segunda-feira, 2 de julho de 2012

não fala nada agora









Nunca quis tanto sonhar.
Soltei o livro na cabeceira tendo lido pouco mais de cinco ou seis páginas,
não porque não fosse bom, mas porque lia como quem repetia uma lista qualquer
na cabeça. Aliás, lembro da tua. Água, arroz, leite, queijo, pão. Soltei o livro e deitei
de barriga para cima e fechei os olhos, respirando fundo. Sonhei a noite toda contigo.
Acordava de hora em hora assustado, erguia a cabeça e buscava pelo quarto, na minha cama,
perto da porta. Nada. Sozinho. Deitava a cabeça no travesseiro e cerrava as pálpebras
com finalidade resignada. Era o único jeito. Já escutava a tua voz de novo, perto do ouvido, doce
como voz de criança. Já sentia o calor do teu corpo, já sem vergonha de abraçar forte, cheirar os
cabelos. A noite transcorreu toda assim, eterna enquanto durava. Ouvi o alarme e pela úlima vez
ergui a cabeça e busquei, procurei com tudo que me restava. Nada. Um copo de água sobre a cabeceira, o livro largado, o sol que se escondia em uma faixa de laranja no céu escuro da janela. Senti um vazio que não se explica, um desespero que não é calma. Andei de um lado para outro da casa em busca de um consolo nas paredes, no jornal, em alguma notícia boa. Só pensava em te ligar. Passei um café e andei até a janela de onde vi a cidade toda estendida, até o Guaíba, cinza, uma manhã de segunda-feira. Sabia que ia embora e nada que sonhasse teria sentido. Sabia que nada que sonhasse seria. Vi a porta do carro fechando, o adeus dos teus olhos. Fechei os meus e respirei fundo o ar fresco que vinha da janela. Tentei sonhar mas já era passado. Não era a noite apenas que já não era, o ontem encerrado no princípio do dia. Eram quase dez anos. Isso era passado. Por muito tempo achei que entendesse, não entendia. Doía não entender, e por vezes doía não poder voltar atrás, por mais infantil e idiota que fosse pensar assim. Água, arroz, leite, queijo, pão. Dez anos se passaram enquanto eu achei que não importava, mas importou. Agora passou. E eu gravo a lista tentando agarrar um sonho que também já foi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário