segunda-feira, 23 de julho de 2012

Borges, a morte, o anúncio de cigarro.






Numa manhã quente
como quase sempre é na Austrália
compareci ao velório do filho novo de um amigo
falecido vítima de um câncer que, no último mês,
se espalhara pelo corpo todo do garoto.

Tomado de tristeza chorei quase o tempo todo.
Não conhecia quase ninguém na igreja e as palavras do padre
proferidas em inglês pareciam me atingir mais em tom e ritmo
do que em significado. Ainda assim, 
com as mãos entrecruzadas, chorei ajoelhado, meu coração partido.

Lembro que ao cabo da cerimônia procurei o amigo 
e dei-lhe um forte abraço, eu pedindo desculpas, 
ele pitando um cigarro no sol. Disse que infelizmente tinha de ir,
tinha um trabalho marcado para o início da tarde. Ele sorriu
e disse, bobagem, que não tinha problema, e obrigado 
pela presença. Vi uma tristeza escondida atrás dos olhos
que eu mal sabia que o mundo continha.

Subi as escadas de ferro da estação de trem sob o forte calor,
vestido de preto, suando, de óculos escuros. Procurei o banheiro
e apoiado com o pé sobre a patente fui abrindo a mochila,
tirando a roupa, trocando peça por peça pensando o tempo todo
que isso tudo já era o tempo passando. Vi que a misericórdia
era coisa rara, coisa breve, uma linha quase translúcida
em uma daquelas estradas de sonho. Ouvi o ponteiro do relógio
cair, o horário trocar, o ruído do aço sobre o aço
do trem alcançado a plataforma de concreto. As pessoas
apressavam-se para adentrar as portas primeiro
ignorando os avisos do perigo do espaço
entre o trem e o piso. Não importava. O destino secreto do tempo
já havia se anunciado no uniforme fresco
e no aviso sonoro do itinerário. Mesmo a morte mais dorida
não podia durar.

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