserto, na grama seca do inverno. de qualquer modo, tua voz 
dizendo que somente a morte e o ordinário desespero da idade 
nos esperam. os coraçãos partidos, os nossos olhos
mirando a rua adiante, fadados sempre 
a cair novamente. God...

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