segunda-feira, 16 de julho de 2012

Uma Noite Antiga






não cogitei repeti-lo
trancado em banheiro.
passei os dedos
quase congelados
pelo cimento entre os azulejos,
contando-os, do chão ao teto,
os pés contra a porta fechada,
as costas contra a privada.
a noite passou mais lenta que um ano
inteiro de trabalho frustrado, infértil, ignóbil.
tomei um banho gelado tremendo
sob fios de água tênue, insípida, translucida.
vesti roupa sobre roupa, cada meia,
cada camada que tinha. senti frio
como se sente fome quando não é apetite
mas necessidade. não cogitei repeti-lo,
não havia ninguém noutro cômodo.
na alta madrugada ouvi um molho de chaves,
um ranger de dobradiças enferrujadas, um ruído
de correr de torneira. não cogitei abrir a boca.
permaneci em silêncio abjeto, opaco, torpe.
lembro de indagar a parede sobre o cheiro da morte,
mas não cogitei sentir cheiro de gás.
se não há medo, não há berro, se não há risco,
não há arquejo que exista. 
quando a manhã nasceu do ego, olhei no espelho
e rezei por Torquato que dormia
em algum rincão da lua que, baixa, se despedia do céu.
agradeci a chance de escrever uma carta,
de sentir o calor voltar às extremidades, às unhas roxas,
ao lábio seco, 
à retina dos olhos cravejada de limo, remela árida.
encontrei o primeiro posto de esquina, pedi um café preto
e fui aos poucos recolhendo
cada pedaço da minha vida.

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