terça-feira, 31 de julho de 2012

Passeio






Procuro na escada, mas não importa. Sentados em roda entre paredes de pinturas 
de traços tão familiares. Elegia, ele explica, uma homenagem a alguém morto, algo 
normalmente triste. Catatonia, ele pergunta, conhece? Não, respondo. 
Andar pelos corredores do hopício entre odores nauseabundos e não sentir nada, diz ele, absolutamente nada. A perda total da capacidade de emoção, da possibilidade da sensação.
Salvo a palavra no celular.
Imobilidade motora, comportamento anormal, insanidade tensionada
em letargia tratada com terapia eletro-convulsiva. Perda gradual da coordenação
e as mesmas posturas rígidas mantidas por horas e horas a fio.
Todo estímulo externo ignorado
expresso em frases sem sentido, repetições de um delírio de negativismo extremo.
Tudo sedado, adormecido à base de anestesia, de benzodiazepina.

Penso sobre tudo isso enquanto me sento na mesa da lancheria do parque, peço um
café com leite, café com leite? ele me pergunta surpreso. Já não sou mais o mesmo,
respondo, o relógio marca seis horas da tarde e eu já bocejo. Uma vodka comum, pede ele. 
Participo da conversa, das risadas sinceras, mas não posso deixar de notar
que numa mesa contra a parede senta um sujeito num terno gasto de linho, uma pasta
preta sobre o tampo cinza da mesa, um copo de vinho tinto barato cheio até a boca.
Ele cruza as pernas e afunda na cadeira, suspira, sorve um gole demorado.
Tem um olhar vazio que parece isopor.
Estupor, ele me perguntara à tarde, sabe o que é isso? Não conheço a palavra,
havia respondido, mas pensando agora percebo que noto a sua presença
quase todos os dias, e sei que conheço bem o preço por ele cobrado. 

Lembrei do carro estacionado na rua. Lembrei do pombo que jazia morto
embaixo da carroceria. Lembrei que depois de muito tempo, de anos, agora
sentia vontade de ficar sempre sóbrio, de olhar pro mundo de cabeça fria.
Já não sou mais o mesmo, pensei de novo.
Nos levantamos, olhei uma útlima vez pro sujeito no terno batido e desejei silenciosamente
boa sorte, pois chance
era uma carência compartilhada por todos, eu inclusive, ou principalmente.
Paguei a minha parte da conta, um quarto da polenta e o café.
O com leite? me perguntou. O com leite, respondi.



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